Entre Huck e Alckmin, FHC flerta com o perigo, diz Rodrigo de Almeida

O que move Fernando Henrique Cardoso ao estimular as asas do apresentador Luciano Huck? A zona de incerteza tucana aberta pelo ex-presidente tem deixado atônitos alguns partidários do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, provocado análises extraordinariamente críticas em relação ao grão-duque do PSDB e gerado dúvidas eleitoralmente decisivas para o partido.

Por Rodrigo de Almeida, no Poder360

Fernando Henrique Cardoso em palestra. - Foto: Diego Paduan/FolhaPress

Elas podem até se dissipar depois que Huck decidir se fica na Globo ou se sai candidato, mas tendem a ampliar ainda mais as inquietações tucanas.

Das perguntas geradas pela movimentação de Fernando Henrique Cardoso, destacam-se:

1. FHC se bandeou para Luciano Huck?

2. FHC está abrindo e testando novas frentes, buscando um “novo” em prol da viabilidade de uma candidatura, qualquer que seja ela?

3. FHC resolveu cristianizar o governador?

(Para quem não tem obrigação de saber, “cristianizar” é um termo clássico da política brasileira para definir o esvaziamento de um candidato do partido em favor de outro. Em 1950, o mineiro Cristiano Machado foi lançado candidato à Presidência pelo PSD, indicado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. A ala getulista do partido resistiu, Machado não conseguiu formar alianças, as traições internas se multiplicaram e muitos caciques do PSD migraram na prática para Getúlio Vargas, que venceu a disputa. Um exemplo bastante conhecido deu-se em 1989, quando Ulysses Guimarães foi cristianizado pelo PMDB na disputa presidencial daquele ano).

Embora aquelas dúvidas mencionadas acima tenham sido as mais comentadas nos últimos dias – sobretudo depois do jantar do ex-presidente com o apresentador e suas declarações simpáticas a Huck – custo a acreditar integralmente numa delas. Não acho que FHC tenha se apaixonado pela ideia de que o apresentador deva ser o candidato tucano, ou que haja genuína crença em Huck como um nome “novo” viável na política e muito menos que ele tenha abandonado Geraldo Alckmin.

Vejo a estratégia do ex-presidente de uma forma mais simpática do que a maioria das análises publicadas até aqui: no fundo, FHC busca tirar o seu partido e o seu candidato da zona de conforto e da política habitual de inércia do governador de São Paulo (e seu clássico “jogo parado”, à espera de ventos extraordinários a empurrar-lhe a candidatura rumo a um consenso geral, que não virá).

Ao incentivar Huck, diz o óbvio: Alckmin precisa se mexer muito para prevalecer seu nome internamente e, mais do que isso, apresentar-se de maneira mais enfática para o eleitor; o PSDB está aberto ao “novo”; Huck põe em xeque os partidos e a política tradicional (neste caso, é como se o próprio FHC tomasse à frente disso, pondo ele mesmo em xeque a política e os partidos, como se renovasse a tradição da qual ele próprio é um artífice).

É legítimo que o ex-presidente mostre alguma dose de impaciência com o ritmo, os métodos e o estilo de Alckmin. Seu namoro político com Huck pode ter o benefício de agitar a frente tucana neste momento de (re)afirmação de nomes e candidaturas.

Na dinâmica de seus relacionamentos políticos, FHC é como o ex-presidente Lula: gosta de estimular os contrários, acender chamas originalmente apagadas, exibir sinais aparentemente contraditórios, lidar com forças antagônicas. Faz tudo isso quando não é ele a peça-alvo dos seus atos. Afinal, contrários, só quando dirigidos aos outros, claro.

Mas sua estratégia é um flerte com o perigo. Se poderia ajudar a fortalecer o partido, suas possibilidades eleitorais e a discussão interna sobre o que tem a propor ao país, na prática o ex-presidente fragiliza o seu principal candidato (sim, cristianiza Geraldo Alckmin) e oferece um sinal de desordem e incerteza no partido, quando e onde se poderia estar arrumando a casa.

Mais grave, ao jogar luzes sobre Huck FHC acaba por dissolver o que resta da política partidária – mesmo que seja sua intenção, há de se perguntar: uma dissolução em troca de quê? De um “bom cara” com “estilo peessedebista”? Em que exatamente Huck desafia a política tradicional? Como ele pode arejar ou pôr em perigo políticos e partidos tradicionais? FHC falou em pessoas “portadoras de ideias e processos políticos novos”, mas o que isso significa quando se trata de Luciano Huck?

Até aqui, nada mais do que platitudes ditas por um excelente apresentador popular de TV, um ótimo comunicador que achou seu filão num misto de entretenimento e assistência social mediado pela mais poderosa rede de televisão do país. É muito, mas não basta. O que efetivamente Huck tem a dizer sobre e para o Brasil? Qual sua visão de Estado? Como propõe rearticular a capacidade dos (falidos) estados de atender às demandas da população? Qual a sua visão econômica? Que ideias e processos novos imagina para tornar viável uma saída para os milhões de desempregados brasileiros num ambiente restritivo? Como conciliará seu ímpeto pelo “novo” e a articulação com o Congresso e os partidos?

São algumas das respostas que o apresentador precisará dar se decidir sair da Globo em nome de suas aspirações eleitorais. E precisará fazer isso enquanto busca uma legenda – o PPS escancarou-lhe as portas, mas não tem estrutura, o DEM não pode garantir nada por ora, e o PSDB ainda é uma amálgama de caciques e interesses diversos, sem unidade nem mesmo quando o candidato é seu presidente e maior agregador.

A seu favor, a capacidade – pelo menos potencial – de atrair segmentos do eleitorado lulista e, assim, neutralizar o percentual de resistência ao seu candidato percebido na classe alta. Pelo menos é o que informam os dados da última pesquisa do Instituto Datafolha.

Nada disso, porém, converte-se em força natural capaz de fazê-lo sobrepor-se a Geraldo Alckmin no projeto tucano. A experiência mostra que é possível desenhar uma candidatura para determinada eleição, mas as chances de sucesso são sempre proporcionais à sua consistência.

O eleitor raciocina e avalia tanto os personagens quanto as histórias de cada um. E, frequentemente, celebridades projetadas pela mídia, capazes de sustentar bons índices de intenção de voto no período pré-eleitoral, mas desprovidas de substância política, murcham quando expostas ao cenário eleitoral, à comparação intensiva entre narrativas e argumentos distintos.

Huck pode desistir de uma candidatura à Presidência da República pela segunda vez ou tentar mostrar sua consistência política. Ele pode vir a ser o oposto de Geraldo Alckmin, mas é capaz de gerar tantas ou mais dúvidas quanto o governador de São Paulo.

Um dilema para o errático PSDB que conhecemos.