Para Human Rights Watch, redução da maioridade é um retrocesso imenso

Nesta terça-feira (24), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado debateu a redução da maioridade penal. Durante a discussão os participantes da mesa destacaram que redução de 18 para 16 anos é um equívoco e que a medida não diminuirá a violência no país, já que menos de 4% do total de delitos registrados são cometidos por adolescentes. E, desta porcentagem, apenas 0,74% são casos de estupro, 0,62% de homicídio doloso e 0,90% latrocínio.

Por Verônica Lugarini*

No dia 27 de setembro, o Senado tentou votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Após inúmeros protestos da sociedade e do requerimento apresentado pela senadora Gleisi Hoffmann (PT) a votação foi adiada por 30 dias  
para uma discussão mais profunda sobre o tema que estava marcada para esta terça-feira (24).

Os especialistas que participaram da discussão sobre a matéria trouxeram à tona dados, estudos e exemplos de casos de redução da maioridade penal em outros países que comprovam a ineficiência de tal mudança.

De acordo com Ana Claudia Cifali, advogada do Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei (PIPA) da UFRGS, a redução da maioridade agravaria a situação do sistema penitenciário brasileiro que já se encontra superlotado.

Segundo dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016), apontou que em 2014 o Brasil tinha uma população carcerária de 584 mil pessoas com um déficit de 213 mil vagas.

“Reduzindo a maioridade penal iremos vincular os adolescentes à criminalidade construindo uma medida que, em um primeiro momento pode dar a impressão de que algo está sendo feito para dar uma resposta à sociedade, mas que no futuro irá refletir no aumento da criminalidade e na escalada da violência porque, além de não resolver em nada o problema da segurança, essa medida irá agravar também o problema já que o sistema penitenciário que está dominado por facções que lucram com o ingresso de novas pessoas nesse sistema”, explicou a advogada do PIPA.

Ou seja, a aprovação da medida ocasionará na criação de um sistema paralelo de exclusão e de violação de direitos, criando assim um ciclo vicioso que só irá aumentar a violência. Afinal, a taxa de reincidência nas penitenciarias é de 70%, enquanto no sistema socioeducativo, utilizado na Fundação Casa para menores de idade, está abaixo de 20%.

Para além disso, Cifali também destacou que é uma ilusão acreditar que a redução irá reduzir os delitos mais graves porque menos de 4% do total de delitos registrados no país são cometidos por adolescentes. E, desta porcentagem, apenas 0,74% são casos de estupro, 0,62% de homicídio doloso e 0,90% latrocínio.

Já o Promotor de Justiça no Estado de São Paulo, Fernando Henrique de Freitas Simões, usou especificamente o cenário do estado de São Paulo como demonstração de que a redução da maioridade penal não é a solução.

Segundo ele, hoje cerca de 2/3 dos internos que cumprem medida socioeducativa do estado de São Paulo têm idade média de 16,7 anos. Com isso, a redução afetaria quase todos os jovens.

Ainda no estado de São Paulo, apenas 2,5% de adolescentes cumprema medida socioeducativa decorrente de ato infracional hediondo. Ou seja, os projetos de redução apresentados tratam de casos isolados e de exceções e não da realidade da maioria dos jovens.

Human Rights Watch

Maria Laura Canineu, Diretoria da Human Rights Watch no Brasil, trouxe para o debate um panorama internacional do avanço em políticas públicas voltadas para as crianças e adolescentes para evitar a reincidência de crime.

“A partir de diversos estudos e acompanhamento de adolescentes em conflito com a lei em diversos países do mundo, a Human Rights Watch concluiu que reduzir a maioridade penal vai na contramão não apenas da tendência internacional, mas também da pesquisa mais atual sobre o desenvolvimento do cérebro na adolescência. A redução também viola as obrigações internacionais do Brasil e não tem nenhum impacto da redução da insegurança pública. Qualquer medida nesse sentido é um retrocesso imenso em relação ao que o Brasil representou para a comunidade internacional até o momento”, disse Canineu.

Ainda de acordo com a diretora, encaminhar adolescentes para serem julgados e condenados como adultos é profundamente prejudicial ao indivíduo. Um estudo sobre adolescentes que foram transferidos para o sistema de adultos no Arizona (EUA) descobriu que os jovens são prejudicados em relação ao seu desenvolvimento social, formação de identidade, educação desenvolvimento de habilidades fundamentais e transição saudável para a idade adulta.

Além disso, os adolescentes encarcerados com adultos correm maior risco de abuso físico, incluindo agressão sexual. Nos EUA, mesmo considerando que crianças e adolescentes são uma proporção, uma em cada cinco vítimas de violência sexual entre presos são adolescentes.

Na América do Sul, apenas Suriname, Bolívia, Guiana e Paraguai permitem ainda que adolescentes e sejam julgados como adultos.

Ciência

A diretora destacou uma pesquisa sobre o funcionamento do desenvolvimento do cérebro dos jovens e como isso influencia nas atitudes.

“A proposta não reflete as mais atuais da ciência sobre o desenvolvimento do cérebro na adolescência, sabemos agora que a impulsividade, a tomada de riscos, a suscetibilidade ao estresse a pressão de colegas e a predileção por recompensas imediatas são características da adolescência. Ou seja, os jovens de 17 anos são incapazes de tomar decisões fundamentadas e responsáveis como as que esperamos de adultos. Com isso, os adolescentes são categoricamente menos culpáveis. Por fim, a pesquisa também apontou que adolescentes são particularmente abertos a reabilitação”, finalizou a diretoria da Human Rights Watch no Brasil.