Dono da Riachuelo lança manifesto liberal para eleições 2018

O dono da Riachuelo, Flávio Rocha – aquele mesmo que classificou como “ótima” a portaria que dificultava o combate ao trabalho escravo –, lançou nesta quarta (17), nos Estados Unidos, um manifesto por uma "nova independência do Brasil". O texto defende o tradicional receituário neoliberal para combater a crise no Brasil. “O livre mercado é a melhor arma contra a pobreza”, disse. Para ele, o país precisa de um presidente que seja “liberal na economia e conservador nos costumes.”

flávio rocha - Arquivo pessoal/Reprodução

Durante um evento sobre varejo em Nova York, o empresário gravou um vídeo em que lê uma “carta-manifesto”. Nela, apresenta o movimento “Brasil 200”, numa referência ao aniversário de 200 anos da independência do Brasil, a ser comemorado em 2022, último ano de mandato do presidente que será eleito neste ano.

“Quero sugerir a todos vocês que chegou a hora de uma nova independência: é preciso tirar o Estado das costas da sociedade, do cidadão, dos empreendedores, que estão sufocados e não aguentam mais seu peso. Chegou o momento da independência de cada um de nós das garras governamentais. Liberdade ou morte!”, bradou o rico empresário, cujas fábricas têm sido alvo de diversas denúncias por violações trabalhistas.

Na sua carta, Rocha – conhecido apoiador do golpe que derrubou Dilma Rousseff – tece críticas tanto às gestões do PT, acusando a “nova matriz econômica” de ter jogado o país num “buraco”, quanto à de Michel Temer.

“O Brasil hoje não tem um governo, é o governo que tem um país que vive para sustentar sua gastança, seu desperdício, seu endividamento, seus ralos bilionários de corrupção e clientelismo, suas regulações insanas, seu intervencionismo retrógrado, sua aversão ao liberalismo e ao empreendedorismo, seu paternalismo autoritário, sua incompetência criminosa e sua fome insaciável por poder, dinheiro e ingerência na vida do cidadão e das empresas", afirma.

Na sua avaliação, a tão propalada recuperação econômica “ainda é frágil” e “cada pequeno avanço (…) pode nos deixar esquecer o tamanho do abismo que está logo na esquina”. Segundo ele, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela Standard & Poor's na semana passada foi um "duro lembrete de quanto ainda temos que caminhar para um crescimento realmente sustentável e que abra mais oportunidades para um país com mais de 12 milhões de desempregados".

Diante do diagnóstico sobre a fragilidade da economia, Rocha recomenda, no entanto, o velho remédio liberal: tudo ao Deus mercado. “É o livre mercado que pode gerar oportunidades e riqueza para todos, especialmente os mais pobres. Quando vamos aprender esta que é a mais básica das lições da história?", questiona.

O dono da Riachuelo disse ainda que o seu movimento reúne outras lideranças da sociedade civil e elabora uma pauta comum para entregar aos candidatos ao Executivo e ao Legislativo.

Segundo matéria de O Estado de S.Paulo, empresários como Luiza Trajano, Roberto Justus e Walter Torre também fazem parte do Brasil 200, cuja agenda inclui permitir o porte de armas e um posicionamento conservador em relação a questões de gênero. “Não se ganha eleição se não tiver coragem de se posicionar contra o marxismo cultural”, afirma o dono da Riachuelo ao jornal.

Rocha e a "elite de costas para o Brasil"

Em vídeo publicado nas redes sociais, a pré-candidata do PCdoB à Presidência, Manuela D’Ávila, rechaçou o discurso liberal do empresário, que, sublinhou, não é novo. “É antiga a ideia de que o mercado vai resolver o problema dos povos”.

Manuela defendeu que a construção de uma nova independência exige justamente do caminho oposto. “Precisamos ter um projeto de Nação, em que o Estado sirva à maioria e não para proteger meia dúzia de banqueiros e empresários. A independência que queremos comemorar é a que constrói um projeto soberano, em que o povo seja sujeito da sua história”, e, não, “objeto” do “Deus mercado”.

De acordo com o professor de Economia da UERJ, Elias Jabbour, Rocha é “herdeiro de uma faixa das classes dominantes que nunca produziu nada” e sempre esteve “de costas para o país”, um grupo que "tem ganhos na intermediação comercial, seja importando, seja exportando ou, simplesmente, especulando com preços internos".

“Fetichizam o livre-cambismo e sempre foram refratários à industrialização. No Brasil, foi a classe derrotada pela Revolução de 1930 e novamente derrotada em 1932. Voltam com força ao poder com o neoliberalismo na década de 1990 e agora com Temer. Encontram nas teses dos economistas neoclássicos a perspectiva intelectual necessária para servir de base suas diatribes contra o Estado, a política etc”, complementa.

Segundo ele, é a partir dessa base histórica que se deve procurar entender a cabeça de pessoas como Rocha e aquilo que chamou de “grau de indigência intelectual e política desta parcela da burguesia”.

“Não conseguem se dar conta que o próprio país que eles abraçam como exemplo, os Estados Unidos, usa e abusa do poder do Estado para determinar tudo na economia: desde as fusões e aquisições de suas empresas privadas até quantas centenas de bilhões de dólares serão direcionados para gastos governamentais”, colocou.

Jabbour contestou a associação feita pelo dono da Riachuelo entre livre mercado e redução da pobreza. Na sua opinião, só existe redução da pobreza no mundo, nos últimos 40 anos, por conta da China, “um Estado nada mínimo, diga-se por passagem”.

“Nossa real independência só virá quando a maioria absoluta de nossa sociedade for complemente conquistada à consecução de um grande projeto nacional, capaz de dotar o nosso país de uma poderosa indústria, mediado por um amplo sistema financeiro e por forças armadas condizentes com o nosso tamanho e prestígio”, disse.

“A nossa nova independência, na reorganização de um grande pacto nacional, terá essencialidade na conquista de um mundo mais próspero e pacífico. E digo pacífico porque sem paz não existirá nem capitalismo, nem socialismo possível neste mundo”, encerrou.