As companhias estatais são determinantes para o desenvolvimento

Apesar da eficiência indiscutível, a estatal paranaense Copel é alvo de assédio permanente de governos determinados a vendê-la. A última tentativa veio a público em outubro, em documento assinado por Richa e pelo BNDES prevendo a desestatização dessa empresa e também da eficiente Sanepar, de abastecimento de água e saneamento.

Por Carlos Drummond

Privatização - Divulgação

O engavetamento, em novembro, do plano do governo Beto Richa de vender a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e a premiação dessa estatal na quinta-feira (1/3) pela agência reguladora Aneel como a melhor distribuidora do país na visão do cliente sintetizam a vitória de uma das lutas mais importantes contra a privatização, iniciada em 2001 e que aglutinou 426 sindicatos, partidos, entidades estudantis e organizações populares, culminando na ocupação da Assembleia Legislativa e na derrota do plano de desestatização do governador Jayme Lerner.

Significam também um revés do neoliberalismo voltado para a desmoralização, desvalorização e venda das estatais com frequência para compradores estrangeiros e sempre a preço vil, sob o argumento de serem antros de corrupção irremediável e condenados à ineficiência recorrente. Esta é a crítica absoluta nunca comprovada, mas sempre usada para justificar a venda acelerada da Eletrobras e o esfacelamento da Petrobras acompanhado da liquidação das reservas do pré-sal, entre outras ações do gênero.

O mundo avança, entretanto, na direção oposta à do Brasil. Após a onda de privatizações que gerou excelentes negócios privados, mas nem sempre benefícios públicos entre as décadas de 1980 e 1990 e constatado o fracasso do neoliberalismo em entregar o que prometia, incluídos o aumento da concorrência e da inovação e a redução da desigualdade, a importância e o prestígio das estatais aumentaram, atestam consultorias e instituições internacionais. Aos poucos se conhece o sucesso de empresas como a Copel, a maior do Paraná e colecionadora contumaz de prêmios de eficiência.

Além da distinção mencionada acima, foi laureada também no ano passado por ser a melhor do setor no Sul do País, segundo itens como qualidade percebida pelo consumidor, confiança e custo-benefício dos serviços. Conquistou ainda pelo quarto ano consecutivo o primeiro lugar na competição promovida pela Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia.

Além dos títulos brasileiros, arrebatou pela quinta vez nos últimos sete anos o troféu de melhor distribuidora de energia da América Latina e do Caribe concedido pela Comissão de Integração Energética Regional, principal entidade do setor elétrico no continente.

Apesar da eficiência indiscutível, a Copel é alvo de assédio permanente de governos paranaenses determinados a vendê-la. A última tentativa veio a público em outubro, em documento assinado por Richa e pelo BNDES prevendo a desestatização dessa empresa e também da eficiente Sanepar, de abastecimento de água e saneamento, noticiou o Blog do Esmael.

No mês seguinte, Richa engavetou o plano. A também assediada Sanepar arrebatou em 2016 o Prêmio Nacional de Qualidade em Saneamento, concedido pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e neste ano foi laureada pela mesma entidade graças ao seu trabalho de universalização do saneamento.

O governo paranaense parece seguir em relação à Copel e à Sanepar o mesmo esquema simplório e lesivo ao País executado por FHC em relação à Petrobras. O ex-presidente determinou a redução do montante de ações da petrolífera em poder do Estado e uma parcela crescente de capital foi vendida para bancos e outros grandes investidores, em grande parte estrangeiros.

Assim reduziu o poder de decisão do Executivo na companhia, transferiu-o em parcelas crescentes para o exterior e preparou o terreno para a cada vez mais provável venda do controle no fim do processo.

O ex-governador Roberto Requião e o ex-senador Osmar Dias, possíveis candidatos ao governo do estado, anunciam desde já que, caso sejam eleitos, interferirão no processo. “Investidores, não comprem ações da Copel, Sanepar, na privatização de empresas públicas do Paraná, porque essa patifaria será revertida”, afirmou Requião no Twitter.

O jogo pesado dos privatistas incluiu ameaças, golpes e baixarias variadas, descreve Cicero Martins Júnior, funcionário da distribuidora de energia e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, em artigo publicado em agosto: “Em 2001, a venda da Copel era uma obsessão do governo Jaime Lerner e tida como certa, inevitável e indispensável. Naquele período a empresa teve paralisada grande parte de seus investimentos para a manutenção do sistema.

Foi humilhada como ‘ineficiente e onerosa’, fatiada e desestruturada para satisfazer a interesses externos. Sofreu desvalorização a ponto de seu preço de venda no leilão marcado para outubro daquele ano ser de escorchantes 2 bilhões de dólares, valor considerado ‘abusivo’ pelos grupos interessados na compra. A companhia foi submetida a uma campanha de assédio moral contra seus funcionários, de preparação para a desestatização. Foram obrigados a abrir mão de direitos e conquistas como o anuênio, por exemplo, em troca de acordos e compensações pífias”.

Porém, se o governo queria vender a Copel a qualquer custo, prossegue Martins Júnior, os sindicatos e associações de profissionais, as entidades estudantis, os partidos políticos, a sociedade civil organizada como um todo se levantaram contra aquele processo, reunindo 426 entidades no Fórum Popular Contra a Venda da Copel. Um abaixo-assinado com mais de 200 mil assinaturas deu origem a um projeto de lei de iniciativa popular para revogar a autorização da privatização. O desfecho da campanha entrou para a história da resistência aos interesses antipopulares.

“Em 15 de agosto daquele ano, a votação dos deputados foi acompanhada atentamente por milhares de manifestantes em uma das sessões mais longas da história da Assembleia Legislativa do Paraná, pela primeira vez ocupada pelo povo em protesto contra as manipulações do governo para derrubar o projeto de lei que impediria a venda. Cinco dias depois, 20 mil paranaenses foram às ruas em manifestação de descontentamento com a política entreguista que já havia dilapidado a Telepar e o Banestado.

Tornou-se um grandioso ato de desagravo, de demonstração da confiança dos paranaenses na competência e seriedade do quadro de trabalhadores da Copel, de reconhecimento da importância do maior patrimônio de nosso estado, construído ao longo de décadas”, chama atenção o sindicalista.

O governo Lerner ganhou a votação de 20 de agosto, por 27 votos a 26, “mas a privatização da Copel estava ferida de morte. Nos meses seguintes, os pretensos grupos compradores, um a um, abandonaram a intenção de compra”, sublinha o diretor do Sindicato dos Engenheiros.
Em vários processos impetrados pelos sindicatos, a Justiça paranaense admitiu a existência de ilegalidades no processo de privatização e suspendeu os leilões. Segundo pesquisas feitas na época, mais de 90% da população defendia que a Copel continuasse pública. No começo de 2002, Lerner admitiu a derrota.

A Copel e a Sanepar são uma amostra das centenas de empresas do estado eficientes em operação no mundo, refutações concretas da acusação de incompetência e corrupção congênitas e sem solução. A retórica antiestatal é pouco fiel aos fatos, sugerem algumas análises dos maiores especialistas mundiais em organização corporativa.

A consultoria global McKinsey&Company, por exemplo, escreveu em relatório publicado no início da crise de 2008 que “as empresas do setor público podem atingir o desempenho das suas concorrentes do setor privado e mesmo tornar-se players globais”. A PwC foi além e anunciou em relatório divulgado anos depois que as estatais “provavelmente permanecerão um importante instrumento em qualquer governo para a criação de valor para a iniciativa privada e o público, dado o contexto correto para o seu funcionamento”.

Em estudo de 2013 sobre os efeitos das estatais no comércio mundial a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico disse, em relação às alegações de círculos políticos e de negócios sobre supostas vantagens injustas concedidas pelos governos àquelas empresas, que “a informação existente sobre tais vantagens é muitas vezes anedótica ou limitada a casos individuais”.

A distância entre os diagnósticos acima e a avalanche de privatizações do governo Temer é incomensurável. Com cerca de 230 operações do gênero e similares em andamento ou previstas no País segundo os jornais, Brasília vangloria-se da melhora de resultados das estatais após cortes brutais de pessoal e de investimentos em poucos meses, não para mantê-las enxutas sob controle estatal em benefício da sociedade, mas para vendê-las e desnacionalizá-las em prol apenas do lucro de particulares.

“Se concorrência garantisse eficiência, a privatização do sistema de telecomunicações brasileiro nos anos 1990 não teria gerado um dos serviços mais caros e ineficientes do mundo”, disparou um internauta ao comentar um artigo de ataque às empresas do Estado publicado no site Investidor Internacional.

Agente público no papel de corretor de interesses privados, o governo promove ainda a lesão perene e crescente ao Erário quando a venda é também uma desnacionalização. Além de significar perda definitiva de patrimônio do País, cria um fluxo permanente de juros, dividendos e royalties remetidos todos os anos pelas novas proprietárias das antigas estatais às suas matrizes no exterior. A remessa de lucros e dividendos atingiu 19,4 bilhões de dólares em 2016, deve totalizar 23 bilhões em 2017 e pode chegar a 25,5 bilhões neste ano.

A linhagem das empresas do Estado competentes, várias delas egressas de recuperação e reestruturação profundas feitas sem mudança de controle, é significativa e conta com expoentes como a Singapore Airlines, há anos a mais eficiente do mundo no setor segundo levantamentos sistemáticos entre os passageiros frequentes das companhias de aviação. Ao contrário das outras operadoras, nunca sofreu uma perda financeira em 35 anos de existência.

É controlada pela holding Temasek, do Ministério das Finanças de Cingapura, à qual estão vinculadas outras companhias altamente eficientes e rentáveis, inclusive em áreas pertencentes ao setor privado na maioria dos outros países como semicondutores, construção naval, engenharia, transporte e serviços bancários.

A importância das estatais para Cingapura excede em muito o papel desempenhado por esse tipo de empresa em outros países. Ao lado dos fundos soberanos, proporcionaram um “seguro” da economia doméstica contra a crise financeira de 2008 e reestruturaram as intervenções das instituições multilaterais, engendraram a coesão da elite e a estabilidade política do país vinculando os funcionários da classe média ao sistema político. O governo estabeleceu empresas e as transformou em companhias globais e os fundos soberanos contribuem para o gasto social do governo sem aumentar os impostos, registrou a publicação Pacific Review, em 2016.
As estatais estão no cerne do sucesso econômico continuado da China. Em 2011, das dez empresas de capital aberto que mais faturaram, quatro – as chinesas Sinopec, Corporação Nacional de Petróleo da China e State Grid e a japonesa Japan Post – eram controladas pelo Estado, assim como as dez maiores companhias de petróleo e gás do mundo, medidas pelo tamanho das reservas.

Em 2015, das 500 maiores firmas listadas pela revista Fortune, 98 tinham sede na China, que só perdia para os Estados Unidos, com 128 companhias na relação. Só 22 das 98 chinesas eram privadas. De janeiro a novembro de 2017, a receita das firmas controladas pelo governo central da China cresceu 14,3% e o lucro subiu 17,2% em termos anuais no crescimento mais rápido em quase cinco anos, segundo a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais.

Dificilmente a Coreia do Sul teria se libertado da condição de exportadora de peixes, roupas, perucas e compensados nos anos 1960 e se tornado um país avançado sem a siderúrgica Pohang Iron and Steel Company (Posco), financiada e construída pelo Estado em 1968 e mantida com subsídios durante muitos anos. Em 1973, a empresa tornou-se uma das mais eficientes do setor e uma das maiores do mundo.

Cada vez menos convincente, a divisão artificial feita pelo neoliberalismo entre empresas privadas eficientes e públicas ineficientes não consegue explicar, por exemplo, por que a população do Reino Unido clama pela reestatização, segundo o jornal The Guardian. Uma pesquisa divulgada em janeiro mostrou que a maioria absoluta dos britânicos é favorável à estatização da água (83%), da eletricidade e do gás (77%) e das ferrovias (76%). O total descaso do atual proprietário da concessionária de água, a Thames Water, em relação ao interesse público é representativo do fracasso geral da iniciativa privada nesses serviços.

Com endividamento nas alturas construído para distribuir dividendos exorbitantes aos seus proprietários por meio de uma companhia holding sediada no paraíso fiscal de Luxemburgo, um truque para fugir do pagamento de impostos e lesar a população, a Thames reduziu os investimentos a tal ponto que, às taxas atuais, demoraria 357 anos para renovar a rede de água de Londres. Tóquio levaria dez anos para fazer o mesmo serviço.

A reestatização daqueles serviços não seria algo inédito para os ingleses. Depois das numerosas nacionalizações de empresas privadas ineficientes feitas no Pós-Guerra em vários países europeus, foram incorporadas ao Estado pelo mesmo motivo as indústrias-chave Rolls-Royce em 1971, British Steel em 1967, British Leyland em 1977 e British Aerospace neste mesmo ano. Isso no país que sempre se considerou o cérebro liberal do mundo.

Praticamente, todos os países ricos usaram companhias estatais mais tarifas, subsídios e restrições ao investimento externo para promover suas indústrias incipientes e em muitos casos aquelas empresas continuam a desempenhar papéis-chave na economia.

O movimento do Brasil na direção oposta, de dilapidar o Estado e liquidar as empresas públicas, tende a se intensificar caso o vencedor da próxima eleição presidencial provenha do grupo de candidatos da direita, indicam algumas declarações à mídia feitas por economistas que os acompanham.

Paulo Guedes, que estaria disposto a assessorar Bolsonaro, planejava privatizar todas as estatais e usar o dinheiro para quitar a dívida pública quando atuou como conselheiro do candidato a presidente Guilherme Afif Domingos, em 1989. Guedes almeja uma reforma da Previdência dez vezes mais radical do que aquela que está no Congresso.

José Márcio Camargo estaria inclinado a assessorar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer também desestatizar todas as empresas e os bancos públicos. Roberto Giannetti, conselheiro do pré-candidato pelo PSDB Geraldo Alckmin, defende ferrenhamente a privatização e fusão do Banco do Brasil e da Caixa e o desmembramento e a venda da Petrobras.

Imagine, leitor, o Brasil desindustrializado e sem empresas do Estado, reduzido a uma reles plataforma de exportações e negócios controlados por empresas e governos estrangeiros voltados só para os seus interesses e aqui representados por agentes públicos remunerados com o dinheiro dos impostos pagos por você.