Fernando Morais: Após massacre público, Lula é aclamado em caravana

Na estrada entre Itinga e Araçuaí, municípios do norte do estado de Minas Gerais, o escritor e jornalista Fernando Morais conta que ficou surpreso com a recepção de ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no estado. "Olha, eu vou a dizer a vocês, com a absoluta sinceridade, que há muito tempo que não vejo um negócio tão emocionante", disse ele, rodeado de jornalistas em um ônibus.

Lula na caravana por Minas Gerais outubro de 2017 - Ricardo Stuckert

Acompanhando a segunda etapa da caravana do ex-presidente pelo país, o escritor mineiro concedeu uma entrevista coletiva aos veículos alternativos que cobrem o evento. "Eu estou muito, muito impressionado. Um político arrebatado por multidões não é a primeira vez que acontece na vida. O que surpreende é ele estar sendo recebido pelas pessoas depois da tempestade, do massacre e de porrada que ele vem tomando."

Morais é autor das biografias de Olga Benário e de Assis Chateaubriand, além de escritos sobre a América Latina, como A Ilha. Desde 2011, o escritor acompanha o ex-presidente para a produção de um livro biográfico. A obra, que deve ser lançada no próximo ano, vai narrar a trajetória de Lula desde a militância sindical no anos 1980 até a data da confirmação ou não de sua candidatura às eleições de 2018, passando pelos bastidores de oito anos de governo do petista.

Ele conta que o melhor momento de entrevistar o ex-presidente são nas viagens longas nas quais ele costuma acompanhar Lula.

Conservadorismo

No decorrer do caminho, além das massivas manifestações em apoio à caravana, Lula também foi alvo de protestos mais localizados, como em Teófilo Otoni (MG). Para o escritor, a ascensão do conservadorismo não é novidade no país.

"Eu não acho que o Brasil piorou neste sentido, com relação ao que era antes. Eu acho que o Brasil saiu do armário. O fascismo saiu do armário. Esses caras estão aí há muito tempo. Talvez antes tivessem o pudor de se assumirem como eleitores do [Jair] Bolsonaro, coisa que a gente vê hoje, gente com camiseta do Bolsonaro presidente".

Morais (foto) pontua que há tolerância na grande imprensa com figuras como a do deputado federal do PSC. "Eles não estão vendo o óbvio, que é o seguinte: eles estão cuspindo para cima. Hoje eles estão pegando a gente, amanhã vai ser a Globo, os Marinho, os Civita. Eles deveriam denunciar essa trama fascista no Brasil."

Ainda assim, ele afirma que não é pessimista quanto ao futuro dos meios de comunicação. "Estou absolutamente convencido de que jornal acabou, a revista acabou e a televisão não está se sentido nada bem. O jornalismo vai para internet e telefone", projeta.

O jornalista mantém o blog Nocaute onde publicou recentemente entrevistas com Dilma Rousseff, o ciberativista australiano Julian Assange e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Timochenko.

América Latina

Já próximo a Araçuaí, última cidade das sete pelas quais a caravana naquela quarta-feira, o escritor também analisou a conjuntura política da Venezuela, país do qual ele se diz "velho frequentador".

Ele afirma não estar surpreso com a estabilização política do governo de Nicolás Maduro e critica o conteúdo jornalístico produzido no Brasil sobre o país vizinho.

Já a economia do país, pondera o escritor, está em "situação de enfermaria". Para ele, o principal problema da Venezuela é o mesmo que dificultou a consolidação do processo revolucionário em Cuba: a monocultura.

Morais afirma que a soberania alimentar é pauta urgente para a Venezuela: "Um país que importa todo o alimento que consome está em uma fragilidade permanente porque de uma hora para outra seus fornecedores podem fechar a torneira", pondera.

O escritor faz parte da Telesur, o canal de televisão multiestatal sediado em Caracas, na Venezuela. Ele avalia como um erro o Brasil não ter se incorporado ao projeto, quando a estatal venezuelana foi criada.

"De qualquer maneira, eu não descarto a possibilidade de ganhar a eleição no ano que vem, se houver eleições ano que vem, que o Brasil possa aderir a Telesur, não sei com quantos anos de atraso, mas foi um erro certamente", pontua.