“O golpe não terminou”, afirma Dilma em entrevista ao Sul 21

Em entrevista ao Sul 21, publicada nesta segunda-feira (20), a presidenta eleita Dilma Roussef advertiu que o golpe ainda está em curso. “Não acabou”, disse ela.

Dilma Brasil 247 - Reprodução Brasil 247

“A segunda etapa do golpe pode ser muito mais radicalizada e propensa à repressão. Nossa missão é garantir o maior espaço democrático possível, denunciar todas as tentativas de restrição das liberdades democráticas e tentar garantir em 2018 um processo que seja construído por baixo”, completa.

A presidenta legitimamente eleita aponta o desmonte promovido pelo governo de Michel Temer (PMDB), com a entrega do patrimônio nacional, como petróleo e gás.

“Estamos vivendo um momento de destruição dessa cadeia que era uma das mais importantes do país. Ela é uma das mais importantes porque a produção de petróleo em águas profundas exige um fornecimento de equipamentos e serviços de engenharia, uma expertise em extração de petróleo em grandes profundidades sob grande pressão e altas temperaturas. Ela exige uma tecnologia sofisticada. Todos os países desenvolvidos – e mesmo os em desenvolvimento – que tiveram a experiência da descoberta de petróleo buscaram, de alguma forma, internalizar essa cadeia, fazendo que ela não fosse uma cadeia externa para não ter o efeito da chamada doença holandesa. Nesta doença, você cria uma riqueza, por exportação ou exploração da mesma, mas essa riqueza não é internalizada na forma de criação de empregos, investimentos, desenvolvimento científico e tecnológico”, explica.

Dilma citou também o cortes em investimentos que estavam sendo feitos em áreas estratégicas como segurança nacional e tecnologia.

“Há três grandes projetos envolvendo cada uma das Forças Armadas. Para a Aeronáutica era a construção do caça por meio de uma parceria de incorporação de tecnologia com a Suécia. Para a Marinha, é todo o programa do submarino nuclear. Esse processo avançou muito. Uma parte da engenharia estava lá na França e outra parte estava aqui construindo um submarino não nuclear. A interrupção desse projeto é gravíssima”, destacou.

E segue: “É algo que, por questões de segurança nacional, não poderia ser interrompido. Para o Exército, havia dois grandes projetos, um sobre a guerra cibernética e outro relacionado ao parque industrial de armas médias e pesadas, além da proteção de espaços estratégicos como linhas de transmissão complexas que, se caírem, fazem cair um pedaço do Brasil. Esses projetos estão baseados em uma visão dupla com a qual trabalhamos, de construção soberana de uma indústria militar e de garantia da segurança nacional. Há um programa que foi construído a partir dessa visão”.

Ela reforça que essa política de destruição nacional tem impacto direto nos direitos sociais. “A questão social é ainda mais grave. O modelo principal aí é a emenda constitucional que foi aprovada congelando por até vinte anos os investimentos. Mas ela não faz só isso não. Ela enrijece o orçamento e, ao fazer isso, cruza duas coisas. Uma delas é o enquadramento do Brasil, mais uma vez, depois que nós interrompemos o neoliberalismo do Fernando Henrique. Para isso, é preciso ‘limpar’ o orçamento, ou seja, tirar dele esses subsídios desnecessários para os pobres. Essa é a ideia que está por trás dessa emenda constitucional”, denunciou.

De acordo com a presidenta, além disso, o congelamento do orçamento por 20 anos, como define a PEC 55, “também é uma medida de exceção”.

“Está consagrado na Constituição que nós somos um país democrático que elege seu presidente pelo voto direto do povo brasileiro. Quando elegemos um presidente, elegemos um projeto que é executado via orçamento. Se você congela o orçamento por vinte anos, está burlando a Constituição ao longo de cinco mandatos. E onde fica o direito ao voto direto?”, indaga Dilma.

E acrescenta: “Essa é a dimensão mais profunda do golpe. A mais visível é aquela expressa na frase ‘vamos estancar a sangria antes que eles cheguem até nós’, antes que as investigações de corrupção cheguem à ala política dos golpistas”.

Sobre as motivações do golpe, Dilma afirmou que, com as quatro vitórias consecutivas nas eleições, a direita tinha “perdido completamente a esperança de ganhar uma eleição dentro do método democrático e acabaram aplicando aquilo que o [Milton] Friedman disse para Pinochet, fazendo com que o politicamente impensável torne-se politicamente inevitável”.

Ela citou a decisão de impedir o ex-presidente Lula de ser ministro da Casa Civil como exemplo desse caminho antidemocrático. “O STF impediu que o Lula assumisse a condição de chefe da Casa Civil e, agora, permitiu que Moreira Franco virasse ministro. Nos dois casos, o Supremo não poderia ter interferido. Ele só interferiu no segundo por causa do primeiro, adotando critérios diferentes nos dois casos. Quando você não respeita a isonomia, o arbítrio passa a ser a regra e o estado de exceção vai se infiltrando progressivamente na democracia”, disse.