Greve da saúde no RJ ganha força e denuncia desmonte de Crivella

A Saúde do Rio de Janeiro vive uma grave crise que levou os profissionais da atenção primária e da saúde mental a decretarem greve contra o desmonte do sistema. Eleito com o slogan de “cuidar das pessoas”, o prefeito Marcello Crivella demitiu mais de 100 profissionais, fechou leitos e reduziu drasticamente o orçamento da pasta.

Crise na saúde no RJ leva trabalhadores a entrarem em greve novembro de 2017 - Reprodução

A greve começou quando foi noticiado que a prefeitura fecharia 11 clínicas da família na região de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca, ao contrário do que a secretaria informava à categoria.

A notícia caiu como uma bomba em toda rede municipal que reagiu com a criação de um movimento pelo não fechamento dessas unidades. O movimento foi vitorioso, porém, a partir daí começou a redução dos serviços, a demissão de trabalhadores e o descumprimento de acordos e contratos que acabaram por tornar a rede disfuncional.

Ao longo desse processo, entre agosto e outubro, e por não haver sinalização contrária a esse processo de desmonte, as diversas categorias iniciaram um processo de greve para pressionar o prefeito e o secretário de Saúde Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior para que mudassem essa trajetória, inclusive cumprindo as promessas do programa de campanha de mais investimentos na área da Saúde.“Em agosto foi criado o Movimento Nenhum Serviço de Saúde a Menos composto por trabalhadores da saúde e pessoas da sociedade. Esse movimento fez uma passeata até a porta da Prefeitura e solicitou uma audiência. De agosto para cá não conseguimos ser recebidos em momento algum pelo prefeito. Fomos recebidos pelo secretário de Saúde depois de uma intervenção que fizemos em um ato público no Palácio da Cidade. A reunião foi infrutífera pois o secretário disse que nada podia fazer pois as decisões cabiam ao prefeito. Ele se comprometeu a tentar encaminhar uma agenda que o prefeito sinalizou na sua intervenção no ato, mas nada se tornou realidade. Houve uma reunião no Ministério Público do Trabalho, convocada pela Procuradora do Trabalho, onde a prefeitura não compareceu. De fato, não temos diálogo com quem decide, que é o prefeito”, reclama Carlos Vasconcellos, diretor da Associação de Medicina da Família e Comunidade do Rio de Janeiro (AMFAC-RJ).

A prefeitura alega que estaria vivendo problemas financeiros por causa de uma supervalorização das receitas feitas pela gestão anterior, de Eduardo Paes (PMDB). Em razão disso, a gestão de Crivella fez um corte linear em todas as secretarias, o que representou uma redução do orçamento da Saúde em R$ 560 milhões, aproximadamente 15% do orçamento. Com esse corte, a secretaria começou a descontinuar diversos programas tanto na rede própria, quanto na terceirizada. “Durante a campanha, o prefeito prometeu manter os recursos da saúde e investir R$ 250 milhões a mais por ano. O que representaria um orçamento de R$ 5 bilhões e 400 milhões em 2017, sendo que hoje ele é trabalhado em R$ 4 bilhões e 800 milhões e não será executado em sua totalidade. O prefeito enviou uma mensagem à Câmara de Orçamento 2018 com cortes na ordem de R$ 550 milhões. Com os cortes do orçamento do ano que vem, a crise que é aguda se tornará permanente”, critica Vasconcellos.

Os trabalhadores, em greve, reivindicam a recomposição do Orçamento 2018, sem o corte e com o acréscimo dos R$ 250 milhões que o prefeito prometeu; a recomposição do Orçamento 2017; a apresentação de um cronograma de pagamento dos salários atrasados e a revisão das Demissões (Foram demitidos 180 trabalhadores da ação primária, trabalhadores que representam serviços fechados). As pautas financeiras, nesse momento, aparecem em segundo plano, mas as categorias envolvidas convivem com congelamento e atrasos de salários. “Nós não tivemos aumento esse ano, mas nossa prioridade é o SUS. Hoje, quatro das dez áreas da cidade não receberam salário de outubro. As pessoas têm contas, tem compromissos e precisam tirar dinheiro até para trabalhar. Existem os que ganham próximo a 1 salário mínimo. E essas pessoas estão passando necessidade. A situação no município se assemelha ao que se passa no governo do Estado onde a gente vê um processo de desmonte, os serviços sendo reduzidos, a população passando a acreditar que os serviços não funcionam, até que eles se fecham e fica tudo como se nada tivesse acontecendo.” – denuncia o dirigente da AMFAC-RJ.

Nesse momento médicos, enfermeiros, toda saúde bucal, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, músicos terapeutas da saúde mental e da atenção básica aderiram à greve. Nesta terça (21) os Agentes Comunitários de Saúde se uniram ao movimento. Em comum, além das dificuldades já citadas, a indignação com a postura do poder público do Município. “A gente constatou que o Secretário de Saúde não se vê capaz, na nossa avaliação, de fazer a gestão da rede municipal de saúde. A atenção primária está em greve, mas toda a rede pública está em grave crise. Nós tivemos fechamento de serviços hospitalares em várias unidades. O Hospital Pinel fechou 15 dos 18 leitos; o Hospital da Piedade e o Hospital Raul Gazola suspenderam cirurgias, o Hospital Lourenço Jorge fechou a clínica médica, o Hospital Rocha está com metade da equipe sem trabalhar por falta de pagamento. A crise é sistêmica e decorre da falta de prioridade da prefeitura em não colocar recursos na Saúde, da falta de capacidade de gestão do Secretário e sua equipe para gerir a rede e da falta de diálogo do prefeito com a sociedade, com os trabalhadores e a população.” – finalizou Vasconcellos

Os profissionais da Enfermagem criticaram a falta de remédios. Sendo a categoria que recebe os pacientes que dão entrada nos hospitais, avaliam que o fechamento das farmácias prejudicou o fornecimento de medicamentos, o que pode agravar doenças e colocar vidas em risco. “O prefeito Crivella está implementando o caos no Rio de Janeiro. Na assembleia dos enfermeiros, a maior queixa é a falta de medicamentos. Um paciente que chega com hipertensão, se não tem medicação, ele vai parar na emergência. Estamos à beira de uma epidemia de tuberculose porque o tratamento está parado. O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior índice de Tuberculose no país e esses números vão aumentar. A culpa é dele. A suspensão dos contratos dos laboratórios deixou os exames todos parados. Se um paciente estiver com Câncer, pode piorar. A prefeitura precisa sentar para conversar! Estão instaurando o Caos no Rio de Janeiro e não vai ter emergência que aguente”, afirmou Denise Sanchez, do Sindicato dos Enfermeiros.

A dentista da rede, Elizabeth Botelho, comentou que o descaso do poder público municipal atinge diretamente a população mais pobre e criticou o descaso da prefeitura com a saúde bucal onde se chega ao absurdo de ter um profissional para atender mais de 12 mil pessoas. “Estamos presenciando o desmonte da saúde bucal. Não podemos ficar com um dentista para atender de 12 a 15 mil pacientes. Existe uma dívida social dos serviços de saúde bucal. Os serviços privados são caros e não é um trabalho meramente estético. São serviços importantes para a qualidade de vida e saúde da população. Serviços ligados à hipertensão, diabetes, gravidez e que estão sendo retirados da população. A estratégia da Saúde da Família entra dentro da favela. Entra para atender a população que não tem dinheiro para pagar um tratamento. Quando o dentista entra para dentro da favela para cuidar dessa pessoa, ela está cuidando de uma pessoa que às vezes nem tem como sair para tratar. São casos de dor, de obsessos, crianças, ou até reabilitação estética para que a pessoa possa ser reabsorvida pelo mercado de trabalho”, disse Elizabeth.

A CTB-RJ foi representada na coletiva pela dirigente Maria Celina de Oliveira, que aproveitou a ocasião para convocar todos para o ato contra o fechamento do Hospital da Piedade. “Nós estamos indignados com a administração da prefeitura que, em pouco tempo, conseguiu destruir hospitais, a estratégia de saúde da família e com todo segmento de saúde que vinha funcionando, apesar das dificuldades. O Secretário Municipal de Saúde mandou fechar 40 leitos no Hospital da Piedade e suspendeu todas as cirurgias. O Hospital da Piedade é um hospital de ensino, com mão-de-obra de excelência e com maioria dos seus médicos sendo também professores. Isso significa que o hospital da Piedade caminha para ser fechado e que, o hospital de ensino que ele é hoje, não poderá mais ser. Os leitos fechados atingem a clínica médica, a cirurgia geral, a urologia e a ginecologia. Isso é o fim de um hospital que tem uma linda história, que todos seus pacientes sentem que são atendidos com excelência. Nós, da CTB RJ, não vamos permitir isso. Convocamos todos os usuários do SUS para o ato do próximo dia 29, às 11 horas, em frente ao Hospital da Piedade para resistir ao desmonte e impedir o fechamento do hospital”, convoca Celina.

Nesse quadro de abandono e desmonte, a união da categoria tem sido um sopro de esperança. O diretor do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Thomás Pinheiro da Costa, valorizou a organização do movimento e destacou o papel que a estratégia de Saúde da Família teve para tal. “Nas décadas de 80 e 90, que aconteceram muitas greves, elas eram puxadas pelas instituições sindicais. Eram os Sindicatos que mobilizavam. Essa greve, no entanto, nasceu da base. Os sindicatos dão apoio jurídico, logístico, político, mas o movimento nasceu das bases, numa movimentação espontânea. Isso é fruto de uma nova relação do médico com a população, o que é um resultado direto da estratégia de saúde da família. Pela primeira vez, um movimento de greve, na área de saúde, não tem foco na luta salarial. Essa é uma greve pela saúde e pelo SUS. Um sistema de saúde que é o mais democrático do mundo e que está sendo destruído”, afirmou Thomás.