O Natal do ano passado foi duro, mas esse ano vai ser pior

O trabalhador de carteira assinada, a esta altura, já deve ter recebido, ou tem até o dia 20 deste mês para receber, o 13º salário de 2017. Já os 227 mil servidores ativos, aposentados e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro não receberam nem o 13º do ano passado. São mais 350 dias sem o benefício e quase dois anos vivendo de atrasos no pagamento. Além disso, muitos ainda estão sem receber os salários de outubro e novembro.

RJ

O governo do estado depositou, na última quinta-feira (7), os salários de quem recebe até R$ 4.428 líquidos, correspondentes a setembro. O total é de R$ 249,9 milhões, segundo a Secretaria de Estado da Fazenda. Entretanto, a situação ainda parece estar longe de ser normalizada.    

“Temos pleiteado junto ao governo um pagamento de juros desse valor, porque todas as nossas dívidas, que acumulamos ao longo desse tempo, foram pagas com juros. Tem servidor sendo despejado, com a luz cortada, e até doente”, disse Mesac Eflain, presidente da Associação dos Bombeiros e um dos Coordenadores do Muspe (Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais).

Tem servidor sendo despejado, com a luz cortada, e até doente

Depois do pagamento desta quinta-feira, ainda falta depositar os salários de 25 mil servidores. Até o momento, foram pagos integralmente os vencimentos de 438.070 vínculos, que totalizam R$ 1,504 bilhão. A parte ainda em dívida soma um total de R$ 103,6 milhões.

De acordo com a Secretaria da Fazenda do Estado, só o resultado da arrecadação vai determinar quando ocorrerá um novo pagamento. O governo do Rio tentou um empréstimo de R$ 2,9 bilhões, mas a verba emperrou e ainda não tem calendário para liberação. Em nota, a Secretaria informou que "a Fazenda está concentrando todos os esforços para que o pagamento seja efetuado dentro do prazo regular".

“Eu sou bombeiro, e como bombeiro, ao socorrer qualquer pessoa em qualquer situação de desastre, nós não exigimos nada em troca. A União vem oferecendo um socorro fiscal ao Rio desde o início, no entanto, a cada mês surge uma nova exigência, fazendo com que os servidores criem uma falsa esperança de que aquela situação será resolvida”, disse Mesac.

O empréstimo

Após o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmar que o empréstimo precisa ser tratado com o Banco Mundial, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) se manifestou para esclarecer o que ele classificou como equívoco.

Segundo Pezão, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que é dada como garantia para a obtenção do empréstimo, não integra as garantias de qualquer contrato junto ao Banco Mundial. O governador afirmou ainda que a Cedae faz parte de outro acordo firmado junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

De acordo com Meirelles, o problema é que 20% das ações da Cedae já haviam sido oferecidas pelo Estado do Rio como garantia de outro empréstimo, junto ao Banco Mundial.

"Uma parte das ações da Cedae estão dadas em garantia a um empréstimo atual e o Banco Mundial tem que concordar com o novo empréstimo e o penhor do restante das ações", disse o ministro, frisando que a negociação é entre o governo fluminense, o BNP Paribas e o Banco Mundial, e que o Ministério da Fazenda "está ajudando".

O governo federal deveria nos socorrer porque se o Rio afundar, ele vai levar a nação junto
O governo do Rio promete utilizar todo o valor de R$ 2,9 bilhões para pagar o que deve aos servidores estaduais. A venda da Cedae foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) como forma de socorrer as finanças do estado. No entanto, a medida é polêmica, pois, segundo os funcionários da Companhia, com a privatização, o consumidor passará a pagar mais pela água, a exemplo do que teria acontecido em empresas de saneamento vendidas à iniciativa privada em anos anteriores.

“O empréstimo não vai resolver a situação do estado do Rio. Pelo contrário, vai criar um endividamento do estado. Vender a Cedae, que é uma empresa superavitária, também não é solução. O governo federal deveria nos socorrer, porque o estado do Rio é um ente federativo e, afundando no buraco, ele vai levar a nação junto”, ressaltou Mesac, lembrando que o Rio de Janeiro é a segunda maior arrecadação de imposto do país, além de ser cartão postal brasileiro.

“Na época dos Jogos Olímpicos, a União enviou R$ 2,9 bi para reforçar a segurança na capital carioca, sem pedir nada em troca. E agora, para socorrer a família dos servidores, ele não só não enviou nada até o momento, como ainda fica jogando com incertezas e exigências de contrapartidas”, criticou.

Contas para pagar

Apesar dos salários estarem atrasados, as contas não pararam de chegar, deixando na corda bamba quem depende dessa remuneração para sobreviver. No ano passado e em julho deste ano, o Muspe fez uma campanha de distribuição de cesta básica para ajudar os servidores, principalmente aqueles que passam por necessidades mais urgentes.

“Nós não queremos retomar as campanhas de cestas básicas. É muito humilhante para os servidores terem que passar o Natal a base de cestas. Queremos regularizar de fato a questão salarial”, disse Mesac.

O bombeiro e coordenador do Muspe contou que ano passado 5 mil cestas foram distribuídas em dezembro. Entretanto, ele afirma que o Movimento optou por não fazer a campanha no Natal deste ano, na esperança de que o governo federal envie socorro imediato ao Rio.

O Natal do ano passado foi duro, mas esse ano vai ser pior

Mariá Casa Nova, 67 anos, é servidora aposentada da saúde. Ela trabalhou 39 anos no Hospital Getúlio Vargas Filho, no bairro Fonseca, em Niterói. A aposentada conta que cansou de esperar pelos salários atrasados e, devido à urgência de se manter e sobreviver aos altos preços do Rio, começou a vender amendoim no Centro do Rio.

“Eu estou na porta da Alerj, essa casa de corruptos, com mais três companheiros pedindo esmola, porque eu não aguento mais passar necessidade. O Natal do ano passado foi duro, mas esse ano vai ser pior, porque não vai ter cesta básica. Provavelmente é o pior ano da minha vida”, lamentou a servidora, acrescentando: “Eu vivi uma vida trabalhando pelas pessoas, para as pessoas, salvando pessoas. E agora tenho que passar por isso? Estou muito envergonhada”, emocionou-se.

Jorge Luis Mattos, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais no Estado do RJ (Sintuperj), contou que existem casos, cada vez mais frequentes, de servidores cometendo suicídio por causa desta escassez. Ele afirma que a situação é de precisar receber para trabalhar, porque até para resistir e se organizar em protestos os servidores precisam se locomover, e sem subsistência, tem sido impossível.

“Na Uerj as pessoas não têm mais dinheiro para se locomover para o trabalho. Isso nos impossibilita de trabalhar e de exercer nossa profissão. No Hospital Pedro Ernesto isto está sendo um dilema. Recebemos arrestos para abastecer o hospital, mas ele não tem material humano, já que quem mora de aluguel está sendo expulso de casa. Este será mais um Natal de fome imposto por esse desgoverno”, disse Jorge, completando:

“O sentimento é de impotência, de revolta e de abandono. Nós fomos abandonados até pela Justiça. O que a Justiça está fazendo para obrigar o governo a reverter essa situação? Por que não existe um decreto para que as concessionárias de água, luz e telefonia, que vivem adquirindo benefícios do governo, não cortem o serviço na casa desses funcionários. Ninguém perdoa. Não foi decretada calamidade pública? Todos deveriam abraçar a causa então”, exclamou.

Apesar dos salários estarem atrasados, as contas não pararam de chegar

Protestos

No último sábado (2), os servidores públicos estaduais realizaram uma passeata até a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, onde está preso o ex-governador Sérgio Cabral, para denunciar o atraso de salários. O protesto, entre os muitos já realizados, organizado pelo Muspe, foi pelo descumprimento da promessa do governador Pezão de quitar todos os salários atrasados até o dia 27 de novembro.

“Tivemos um número bem reduzido no último protesto, por falta de recurso, inclusive, para se deslocar até o protesto”, exclamou Masec. “Na última reunião com Pezão, ele nos prometeu o pagamento até o dia 27, e uma nova reunião para o dia 14 de dezembro, para tratar de outras pautas como progressão de carreira. Mas diante do descumprimento do governador, a regularização dos pagamentos continua sendo a nossa prioridade”, completou.

Ao se reunir com representantes do Movimento, Pezão afirmou que o Estado, hoje, tem muita dificuldade para fornecer datas enquanto não for realizada a operação de crédito que tem as ações da Cedae como garantia. “Eu entendo a aflição dos servidores e fico muito angustiado com essa situação. Espero que Deus me dê saúde para cumprir essa missão. Não quero ficar olhando pelo retrovisor”, acrescentou o governador.

Enquanto isso, no presídio de Benfica, além de Cabral, outros dois ex-governadores estão presos, Anthony e Rosinha Garotinho, e os deputados do PMDB Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani, presidente licenciado da Alerj. Todos são acusados de crimes de corrupção.

Será que eles estão jogando conosco para pressionar as reformas?

Manifestantes também aguardaram a saída do empresário Jacob Barata Filho, o "Rei do Ônibus", e de Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor), que tiveram o pedido de habeas corpus concedido no dia 1º deste mês pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Golpe no povo

“Esse governo é uma quadrilha golpista. A nação brasileira está entregue a esses grupos. Sucateamento sempre houve, mas começou a ficar ruim mesmo a partir de 2015. O golpe não era em cima da Dilma [Rousseff, ex-presidente], era em cima da nação, do trabalhador, e do povo. Ele [Michel Temer] gasta milhões em emendas e concessões para salvar o pescoço na Câmara, enquanto tem aposentado do Rio, que trabalhou a vida toda, passando fome. Você quer coisa mais esdrúxula que isso?”, completou Jorge, referindo-se à última denúncia barrada na Câmara dos Deputados contra o presidente Michel Temer (PMDB), por obstrução da Justiça e organização criminosa.

Mesac afirmou que na próxima quinta-feira (14), quando os servidores se reunirão com Pezão, haverá mais um protesto em frente ao Palácio Guanabara. Ao que tudo indica, segundo ele, não há mais nenhum entrave quanto ao acordo de regime fiscal e a esperança para que a situação seja resolvida é forte.

“Estamos aguardando a decisão do Meirelles. O que está faltando para o ministro assinar o contrato do empréstimo para regularização dos salários? Burocracia ou boa vontade? Eu diria boa vontade”, destacou o coordenador do Muspe.

O bombeiro diz ainda que tem ouvido com frequência em discursos de parlamentares a favor da reforma da Previdência, que o presidente Temer corre para aprovar no Congresso, o uso do Rio como mau exemplo.

“Eu tenho ouvido muito a seguinte frase: ‘é melhor aprovar a reforma, senão vai acontecer com o Brasil o que aconteceu com o Rio’. Então, será que estão jogando conosco para pressionar as reformas?”, questionou.

Enquanto isso, no presídio de Benfica, três ex-governadores do Rio estão presos.