Grandes debates para um grandioso 14º Congresso do PCdoB

 Na última sexta (22/09), foi realizado em Vitória, ES,  um rico debate, organizado pelo PCdoB capixaba, tendo como tema “Um Projeto para o Brasil”.

DEBATE - UFES - 14º CONGRESSO

 Claudio Machado*

O evento reuniu aproximadamente 100 pessoas de diversas entidades sociais, universidades e partidos políticos no auditório do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Metodologias para Análise de Petróleos da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes.

O ex-presidente nacional do PCdoB e atual presidente da Fundação Mauricio Grabois, Renato Rabelo, foi um dos palestrantes, abordando a crise política, econômica e institucional que se arrasta no Brasil desde 2014, expondo seus componentes influenciadores nacionais e internacionais, suas consequências e apresentando a alternativa proposta pelo PCdoB para sua superação.

Renato avaliou que o ciclo progressista que predominou na América Latina a partir do final da década de 90, quando forças de esquerda conquistaram o centro do poder na maioria dos países do subcontinente, foi constantemente fustigado por oligarquias nacionais e internacionais que objetivaram interromper a ocupação desses espaços por estas forças, usando todo tipo de métodos, mas concentrando foco na criminalização de seus partidos e líderes e, afastando mandatários eleitos, se utilizando da deturpação de mecanismos legais, cujo caso mais notório foi o golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma. Como expôs Renato, a destituição de Dilma fez parte desse processo e “já aparecem as marcas digitais do imperialismo estadunidense no golpe parlamentar atual”.

Apesar das grandes conquistas durante os 13 anos que durou os governos Lula e Dilma – implementando diversas políticas de inclusão social; gerando milhões de empregos; fortalecendo a soberania nacional com uma política externa redirecionada; priorizando o desenvolvimento regional; a relação sul-sul e os BRICS entre diversas outras características e opções de direcionamento de prioridades governamentais distantes da formulação neoliberal – a crise econômica mundial, alguns erros políticos e econômicos cometidos acabaram por facilitar o trabalho sujo  dos golpistas nacionais consorciados com os agentes imperialistas.

Dentre os ataques externos desferidos contra o governo brasileiro, há o infame caso da espionagem estadunidense que violou a comunicação da presidenta Dilma e da Petrobrás.

Mas, independente do desfecho das investidas das oligarquias nacional e imperialista que levaram à deposição de Dilma, é certo que distribuição de renda e inclusão social – marcas dos governos Lula e Dilma – não se sustenta por muito tempo “sem um desenvolvimento industrial de forma permanente e duradoura”, como disse Renato Rabelo em sua palestra.  

“É necessário, para sair da crise, a retomada do crescimento e a reconstrução nacional, que é a visão que tem o PCdoB. A saída é, antes de tudo, política. Não existe saída econômica no abstrato. Depende do poder político para implementar as mudanças necessárias”, disse também Rabelo.

Para construir esse caminho, o PCdoB defende e luta pela construção de uma Frente Ampla, conforme foi exposto pelo presidente da Fundação Mauricio Grabois. Uma Frente Ampla que seja construída empunhando três grandes bandeiras: restauração da democracia; salvação nacional. com a interrupção da venda de ativos estratégicos e; reconquista dos direitos trabalhistas e sociais.

Em torno dessas bandeiras é que a Frente Ampla deve preparar e apresentar um projeto para as eleições de 2018.

como disse Rabelo, enquanto o governo golpista adota uma “política econômica para responder aos interesses do grande capital, vinculado a uma oligarquia financeira” e pretende retomar o crescimento com “exclusão social”, reduzindo ou eliminando despesas primárias destinadas à saúde, educação, segurança e  previdência, o PCdoB propõe e defende a adoção, pela Frente  Ampla, de um novo projeto nacional de desenvolvimento que recupere e fortaleça a  soberania nacional; que privilegie a inclusão social e; que tenha a causa democrática como um princípio.

Renato Rabelo assinalou que ”o mundo passa por  mudanças de fundo. Três grandes mudanças podem ser identificadas: “mundo em transição, com o surgimento de novos polos de poder no sistema internacional (China, Russia, Brics) e declínio da  hegemonia dos EUA; crise de 2007/2008, que levou a uma crise da globalização financeira” ainda não debelada e, por fim, a “quarta revolução industrial".

Dentro desse cenário, “o Brasil é ainda um país dependente na divisão mundial do trabalho. E considerando o contexto de profundas alterações no sistema internacional, na atualidade é primordial o desenvolvimento nacional e salvaguarda da soberania, nossa autodeterminação e autonomia na condução de um projeto nacional. Por isso a centralidade da questão nacional, da soberania, que é fundamental para podermos ter projeto próprio”, cujo principal componente é o “soerguimento da  estratégia nacional para a reindustrialização do país, com inovação tecnológica” que “é a base que sustenta a mobilidade social”.

“O desenvolvimento nacional deve se dar sob a coordenação e planejamento do Estado Nacional, soberano e democrático, que conduza o projeto nacional de forma autônoma e  própria”,

“Esse projeto  nacional  deve ser conduzido pela esquerda e não pela burguesia industrial, pela burguesia brasileira. A bandeira nacional é bandeira da esquerda, não compreender isso é não compreender uma questão essencial da realidade de países como o Brasil".

Em seguida à palestra de Renato Rabelo, tivemos a exposição do  professor Paulo Nakatani, que é economista, com pós-doutorado pela Université Paris XIII (Paris Nord), professor associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e ex-presidente da SEP – Sociedade Brasileira de Economia Política, no período de 2008 a 2012.

Nakatani fez uma análise sintética da atual crise mundial e brasileira, usando como instrumental teórico “O Capital”, de Karl Marx.

Como iniciou o professor, o mundo é organizado a partir de Estados nacionais, consolidados ao longo de séculos, impulsionados pela formação, reprodução e circulação de capital.

Esse sistema é estruturado de forma hierarquizada, tendo um centro e uma periferia. No centro estão os países desenvolvidos e na periferia os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, dependentes dos países centrais.

Nakatani explicou que, “a diferença é que os países desenvolvidos estão economicamente integrados, têm grau de desenvolvimento das forças produtivas que permite um elevado nível de produtividade e uso de tecnologias mais avançadas”.

O sistema mundial, como assinalou Paulo Nakatani, “a partir da década de 70, entrou em uma fase financeirizada, em que o domínio da economia passou a ser exercido pelo capital portador de juros, sob o controle de capitalistas industriais, banqueiros, fundos de todas as formas, seguradoras e outros”.

Essa fase convive com ciclos de expansão e queda, sendo que a face visível da última queda desses ciclos “teve início em 2007 e continua até hoje. Muitos economistas consideram que ainda estamos vivendo um longo período de estagnação, sem perspectivas de superação".

Segundo Paulo Nakatani, ”isso pode significar que qualquer país que dependa fundamentalmente do exterior para seu crescimento, poderá ter problemas”.

Nessas circunstâncias (de estagnação) o capital portador de juros vai adquirir a forma fictícia de capital. Ações negociadas na bolsa, capital bancário, títulos públicos e derivativos de juros e moedas são as expressões mais comuns desse tipo de capital.

Apesar da crise do capitalismo iniciada em 2007 nos Estados Unidos, Nakatani demonstrou em sua palestra que a entrada de capitais internacionais no Brasil aumentou significativamente.

Mas são capitais lançados como investimentos que, em sua maior parte, não resulta em implantação de novas unidades produtivas, mas na transferência de propriedade (fusões e aquisições) e robustecimento do caixa de subsidiárias, evitando a exposição de riscos da atividade produtiva brasileira.

Como explicou o professor, o aumento da entrada de capitais estrangeiros no Brasil durante esse período, pode significar que parte da crise externa foi resolvida aqui.

Paulo Nakatani assinalou também que a adoção do tripé macroeconômico a partir do colapso de plano real, em 1998 (o tripé passou a ser adotado por imposição do FMI em 1999), tornou o Brasil mais dependente ainda, atraindo mais capital especulativo com o dólar flutuante e a política de metas de inflação acabou por impor um ciclo de taxas de juros altas, que perdura até hoje. Completando o tripé está o superávit primário, que inicialmente foi de 3% do PIB, o que engessou ainda mais a capacidade do Brasil em gerir sua macroeconomia de forma soberana e autônoma.

Renato Casagrande, ex-governador capixaba e atual presidente da Fundação João Mangabeira e secretário geral do Partido Socialista Brasileiro deu sequencia às palestras da noite, fazendo uma abordagem da atual situação brasileira e saídas para a crise, a partir do Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional do PSB,  Intitulado Projeto Brasil e que está sendo submetido a consulta pública.

O dirigente socialista salientou que “ao longo da história, a nação brasileira jamais conseguiu garantir estabilidade na geração de oportunidades para o conjunto da população” e que “fizemos uma opção tardia por uma política industrial e, mesmo assim, tanto o setor público quanto as empresas privadas investiram pouco em educação, ciência e inovação tecnológica”.

Assinalou que até hoje as reformas de base estão para serem feitas, que mesmo nos períodos de bonança “o país não cuidou de promover as reformas estratégicas necessárias à implantação de um projeto de desenvolvimento sustentável. Não fizemos, por exemplo, uma reforma política, mantemos uma administração federal ineficiente e perdulária e continuamos com uma legislação trabalhista arcaica, uma estrutura fundiária concentradora de terras e um dos sistemas tributários mais perversos do mundo”.

“Pretendemos (com o Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional), orientar a atuação política dos nossos filiados e militantes, ao mesmo tempo em que plantamos alicerces sólidos para a construção de um projeto de desenvolvimento nacional ancorado na ética, na educação, na proteção dos recursos naturais, na sustentabilidade econômica e na distribuição mais igualitária das oportunidades e riquezas geradas pelo trabalho coletivo. Um projeto capaz de inserir o Brasil – e o conjunto dos brasileiros – na quarta revolução industrial, a era da inteligência artificial”.

Após as exposições apresentadas pelos palestrantes, abriu-se para o debate, permitindo o aprofundamento dos temas abordados, contribuindo para o enriquecimento argumentativo dos presentes, nessa época em que se busca caminhos que possam superar a crise política, econômica, social e institucional que aprisiona o Brasil desde o final de 2014.

As eleições presidenciais de 2018 se avizinham (salvo novas surpresas golpistas) e, como já é da tradição brasileira, é o único momento em que se discute o Brasil nacionalmente. Eventos como este, organizado pelo PCdoB, se investem de especial importância e contribuem significativamente para a qualificação do debate de ideias que se dará em torno das grandes questões nacionais.