MST: Despejo no sul do PA resulta de aliança do governo com latifúndio

A trabalhadora rural e dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Pará (MST), Ayala Ferreira, afirmou que a reintegração de posse que aconteceu nesta quinta-feira (14) no acampamento Hugo Chaves, no sul do Pará, não é o fim da luta dos sem terra pelo reconhecimento da fazenda Santa Helena como área para a reforma agrária. 

Por Railídia Carvalho

Reintegração de posse no acampamento Hugo Chaves 14 de dezembro de 2017 - Gino Perez

“Vamos questionar até o fim essa profunda aliança do governo do Estado com o latifúndio para grilar terras públicas na região”, declarou ao Portal Vermelho nesta quinta.    

A reintegração de posse no acampamento Hugo Chaves, há 25 km de Marabá (PA), aconteceu a partir das 6h desta quinta-feira. O Comando de Missões Especiais da Polícia Militar e oficiais de Justiça deram dois dias de prazo para as 300 famílias desmontarem barracos, a escola e deixarem o local que ocupam há 4 anos. Segundo Ayala, que acompanhou a ação, o comando evitou repetir procedimentos abusivos mas deixou claro que a reintegração de posse seria feita a qualquer custo.

“O aparato policial está aqui para passar a posse para a família Saldanha mas onde estava a polícia quando o latifúndio atirou nas famílias? Mulheres, crianças e trabalhadores poderiam ter sido atingidos”, questionou Ayala. Mesmo com as famílias se organizando para deixar o local, um ataque a tiros ao acampamento ocorreu na segunda-feira (11). Segundo Ulisses Manaças, também dirigente do MST, os autores dos disparos trabalham para o fazendeiro Rafael Saldanha, que reivindica as terras. O movimento denuncia que as terras são públicas e foram griladas pelo fazendeiro.

Ayala denunciou um esquema que beneficiou o aforamento em favor da família Saldanha com a participação do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). “Solicitamos esse processo há muito tempo e até hoje não conseguirmos acesso a esse documento que beneficiou a família Saldanha. A aliança entre o Estado e o latifúndio é tão profunda que permite que uma vara agrária decida manter um despejo de famílias às vésperas do natal. É muito insensibilidade após o ataque que essas famílias sofreram. Estão defendendo o direito da propriedade privada. E a vida e a função social da terra isso entra aonde na área jurídica?”, contestou a trabalhadora rural.

“Não renunciamos à área. Tivemos que recuar em função da força e do enfrentamento policial. Tivemos que cuidar da vida das famílias que estão sendo despejadas às vésperas do natal sem que o Estado apresente uma alternativa de lugar para ficarem e de como vão se alimentar”, ressaltou Ayala. “Neste momento as famílias estão lá sendo acompanhadas, monitoradas e pressionadas pela polícia a deixarem o local”, descreveu a dirigente.

O MST vai encaminhar as famílias para um acampamento provisório no assentamento 26 de março na região. “Se dependesse do Estado as famílias voltariam para as periferias. Na concepção do latifúndio, lugar de onde nunca deveriam ter saído”. Segundo Ayala, os sem terra permanecerão nessa área coletiva até que se abra novamente um canal de discussão com o Instituto Nacional de Regularização Fundiária (Incra) e o governo do Estado para encontrar solução para as famílias despejadas.

A dirigente denunciou ainda que o mesmo Estado que não oferece alternativa ao despejo das famílias também impede os trabalhadores de consumirem a própria produção. “Se (o fazendeiro) não passar o trator na produção vão colher daqui há um mês o milho que plantamos, em seis meses a mandioca, daqui a 20 dias vão colher e comer a abóbora que plantamos, as hortaliças e as frutíferas que produzimos limão, ata, manga acerola”, enumerou Ayala.

“Tristeza e indignação são os sentimentos que tomam conta dos trabalhadores. Ser despejada nesse período abrindo mão de tudo o que construíram, da escola, da produção. Isso mexe com a autoestima das famílias. Mas nós vamos até o fim denunciar essa aliança entre o estado e o latifúndio”, enfatizou.