Reminiscências do marxista brasileiro Rogério Lustosa

A última vez que conversei com o Rogério Lustosa foi algumas semanas antes de sua despedida da vida. Foi aí pelo final de setembro, começo de outubro, de 1992.

Por José Carlos Ruy*

Rogerio Lustosa - Foto: Arquivo CDM/FMG

Eu havia sugerido a publicação, na Princípios, do artigo 1492, de Samir Amin, que saíra originalmente na revista marxista norte-americana Monthly Review. (Princípios nº 27,1992/1993).

É um bom artigo, que tinha como tema os 500 do desembarque de Cristóvão Colombo em terras americanas.

Rogério tinha uma postura aberta, sem abrir mão da opção revolucionária que o PCdo B sempre manteve.

Daí nossa conversa, e minha insistência na publicação do artigo. O trauma da queda do muro de Berlim, e do fim da URSS, ainda estava muito forte em nossa memória. E o artigo que sugeri podia parecer “heterodoxo” demais naquela conjuntura, pois tínhamos divergências tanto com a revista de origem (a Monthly Review), quanto com o autor (Samir Amin).

Rogério, entre sério e brincalhão, tinha uma saída própria dele: o que importa é a tendência geral do artigo, e concordamos com ela. As discordâncias, podem ser discutidas…

Este era o Rogério do qual me lembro – um camarada que discutia suas ideias, seus pontos de vista, de maneira muitas vezes exaltada e com muita veemência. Mas, depois, terminada a discussão, ia a um boteco com seu contendor e, de maneira muito leal e fraterna, era como se nada acontecera. A discussão não era briga, mas a tentativa de encontrar, junto com o outro, a melhor formulação, o melhor caminho. Isto era exemplar.

Lembro-me de outra conversa que tivemos, antes, na Major Diogo, a rua de São Paulo onde ficava a sede do PCdoB. Falávamos sobre o Florestan Fernandes, o sociólogo e professor, marxista com grande influência de autores não marxistas, e que se transformava rapidamente num analista político com posições revolucionárias.

Rogério defendia que nos aproximássemos dele, com um argumento semelhante ao que descrevi acima: ele está do lado de cá da barricada, o mesmo no qual estamos. E é isso o que importa, dizia.

Homem culto, leitor voraz, escritor refinado, dono de uma linguagem clara e direta, sem exibicionismos nem artificialismos, Rogério deixou sua marca na cultura comunista, acentuada na conjuntura difícil do começo da década de 1990.

Marca que está na origem da abertura, e que reforça a amplitude dos comunistas, sem abrir mão dos princípios, símbolos e da revolução, que marca os comunistas e permitiram a superação daquela crise, que era ideológica e política. E o crescimento e fortalecimento do Partido. Os textos que publicou na coluna Lições da Luta Operária (na Tribuna da Luta Operária), alcançam muitas vezes a dimensão dos clássicos, e honram o marxismo brasileiro; merecem, pela atualidade, ser reunidos em um volume próprio, tarefa editorial ainda a ser cumprida, para benefício dos estudiosos de nossa política e da ação marxista no Brasil. E para lembrar a ação de Rogério Lustosa, um marxista firme, rigoroso e risonho.

*José Carlos Ruy é jornalista e escritor