Sobre fascismo, esperança e resistência: o show tem que continuar 

O Bêbado e o Equilibrista é o título de uma bela música de João Bosco e Aldir Blanc. Dela foi roubada a expressão "esperança equilibrista" que deu nome à ação fascista que atingiu a UFMG, travestida de operação de combate à corrupção.

Por Renan Araújo*

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Essa música é, talvez, a mais representativa das que compõem a trilha sonora da luta pelo fim da ditadura militar e pela volta da democracia no Brasil. Fala de tortura, de exílio, e o verso "esperança equilibrista" está no final da composição, completada com a ideia de que "o show de todo artista tem que continuar.

Os fascistas concurseiros, que hoje substituem os milicos e o aparelho de repressão da ditadura de 1964, certamente conhecem a história da música e o que ela representa e, por essa razão, se apropriaram de uma frase de significado profundo para denominar os desmandos de hoje. Isso tem um nome: escárnio.

Num país golpeado, em que se quebra a ordem democrática, em que se atropela a vontade de 54 milhões de cidadãos, parece que tudo é permitido e natural, até inverter o significado e o sentido de uma obra poética entranhada na história recente da luta de um povo.

Mas o escárnio não se esgota em si: o que se pretende é bem mais. O que se pretende é atingir o cérebro e a alma de uma nação: sua universidade. Recentemente a Universidade Federal de Santa Catarina (e seu Reitor assassinado), agora a Universidade Federal de Minas Gerais.

O obscurantismo não co-habita o mesmo mundo do livre pensamento, da produção científica, artística e cultural. O obscurantismo que criminalizou a política agora quer criminalizar as ciências, porque sabe que nas universidades é produzido o sangue oxigenado que preenche as veias da democracia e que lhe dá vida e força e longevidade.

Vivemos tempos estranhos. Vivemos tempos de guerra. Nossa sociedade se desagrega e se desalinha rapidamente, e a figura do equilibrista que tenta manter-se de pé diante do caos ganha uma força mais que metafórica.

Henfil disse para seu irmão (o militante político e sociólogo Betinho) ao apresentar-lhe a música em 1979: "mano, agora temos um hino. E quem tem um hino faz a revolução."

Que essa agressão brutal sofrida por nosso povo e pelas nossas universidades nos inspirem à resistência. A mesma resistência que nos fez espalhar pelo Brasil os inúmeros comitês que fizeram ruir o império dos generais. A mesma resistência que nos trouxe de volta o "irmão do Henfil", a democracia e a esperança.

A esperança equilibrista que sabe que o show de todo artista tem que continuar – escreveu Aldir Blanc e cantou Elis Regina.

Por respeito à memória do Reitor Luis Carlos Cancellier, por respeito a todos os sonhos sonhados por um mundo melhor, por respeito a todos os que tombaram e os que necessitam de nossa luta: esperança, resistência e enfrentamento do fascismo, sempre!