Servidores relatam dramas no Rio: “Sofrimento está trazendo a morte”

Com salários atrasados e sem perspectivas, funcionários contam como fazem para sobreviver.

Sérgio Monteiro destaca que a Cedae também sofre as consequências da crise no estado

 Mariá Casa Nova trabalhou por mais de 37 anos em um hospital estadual no bairro do Fonseca, em Niterói. Aposentada em fevereiro, a auxiliar de enfermagem e servidora do estado do Rio de Janeiro queria ter uma “aposentadoria justa”. No entanto, o pagamento de Mariá está atrasado, e ela ainda não recebeu o pagamento de abril em sua totalidade. Para sobreviver, a aposentada vende amendoim na rua e faz rifas entre amigos. “Estou sem café, sem açúcar. Abro a geladeira e não tenho nada. Hoje mesmo eu ia sair para vender amendoim, mas a labirintite me impediu”, conta Mariá, cujo marido enfrenta um câncer.

O drama de Mariá é o mesmo enfrentado por mais de 128 mil servidores ativos, aposentados e pensionistas, que ainda não haviam recebido o salário do mês de abril integralmente, até esta semana. Além disso, mais de 220 mil servidores ainda não tiveram acesso ao 13º de 2016.

Mariá vende amendoim e faz rifas entre amigos para sobreviver
Mariá vende amendoim e faz rifas entre amigos para sobreviver
Na última quarta-feira (12), o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), informou ter realizado o pagamento da última parcela do mês de abril, pago em cinco prestações.

“Enquanto isso, o Tribunal de Justiça do Rio afirma que o atraso no pagamento dos servidores é um ‘mero aborrecimento’”, afirma o inspetor penitenciário César Dória. “Se o pagamento dos juízes e desembargadores atrasa um dia, eles entram com uma ação de arresto de contas.”

Dória foi entrevistado em frente ao tribunal, que foi visitar em resposta à declaração vinda do Judiciário do Rio. “Vim aqui para questionar. Saber se essa é a corrente preponderante dentro do TJ-RJ, que eu não creio que seja. Quero só expressar minha indignação.”

O inspetor está com o salário em dia, assim como policiais militares, civis e outros servidores da área de segurança pública. “O governador paga em dia esse setor. Pezão faz isso por receio, ele precisa da segurança pública nas mãos dele, em detrimento das outras categorias”, ressaltou.

“Enquanto por um lado temos esses atrasos, por outro temos um estado que, desde 2007, deu isenções fiscais no valor de 218 bilhões de reais a bancos e grandes empresários. Não temos nada contra a isenção, mas é preciso que haja um critério para isso”, afirmou Dória, se referindo à análise do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), que revelou que os benefícios se estendem desde 2007.

“Esse atraso contra os idosos é um crime. A classe mais desvalorizada é a da saúde estadual”, afirmou Mariá. “No ano passado já havia sofrimento, atrasava uma ou duas semanas, mas pelo menos a gente recebia. Mas nosso sofrimento aumentou. Nosso sofrimento está trazendo a morte, trazendo depressão”, contou a aposentada, entre lágrimas.

Para Dória, além da questão salarial, a maior dificuldade enfrentada pelo servidor é a precarização do serviço público
Para Dória, além da questão salarial, a maior dificuldade enfrentada pelo servidor é a precarização do serviço público
“Eu dei a minha vida trabalhando. Salvando vidas em uma emergência de hospital. Hoje me torno escrava do governo do estado do Rio de Janeiro”, desabafou. “Você acha justo isso com uma pessoa de 67 anos, que trabalhou a vida inteira?”, revolta-se Mariá, que conta com a ajuda de amigos para pagar pelos medicamentos que necessita. “São mais de R$ 400 só de remédios. Só um deles custa R$ 189.”

Apesar de não serem atingidos diretamente pela questão do atraso dos salários, os servidores do estado que trabalham na Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) também sofrem os efeitos da crise no estado: A empresa foi privatizada pelo governo, mas ação pode ser declarada inconstitucional, esperando um posicionamento do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso.

“O que aflige o servidor eventualmente vai incidir sobre os funcionários da Cedae, além de influenciar de forma negativa os serviços realizados no estado do Rio, no próprio atendimento ao público dos órgãos que deveriam estar dando um serviço melhor”, afirmou Sérgio Monteiro, servidor da empresa.

“Quando um trabalhador não é atendido bem em um hospital, quando ele não tem polícia, bombeiro, nem um tipo de serviço público funcionando bem por causa dessa crise no estado, se torna um problema de todos os trabalhadores”, afirmou ele, que também é vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente no Rio de Janeiro (Sintsama-RJ).

“A principal dificuldade que o servidor vem enfrentando, além da questão salarial, é o desmanche do serviço público. A PM tem quatro mil concursados que não foram efetivados, com servidores morrendo nas ruas e se aposentando, sem renovação do quadro, enquanto o Rio é um dos estados com mais cargos comissionados”, afirmou Dória. “A cidade está entregue em função da não convocação de servidores públicos.”

Sérgio Monteiro destaca que a Cedae também sofre as consequências da crise no estado
Sérgio Monteiro destaca que a Cedae também sofre as consequências da crise no estado
O inspetor também falou do sentimento dele sobre as regalias recebidas pelo ex-governador Sérgio Cabral na prisão. “Foi dito, há pouco tempo, que o filho do Cabral, usando da prerrogativa de parlamentar, o visitou inúmeras vezes. Isso é uma regalia. Isso é uma afronta a um direito. Se escondeu atrás de um poder que ele tem para fazer uso. Deu a famosa carteirada”, afirmou.

Mas ele fez questão de ressaltar: “Qualquer regalia do Sérgio Cabral não vem de baixo, não vem do servidor, é uma determinação de cima. Não podemos abrir uma cela sem que haja uma determinação pra isso. O servidor não é maluco.”

Para ele, o ex-governador não deveria estar nem no Rio de Janeiro. “Sérgio Cabral devia estar em uma prisão federal, fora do estado. Pelo seu poder de persuasão, pelo seu poder de controle e pela proximidade com seus aliados”, complementou.

De acordo com ele, a situação do Rio ainda pode piorar. “O próprio (Jorge) Picciani (PMDB), presidente da Alerj, parte da bancada do governador Pezão, veio a público dizer que o governador é um homem despreparado e incompetente. Se o próprio Picciani diz isso publicamente, você vê o que vem por aí. Não vejo como o estado pode regularizar todos os atrasos. O Rio de Janeiro está chegando ao ponto de colapso”, concluiu.