Não foi Lula quem acusou Dona Marisa, mas o MPF e a mídia sem provas

O depoimento no dia 10 de maio, evidenciaram o caráter frágil e a espetacularização feita no processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que as convicções daqueles que acusam é sobreposta as provas.

Por Dayane Santos

Lula e Dona Marisa Veja - Reprodução

Após cinco horas de depoimento em que o ex-presidente foi inquerido sobre cada ponto das acusações, a imprensa e os procuradores disseram que encontraram apenas três “contradições”: a "imputação de atos à sua falecida esposa"; a "sua relação com pessoas condenadas pela corrupção na Petrobras"; e "a ausência de explicação sobre documentos encontrados em sua residência".

Sem provas para sustentar a sua tese de culpa repetida diuturnamente contra Lula nos últimos três anos no caso que se refere ao tríplex do Guarujá, a imprensa passou a dizer que Lula culpou a Dona Marisa Letíca, ex-primeira-dama, em seu depoimento sobre os fatos que envolvem o imóvel que o Ministério Público Federal (MPF) insistem em dizer que ele era proprietário.

A manobra, que foi capa da revista Veja desta semana, manchete de diversos jornais e usada por grupos da direita para proliferar mentiras nas redes sociais, mantém o discurso de que Lula é culpado, mesmo sem provas, e ainda que estaria jogando a culpa em alguém que já faleceu para se livrar da condenação.

Além de uma covardia, a tese é um factoide. Primeiro, porque o ex-presidente pediu por vezes ao juiz Sergio Moro para não lhe fazer perguntas sobre a participação da ex-primeira-dama. “Eu só queria, doutor Moro, pedir uma coisa. É muito difícil pra mim toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender. É muito difícil”, afirmou.

Ou seja, quem trazia o nome da ex-primeira-dama ao depoimento não era Lula, mas o juiz Sérgio Moro. A imprensa noticia como se Lula tivesse citado o nome de Marisa Letícia voluntariamente, sem que fosse questionado.

Reafirma os fatos

Segundo, porque não há contradição no apontamento feito por Lula a Dona Marisa, pois, assim como ele, Marisa foi denunciada em setembro do ano passado pelo MPF, justamente por ter decidido adquirir legalmente cotas do empreendimento com a Bancoop – Habitacional dos Bancários de São Paulo.

Ao citar Dona Marisa, o ex-presidente não estava emburrando a responsabilidade a um terceiro, alheio ao processo, como afirma categoricamente a grande mídia e os procuradores por meio de nota. Pelo contrário, estava confirmando o que vem dizendo há meses, inclusive nos autos do processo.

Lula e Dona Marisa nunca negaram que adquiriram uma cota de participação do imóvel, que dava direito, como associado, a aquisição de unidades habitacionais pelo sistema de autofinanciamento. Quem assinou a adesão foi Dona Marisa, e não Lula. O próprio MPF afirma na denúncia que Lula e Marisa Letícia usaram “artifícios ardilosos” para esconder a posse do imóvel, portanto, não se trata de imputar um suposto crime a terceiro.

Porém, a denúncia apresentada pelo MPF admite que os únicos pagamentos efetuados pelo casal entre 2/5/2005 e a data em que as referidas tabelas foram consolidadas (9/12/2008) se referiam às parcelas mensais do apartamento 141 e não o triplex de número 174. “Não foi encontrado nenhum pagamento que tenha sido realizado por Lula ou Marisa à Bancoop para a aquisição da cobertura triplex 174”, diz um trecho da denúncia apresentada pelo MPF.

Vale destacar que Dona Marisa, além de primeira-dama, era uma militante, fundadora do PT, que ao longo da trajetória política de Lula, sempre cumpriu papel determinante na condução da administração da vida familiar. Após dois mandatos bem-sucedidos de Lula, Marisa foi a fortaleza do ex-presidente na luta contra o câncer e buscava dar ao marido e a família o descanso de uma vida marcada pela intensa agenda da militância, das campanhas e atividades como ex-presidente.

Papel de Marisa

No depoimento, Lula enfatizou o papel da esposa na condução administrativa da família, que exercia com independência. Afirmou que Marisa comprou a cota como uma forma de investimento. Questionado pelo juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância, se saberia explicar por que a OAS teria declarado em depoimento ao MP de São Paulo que o apartamento foi reservado a ele se a família não havia exercido opção de compra, o ex-presidente respondeu: “Eu fiquei sabendo que apenas em 2012, ou final de 2011, por causa do meu câncer, que dona Marisa tinha autorizado a OAS vender o apartamento. Isso eu vi aqui no depoimento não sei de quem, mas eu vi isso aqui”.

A afirmação do ex-presidente, ignorada pela grande imprensa, reforça que Dona Marisa, diante de um momento difícil e como qualquer chefe de família, estava preocupada com o bem-estar de seus entes, garantindo uma renda para o futuro.

Interesse da OAS

Lula disse que um ano depois de concluída a obra do Edifício Solaris,entre 2014 e 2015, esteve junto com Marisa Letícia e o então presidente da empresa incorporadora OAS, Léo Pinheiro, em uma unidade disponível para venda no condomínio. Era o apartamento tríplex 164-A, com 215 metros de área privativa: dois pavimentos de 82,5 metros quadrados e um de 50 metros quadrados. Por ser unidade não vendida, o 164-A estava registrado em nome da OAS.

Interessando que Lula comprasse o imóvel, Léo Pinheiro ouviu de Lula que o imóvel não se adequava às necessidades da família e apontou uma série de problemas. Esse interesse refletia o momento de crise no setor imobiliário, que a partir de 2013, começou a dar sinais de desaquecimento. Ou seja, a aquisição de um imóvel pelo ex-presidente agregaria valor ao empreendimento. Nesse intuito, a OAS tentou bajular Lula e adequar o imóvel dando solução às críticas feitas pelo ex-presidente.

Entre as perguntas elencadas por Moro sobre o assunto estava a acusação do MPF que diz que o elevador privativo instalado no tríplex pela OAS foi uma “regalia” solicitada por Lula. O ex-presidente rebate: “Se o senhor me permite, essa do elevador é uma das anomalias da denúncia (…) Eu vi pela imprensa que o Ministério Público tinha dito que eu tinha pedido para o Léo (Pinheiro) colocar o elevador… Isso aqui, doutor, é uma escada caracol [mostrou uma foto], o senhor deve conhecer. Essa escada tem dezesseis degraus. Essa escada é do meu apartamento, em que eu moro há 18 anos. A dona Marisa há seis anos tomava remédio todo santo dia para dor na cartilagem. Será que alguém de bom senso neste país imagina que eu ia pedir para fazer um elevador num apartamento que não era meu e deixar de fazer no prédio em que a dona Marisa mora há 20 anos e que tomava remédio todo santo dia?”.

E segue: “É no mínimo, doutor, cumprir o ditado que quem conta uma mentira passa a vida inteira mentindo pra justificar a primeira mentira”.

Lula reforçou por vezes que a relação que teve com o imóvel foi a partir da adesão da cota de participação assinada por Dona Marisa. “Vou até repetir, se quiser economizar tempo. A minha relação com o famoso apartamento da Bancoop é de quando a minha mulher comprou, que foi feito imposto de renda, à primeira visita do Leo (da OAS) para me falar que tinha que visitar o apartamento porque estava acabando o prédio”, disse.

Sobre os supostos documentos encontrados na casa do ex-presidente Lula, o MPF não conseguiu nem provar que os papéis em branco, sem assinaturas estavam onde a acusação diz tê-los encontrado.

Quanto à acusação de que Lula mantinha relação com os acusados é uma manipulação grosseira do que se pode imputar como crime. Não há ilegalidade em manter relação com tais acusados e Lula não negou que se encontrou com Léo Pinheiro, por exemplo, para visitar o imóvel do Guarujá. Tal encontro foi informado pelo ex-presidente há pelo menos três anos antes de seu depoimento.