Guadalupe Carniel: O videoteipe é burro!

"Se o videoteipe diz que foi pênalti, pior para o videoteipe. O videoteipe é burro". Essa frase poderia ter sido dita ontem ou anteontem após o jogo Corinthians e Vasco numa das tantas mesas-redonda que têm na TV brasileira. Mas ela é de 1962, dita por Nelson Rodrigues após um Fla-Flu, na TV Rio. O apresentador, Luís Mendes, apresentou numa das primeiras vezes na TV o tal do videoteipe. E foi com essa citação que Nelson Rodrigues respondeu. Fim da história.

Por Guadalupe Carniel

videoteipe - Divulgação

Jô fez um gol que alguns apontam irregularidade (não vou falar minha opinião, esta eu guardo pro bar) e está sendo execrado por isso. Muitos falam que é um absurdo, atitude antidesportiva, não condiz com as falas do jogador sobre caráter e daí a coisa tomou proporções gigantescas. E chegou ao ponto da CBF vir a público e anunciar que a partir de agora no Brasileirão terá árbitro de vídeo para verificar penais, faltas e cartões. O custo desta brincadeira? 30 mil por jogo, meu caro.

Agora vamos destrinchar a coisa. 30 mil reais por jogo. De onde sairão estes custos? Segundo dados divulgados no Globo Esporte (não achei a fonte primária) a média de público do campeonato é de 15.764, com cerca de 41% da ocupação dos estádios. Ou seja, o futebol brasileiro já passou da fase de ser a galinha dos ovos de ouro.

Um futebol cada vez mais afundado em dívidas e com clubes que mamam em tetas de canais pagando suas cotas de TV até sabe-se-lá-que-ano. E agora com um agravante: o STJ concedeu uma liminar suspendendo alguns termos do Estatuto do Torcedor que puniam clubes inadimplentes e que faziam parte do Profut. Clubes estes, que poderiam ser punidos com rebaixamentos. Segundo Alexandre de Moares, esta penalização fere a autonomia dos clubes. Ou seja, tá liberado ficar afundado em dívidas.

Outras perguntas que não querem calar: Quem fornecerá estas imagens? Emissoras de TV, CBF ou uma empresa vinda de sei lá onde? Não atenderão a interesses de ninguém? Serão em todos os jogos? Ou apenas aos que tiverem um “interesse”?

Discussão de arbitragem é algo que só acontece no Brasil (e como bem lembrado por Gabriel Brito, comentarista de arbitragem é criação nossa que nunca pegou em nenhum canto). Leia a imprensa esportiva de fora. Não há matérias sobre a arbitragem, sobre erros ou não. Já que gostam tanto de comparar com a Inglaterra (mania de colonizado, gente que gosta de viver numa eterna colônia), analisem durante um campeonato de lá e um daqui quantas matérias saem de arbitragem nos dois torneios. E os árbitros ingleses não erram? Erram, assim como os nossos. E tem algum problema? Não. Essa é a graça do jogo. Ontem perdemos, amanhã ganhamos. Claro, tem os escândalos de mala preta. Mas o futebol já não virou uma grande mala preta?

E já que o debate é tanto a arbitragem por que não profissionalizar e qualificar? Cadê os árbitros que não foram consultados? A ajuda de custo que eles recebem mal cobre as despesas com nutricionistas e preparação para desenvolvimento da atividade.

E quem deveria estar debatendo isso? Os programas esportivos que são mais míopes do que Nelson Rodrigues era. Pare e volte ao primeiro parágrafo deste texto. Descrevi um programa de mesa-redonda do início de 1960. Não é exatamente o que ainda persiste? O mesmo modelo? Na real piorou. Duas, três horas com caras que juram ter as soluções para os problemas táticos de todos os times. Se assim fosse, os técnicos nem precisariam se preocupar: era só escalar o que dissessem nestes programas. Eram assim.

E hoje? Bom, tiveram que dar uma aparência de algo que se modernizou. Mudam cenários, investem em tecnologia. E claro, as pautas tiveram que passar por reformulação. O programa começa com piadinhas e trocadilhos, que beiram o infantil (afinal o futebol é isso, é brincadeira). Entrevistas com jogadores? Rasas. Não apenas da parte jornalística, mas também dos jogadores, raros os casos de alguns que falam algo verdadeiro, profundo.

E os telespectadores? Estão interessados nos jornalistas. Repercutem o que o fulano falou do tal time, mas não se interessam em saber o que aconteceu com o tal time. Ou o jogador. Ou o árbitro. Ou as dificuldades de um árbitro. Nelson Rodrigues sempre detestou a objetividade e no futebol não cabe a objetividade. Ao menos não no que o futebol deveria ser. Porque podem colocar câmeras em tudo, os lances ainda continuarão sendo interpretativos. Não é questão de tecnologia, é de percepção.