Penhora de triplex impede condenação de Lula, diz jurista

Condenação do ex-presidente Lula, não fosse trágica, seria até muito engraçada. 

Por Afrânio Silva Jardim

Afrânio Jardim - Reprodução

Vamos pensar juntos:

1 – Primeira reflexão, com uma certa dose de ironia…

Pela condenação do ex-presidente Lula, passamos a ter algumas situações jurídicas insólitas:

1) Visitação e/ou vontade de comprar: quem visitar um apartamento para eventual e futura compra adquire a sua propriedade.

2) Receber um apartamento significa … (não sei. Alguém sabe?) O ex-presidente não teve a posse do apartamento, sequer algumas horas, apenas o visitou …

3) Sugerir benfeitorias em um imóvel de outrem significa ter algum benefício próprio? As benfeitorias não se incorporam ao imóvel alheio?

Por outro lado, segundo o Juiz Sérgio Moro, agora temos duas espécies de propriedade:

a) proprietário “de direito”, de bens imóveis!!!

b) proprietário “de fato”, de bens imóveis !!!

Caso o ex-presidente Lula seja condenado defintivamente, será que esta sentença penal poderá ser transcrita no Registro Geral de Imóveis, declarando o triplex?

Seria uma sentença penal declaratória de propriedade, como se fosse uma sentença de usucapião???

Poderia o tríplex ser declarado no inventário de D. Maria Letícia para fins de futura partilha?

Se o triplex é de propriedade do ex-presidente Lula, como poderia ser penhorado para pagamento de dívida da empreiteira OAS?

O ex-presidente Lula está devendo imposto de transmissão pela transferência “de fato” deste imóvel?

De qualquer forma, aconselho aos leitores a não deixarem algum amigo usar seus imóveis e, muito menos, nele, deixarem realizar uma benfeitoria. Se a “turma” de Curitiba souber, você pode não mais ser proprietário deste bem e o amigo pode ser acusado de lavagem de dinheiro e proprietário de fato!!!

Enfim, já “bagunçaram” o Direito Penal e o Direito Processual Penal. Será que vão conseguir “bagunçar” também o Direito Civil ???

Ademais, parece que o magistrado resolveu alterar a essência de sua motivação no processo que cuida do Triplex de Guarujá. Digo parece, porque está tudo muito confuso. Aliás, a “confusão” começa com a longa, tormentosa e nebulosa denúncia do Ministério Público Federal.

Agora, após os embargos de declaração da defesa do ex-presidente Lula, o juiz sentenciante esclarece que a vantagem de dinheiro (que dinheiro ???) atribuída ao ex-presidente Lula não mais seria o Triplex, mas sim o fato de que o valor do imóvel teria sido abatido de uma conta de uma determinada empreiteira, escrituração esta que se destinaria a computar as doações que estariam sendo feitas ao Partido dos Trabalhadores…

Ora, se tal conta existisse (na realidade, uma mera escrituração unilateral), o numerário que poderia abastecê-la era de seu titular, a sociedade empresária OAS. Aqui a finalidade desta contabilidade não tem relevância jurídica. O fato é que, com ou sem tal anotação contábil, o ex-presidente não auferiu qualquer vantagem econômica. Se o valor do Triplex estivesse nesta conta, lá ficou … Apenas a empreiteira iria deixar de fazer uma doação maior ao Partido dos Trabalhadores. É até mesmo intuitivo (coloquei todos os verbos no tempo condicional, porque é duvidosa a existência desta contabilidade).

De qualquer forma, a sentença não pode julgar o réu por fato que não foi objeto da imputação feita na denúncia, tendo em vista o princípio da correlação entre acusação e sentença, expresso no art.384 do Cod.Proc.Penal. Tal princípio é uma consequência de dois outros de assento constitucional, quais sejam, o princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa.

Se a acusação não atribui ao réu determinado fato, é lógico que a defesa não tem como dele se defender.

Esta condenação, com base em fato (não provado) que não foi imputado ao réu, é absolutamente nula.

2 – Segunda reflexão:

1) Se considerarmos a imputação da conduta de “receber” indevida vantagem, vamos precisar de prova de que, em algum momento, o patrimônio do Lula foi acrescido. Sem aumento do patrimônio, o agente não “recebeu”. Lula não teve o seu patrimônio aumentado pelo fato de ter visitado o Triplex, ter usado um sítio, em comodato, ou alugado um apartamento no prédio em que mora.

Lula não teria aumentado seu patrimônio, mesmo que tivesse solicitado a realização de obras no apartamento Triplex (ademais, não há prova desta solicitação).

Lula não teria seu patrimônio aumentado, mesmo que ele tivesse combinado verbalmente com a OAS que, no futuro, ficaria com o imóvel” (o que não ocorreu e, por isso, não tem disso não se tem prova).

Note-se que todas estas benfeitorias aumentaram o patrimônio dos proprietários do imóvel e não o do ex-presidente Lula.

2) Se consideramos apenas as condutas de “solicitar” ou “aceitar promessa”, fica contraditória a acusação e condenação pelo crime de lavagem de dinheiro. Como “lavar” algo que apenas foi prometido ou solicitado ???

Tudo isso é uma questão de pura lógica e mesmo um leigo em Direito compreende claramente.

Finalmente, qual o ato ilegal do ex-presidente, praticado ou omitido, que estaria vinculado à suposta doação do Triplex ??? Vale dizer, qual o ato de ofício do ex-presidente Lula? O que seria o tal “ato de ofício indeterminado”, mencionado na sentença condenatória ??? Nunca tinha ouvido falar disso!!!

*Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal.