Uma violência, critica CNS sobre mudança no repasse de recursos do SUS

Às vésperas do fim do ano, o governo de Michel Temer anunciou, por meio do Ministério da Saúde, que vai mudar a forma de transferência de recursos do SUS para estados, municípios e Distrito Federal. De acordo com o governo, a partir de 31 de janeiro de 2018, os repasses da pasta serão feitos em dois blocos: custeio e investimento. A alteração do modelo de repasse já era aventada pelo governo desde o início do ano.

Por Dayane Santos

Ronald Ferreira dos Santos ex-presidente do CNS

Atualmente, o repasse é dividido por áreas e a verba destinada é de uso exclusivo. São seis áreas: sendo gestão (0,3%), investimento (2,6%), vigilância em saúde (2,7%), assistência farmacêutica (4,8%), atenção básica (16,7%), e assistência de média e alta complexidade (45,3%).

Agora, com a mudança apresentada pelo governo, seriam mantidos dois grupos (investimento e custeio), mas o gestor municipal ou estadual é quem vai decidir como distribuir esses recursos.

A medida gerou críticas de especialistas do setor e de entidades da área. Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), classificou a medida como "uma violência".

"Ao fazer essa mudança, o Ministério da Saúde está tentando colocar em prática o que foi pactuado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), mas sem obedecer as diretrizes da Lei Complementar 141 para as mudanças de critério de rateio", enfatizou Ronald. "Além de descumprir a lei, o Ministério da Saúde não apresentaram nenhum argumento técnico para essa mudança. É o modo de governar transformando as exceções em regra também na saúde, em que o caráter pragmático da gestão eliminou o caráter programático e o planejamento do SUS", criticou.

Ronald destaca que a medida, somada a queda na receita provocada pela recessão e pela aplicação dos cortes nos investimentos no SUS por causa da Emenda à Constituição 95 – conhecida como emenda do teto -, que congela os investimentos por 20 anos, não atende aos interesses e necessidades da população.

"Essa flexibilização atende aos interesses pragmáticos dos gestores federais, que diminuirão a sua responsabilidade no SUS e alegarão o atendimento de demanda dos gestores estaduais e municipais, e destes últimos que terão flexibilidade para alocar os recursos no contexto da restrição orçamentária e financeira e da ausência de instrumentos adequados de monitoramento, inclusive de avaliação do cumprimento do plano Nacional de Saúde e das diretrizes da 15ª Conferência Nacional de Saúde pelos gestores, que tenderão a realocar recursos do já frágil financiamento da atenção básica para a área em que o poder econômico e de pressão política estarão firme e fortemente representados – a média e alta complexidade", argumentou.

Redução dos recursos

Ronald também rebateu a afirmação do ministro da Saúde, Ricardo Barros, e disse que a medida não foi encaminhada para deliberação do Conselho, violando o que estabelece Lei Complementar 141, que prevê que a mudança deve passar pela apreciação do órgão .

"A forma do repasse financeiro representa um dos critérios de rateio, mas não é o único e, como tal, depende da análise e deliberação prévia do CNS, o que não ocorreu. Muito pelo contrário, nem as recomendações do CNS para um processo de transição com debate ampliado sobre o tema foi observada pelo Ministério da Saúde", denunciou.

A principal preocupação das entidades é que áreas da saúde podem perder recursos, como como vigilância e combate ao Aedes aegypti, mas principalmente de atenção básica, área que ganhou incentivo nos últimos anos.

"Se olhar durante esses anos, não houve diminuição da proporção gasta em atendimentos de média e alta complexidade [caso dos hospitais], que sempre foi maior, mas houve aumento importante na atenção básica", diz a economista especialista em saúde Eli Iola Gurgel, professora da Faculdade de Medicina da UFMG, em entrevista à Folha de S. Paulo.

Segundo ela, a mudança nas regras também traz risco de aumento das pressões do mercado sobre o SUS. "O que temo é que ao invés de caminhar para o fortalecimento da atenção básica, que é a porta de entrada para o SUS, o gestor se veja forçado a resolver problemas imediatos, como consultas e exames especializados, por exemplo, e vá comprar esse serviços das clínicas e fornecedores privados", completa.

Retrocesso padrão

Até agora, as reformas apresentadas pelo governo representaram um retrocesso aos direitos. Assim foi com a reforma trabalhista, a emenda do teto – que congelou os investimento públicos em saúde, educação por 20 anos, e a proposta de reforma da Previdência.

Mas o Ministério da Saúde diz que a medida vai melhorar o atendimento à população, pois os gestores terão mais liberdade para definir para quais políticas serão destinados os investimentos. O ministro afirmou que a mudança “é uma verdadeira revolução”.

Segundo ele, o atual modelo tem feito com que recursos fiquem parados sem a possibilidade de remanejamento de recursos entre áreas.

A previsão é de que cerca de R$ 7 bilhões que foram destinados para políticas de saúde em 2017 devem ficar nas parados nas contas dos diversos entes da federação. No entanto, o montante repassado a cada ano pelo o governo federal para custear os gastos da saúde é de R$ 75 bilhões. Já o custo total da pasta é chega a R$ 243 bilhões.

Sobre isso, Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), afirma que essa alegação reforça que os gestores não fizeram o planejamento adequado dos gastos.

"A alegação de que ficam parados recursos bilionários nas contas bancárias – que somente foi possível identificar por causa das vinculações nos seis blocos -, reflete um planejamento inadequado dos gestores e/ou um monitoramento inadequado do Ministério da Saúde", destacou.

Ainda sobre esse suposto dinheiro parado, ele questiona: "As necessidades de saúde vinculadas a essas contas não foram atendidas ou, como já estavam 100% atendidas, não havia aonde gastar o recurso? Não será com essa flexibilização que se resolverá esse problema da falta de planejamento e monitoramento das políticas de saúde, mas sim esse problema não aparecerá e será propagandeado como 'gestão eficiente'".