Uruguai enfrenta problemas com multinacionais após legalizar maconha

Projeto do ex-presidente José Mujica para combater narcotráfico é colocado em xeque; bancos repudiam a lei e tomam medidas que desagradam o governo.

Por Felipe Bambace e Philipe Alves

Legalização da Maconha - AP

As vendas legais de maconha no Uruguai foram iniciadas no mês de julho de 2017. Logo de início, 5 mil uruguaios se inscreveram no registro de consumidores obrigatórios do país, de acordo com dados do jornal El País. As compras podem ser realizadas em 26 locais de comércio legalizados como distribuidores da substância no país, conforme dados do Instituto de Regulamentação e Controle de Cannabis (IRCCA).

O acesso ao produto no Uruguai é feito pelas autoridades por três caminhos: autocultivo, farmácias e clubes cannábicos, sendo que apenas 16 farmácias estão autorizadas e 10 clubes cannábicos. Além disso, 7.119 autocultivadores da droga são registrados pelo IRCCA. Para comprar, é necessário ser maior de 18 anos, possuir cidadania uruguaia, residir no país e estar inscrito no registro de consumidores.

A questão é que a liberação da droga pelo governo uruguaio — pensada como uma forma de combater o tráfico no país — além de impulsionar a economia, tal como defendido pelo ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, vem provocando reação de multinacionais contrárias à medida.

É o caso do banco brasileiro Itaú, bem como do espanhol Santander, que optaram pelo encerramento das contas bancarias de clubes cannábicos e farmácias autorizadas a vender a planta. Os bancos argumentam que seguem a política de seus países em relação ao consumo, venda e comércio de maconha e, portanto, não querem vincular suas marcas à droga.

Defensor do projeto de regulamentação da maconha, que foi iniciado em 2013, Mujica ressaltou, em vídeo publicado pela emissora alemã Deutsche Welle, sua indignação perante a atitude dos bancos, afirmando que as entidades “fecham a porta e criam uma angústia financeira para o conjunto de pequenas empresas, encarregadas de distribuir o produto ao consumidor”.

Mujica ainda explica que a política repressiva à droga tem perdido para o narcotráfico e, por isso, eram necessárias alternativas para combatê-lo. “Seria bom que os bancos dessem uma olhada no teste que está sendo feito neste país, que pode ser um experimento que, em parte, pode servir para a humanidade”.

A interferência bancária na economia do país poderia frear o impulso de vendas da maconha planejado pelo governo. Entretanto, estabelecimentos que fazem parte do segmento do mercado da droga, como os growshops — lugares que vendem produtos auxiliares para consumo da maconha e proporcionam ambientes para sessões de fumo — negaram o esfriamento da comercialização.

“Para nós, isso não nos afeta [ação dos bancos]. Em geral, as pessoas que cultivam, seguem querendo comprar os produtos para o seu consumo e, cada vez mais, existem mais pessoas querendo cultivar”, informou a growshop Planeta Granja, da capital uruguaia.

Juana Grow, outro estabelecimento do ramo, quando contatado, também ressaltou o aumento na procura de seus produtos, e desvinculou a ação dos bancos ao mercado de vendas de maconha.

Resultado controverso

O Diretor Nacional de Polícia no Uruguai, Mario Layera, alegou, em entrevista à rádio El Espectador do Uruguai, que a legalização da droga no país não interferiu na comercialização da maconha, como também não contribuiu para a redução do narcotráfico no país.

O deputado Carlos Lafigliola, do Partido Nacional, defende a ideia de que a legalização tira a imagem negativa da droga, e ainda incentiva o uso. “A lei não adiantou, não freia em nada a delinquência. Pelo contrário, a agrava. O consumo foi liberado e a sociedade, sobretudo a juventude, ficou muito exposta”, lamenta.

Maconha no Brasil

De acordo com o relatório brasileiro sobre drogas do governo federal, realizado em 2009, a maconha é a droga ilegal mais consumida no Brasil.

A legalização da substância divide opiniões entre a população. No país, o plantio de Cannabis só é liberado na forma medicinal com autorização da Anvisa e da Justiça Federal. Segundo a Associação de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), o óleo extraído da planta auxilia no tratamento de doenças como Parkinson, epilepsia e ajuda a reduzir os efeitos da quimioterapia, entre outros.

Assim como no Uruguai, usuários defendem que a legalização da droga tem como objetivo combater o narcotráfico. De acordo com um estudo elaborado a pedido do Parlamentar Jean Wyllys (PSOL-RJ), chamado “Impacto Econômico da Legalização da Cannabis no Brasil” pelo menos 2,7 milhões de brasileiros consomem maconha mensalmente no Brasil.

O estudo aponta que, caso o comércio da planta fosse um negócio legal, o país poderia arrecadar quase R$ 6 bilhões por ano com sua comercialização. Para estabelecer esse número, a pesquisa se baseou na estimativa da quantidade de consumidores (2,7 milhões) e com um limite de compra da planta de 40 gramas por mês. Restrição semelhante à existente no Uruguai.

Se aplicada a mesma taxa do tabaco para venda da Cannabis, com o preço do grama a R$ 4,20, cada usuário gastaria cerca de R$ 2.073 por ano, movimentando R$ 5,69 bilhões ao todo.

Além disso, as empesas fornecedoras de maconha estariam sujeitas a cinco taxas de tributação federal inclusas nesses valores fixados para a venda: Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição para os Programas PIS/Pasep e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) também estraria nas questões burocráticas.

Segundo Luciana da Silva Teixeira, coordenadora do levantamento e consultora legislativa da área de economia na Câmara dos Deputados, esse estudo não contabilizou derivados da maconha como comestíveis e medicamentos com o princípio ativo do canabidiol.

“Por outro lado, há também a redução de gastos que, em geral, são relacionados ao combate às drogas”, declarou a economista à revista Carta Capital. Isso reduziria gastos com policiamento, sistema prisional e dispêndios processuais e jurídicos. Em 2014, os gastos com tratamento, repressão e combate de todas as drogas chegaram R$ 4,8 bilhões no Brasil.