"Violência policial no #OcupaBrasília foi confronto premeditado"

 Comissão de Direitos Humanos da Câmara ouviu vítimas, manifestantes e movimentos sociais. Material será usado em relatório a ser encaminhado para organizações internacionais.

Manifestação Brasília - Mídia Ninja

Parlamentares, representantes da sociedade civil e cidadãos que foram vítimas e socorreram pessoas durante a violência observada durante a manifestação #OcupaBrasília, na Esplanada dos Ministérios, no último dia 24 de maio, avaliaram, ao discutir e rever as cenas do episódio, que a repressão policial observada naquela data consistiu em "um confronto premeditado de forças policiais com a população". "Foi também o indício de repressão absurda que poderia ter resultado numa grande chacina", afirmou a deputada Maria do Rosário Nunes (PT-RS), que recebeu o aval de vários colegas.

Foi em 24 de maio que o presidente da República, Michel Temer, baixou decreto autorizando o uso das Forças Armadas contra a manifestação, promovida por sindicalistas, que contou com perto de 200 mil pessoas. O uso foi dentro do dispositivo constitucional que prevê Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e, segundo vários especialistas e magistrados, não poderia ter sido aplicado da forma que foi, com base nos motivos alegados.

Os episódios de violência e repressão, narrados ao lado da divulgação de fotos, vídeos e depoimento de vítimas e pessoas que participaram da manifestação, foram analisados na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, durante audiência pública nesta quarta-feira (21), realizada mediante requerimento de Maria do Rosário.

A comissão já tinha apresentado, anteriormente, denúncia sobre as ocorrências à Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA).

"Democracia com repressão neste nível não é democracia. Toda manifestação pública no Brasil hoje tem tido um nível de violência e repressão contra os manifestantes inaceitável, seja qual for a causa", acrescentou a parlamentar. A comissão ficou de elaborar um relatório minucioso de todos os fatos divulgados na reunião para ser encaminhado aos órgãos internacionais de defesa de Direitos Humanos.

Deixaram de comparecer ao encontro, representantes do Executivo federal e do governo do Distrito Federal, que foram bastante criticados não apenas pela ausência, como pela omissão observada naquele 24 de maio. Segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, Wanderlei Pozzembom, nove jornalistas de Brasília foram vítimas da violência policial, além dos profissionais de outros pontos do país que viajaram à capital para a cobertura.

'Acordo implícito'

De acordo com ele, ficou nítido para as pessoas que participaram do #OcupaBrasília, seja para se manifestar ou para cobrir o evento, a quantidade inferior de policiais do governo do Distrito Federal destacados para garantir o aparato de segurança pública no local.

"Durante o período da Copa do Mundo de 2014 o contingente de policiais militares de Brasília era enorme e inclusive anunciado pelo governo do DF como um fator positivo. Naquele dia, o argumento do Executivo Nacional para baixar o decreto que autorizou a participação das Forças Armadas na ação para conter os manifestantes foi de que o DF não tinha policiais em quantidade suficiente. Como assim? Para onde foram esses policiais? Infelizmente, o secretário de Segurança Pública se omitiu de participar desta audiência, mas continuaremos cobrando os motivos disso", afirmou Pozzembom.

Para a maior parte dos parlamentares presentes na audiência, como Chico Alencar (Psol-RJ) e o presidente da comissão, Luiz Couto (PT-PB), o entendimento que se tem é que houve um acordo implícito para que o DF não colocasse o contingente suficiente nas ruas como forma de justificar a entrada das Forças Armadas para conter a manifestação, horas depois.

"Nós todos estávamos lá. Colocar policiais armados com equipamentos que podem provocar danos irreversíveis e afrontar cidadãos da forma como fizeram é um absurdo. Se houve grupo fazendo baderna, esse grupo representou um contingente mínimo, perto de um público de quase 200 mil pessoas", disse também o representante do coletivo Mídia Ninja, Oliver Kornblihtt.

Ele apresentou dois vídeos, mostrando agressões a estudantes e trabalhadores, questionando os motivos pelos quais não poderiam ir pelas ruas reivindicar pelos seus direitos.

Integridade física sem valor

Momento considerado emocionante da audiência foi a fala do trabalhador Clementino Pereira. Desempregado, pai de dois filhos, ele perdeu o olho esquerdo por conta de uma bala de borracha disparada por policiais durante a manifestação. "Estou aqui para reclamar, mostrar o que aconteceu comigo. Mesmo assim, quero dizer que continuarei a participar de outras manifestações", disse. "Um dano irreversível como este não pode ser pago com um papel ou documento do governo", completou o médico que atendeu Clementino, Daniel Sabino dos Santos.

Médico especialista em medicina de família, Daniel tinha ido à Esplanada para participar do ato e não para trabalhar. Terminou socorrendo várias pessoas.

"Jamais imaginei que veria as cenas que presenciei. A sensação que senti naquele dia foi de um estado de guerra, com gente deitada, gritando, pedindo socorro, com falta de ar. Todos tentavam sair daquele local, mas ninguém conseguia. E mesmo que quiséssemos ficar fora do tumulto, helicópteros jogavam sprays de pimenta de cima sobre todos nós. Me impressionou como os policiais usaram armas letais contra o povo. Isso me passou a sensação de que, no Brasil, a integridade física das pessoas não tem valor algum", desabafou.

Alexandre Varela, representante da Frente Povo Sem Medo, afirmou que muito preocupa ao movimento a observação de que houve tentativa de impedir manifestações em Brasília e em todo o Distrito Federal e que estes atos apenas começaram no dia 24. Varela denunciou que ontem foram presos dois sindicalistas com o argumento de que não poderiam usar carros de som para convocar pessoas para uma assembleia, mediante decreto do governo do DF publicado em 2003. Esse decreto, entretanto, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2007 e, mesmo assim, continua sendo aplicado.

"Ou estão desinformados mesmo ou estão usando a desculpa de um decreto inconstitucional para justificar esse estado de barbárie que tomou conta do DF e do país", acusou.

Já na opinião de Igor Felipe Santos, coordenador da Frente Brasil Popular, o que tem sido visto é "um momento de golpe no país, com característica derivada de avanço de Estado de exceção que tem como característica a cristalização de determinadas práticas jurídicas referentes a um Estado de Direito e não ao Estado democrático de Direito. "E o uso da força policial para violência, de forma a garantir que retrocessos sociais sejam aprovados, só reforça isso".