Joan Edesson: Balançando o coração, no balanço da sanfona

“Pode ser impressão, mas escuto uma sanfona chorando nesse momento em algum lugar. Talvez seja dentro de mim mesmo. Talvez seja uma sanfona que toca em algum recanto da minha infância, em alguma gaveta da minha memória, lá pras bandas do “Pegavoante”. Deve ser Zé de Manu que parte, puxando o fole uma última vez, “balançando o coração no balanço da sanfona’”.

Por *Joan Edesson de Oliveira

Zé de Manu

Partiu Zé de Manu. A notícia chega num repente, traiçoeira. Eu o sabia doente, é verdade, mas não imaginava que fosse assim tão grave. De repente, vem essa sensação de vazio. É como se a infância ficasse ainda mais distante. Conhecia Zé de Manu desde que me entendo por gente, parece que ainda o vejo ali na subida do “Pegavoante”, no Cedro, a cidade onde nascemos, conterrâneos que somos.

Zé de Manu foi dos maiores sanfoneiros que o Ceará já teve. Nasceu num lugar que deu inúmeros e habilidosos tocadores do instrumento: Celso e os filhos Acrísio e Agildo, Chico de Tereza, Das Chagas, Abianto (César do Acordeom), Jaca (tio de Zé) e tantos outros. Zé foi o maior de todos eles, sem dúvida alguma.

Ouvi a sua sanfona desde menino, foi a sua sanfona que tocou em muitas das festas dos jovens da minha geração. Creio que todos nós, que o conhecemos há tanto, cantarolamos de cor os famosos versos que davam título ao seu LP: “De Cedro a Várzea Alegre, de Icó a Iguatu, forró é mais forró, sendo com Zé de Manu…”.

Zé tinha paixão pela sanfona. Não se limitava a tocar apenas nas festas, quando era pago para isso. Bastava o convite de um amigo, uma mesa num bar qualquer do Cedro, e ele não se fazia de rogado, puxava o fole, um autêntico fole sertanejo, as notas avoando feito passarinhos pelos céus do sertão. Dava gosto ouvi-lo na sanfona, com Jonildes, seu filho, tocando um zabumba psicodélico e Cineide, sua sobrinha, arrasando no triângulo.

Os versos de Geraldo Amâncio, outro conterrâneo, na parceria com Zé em “De Cedro a Várzea Alegre”, traduzem bem quem era o sanfoneiro: “quando ele arrasta do teclado para os baixos, no sertão de véio macho, chinela chia, nego bebe, nego dança, junta toda a vizinhança…”.

Acho que deixamos o Cedro quase na mesma época, ele para morar em Fortaleza e eu perambulando sertão adentro. Para minha alegria, voltei a encontrá-lo com frequência nas festas do PCdoB em Fortaleza. Zé de Manu virou uma espécie de sanfoneiro oficial das nossas campanhas, das festas de aniversário do Partido, quase sempre em companhia do médico e músico Zé Carlos Albuquerque, outro quase cedrense. Os dois, amigos dos comunistas, animaram muitas das nossas festas.

Agora, num sábado que entristece, alcança-me a notícia da sua morte. Silencia a sua sanfona Gallant, presente de seu Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Não terá mais o carinho do sanfoneiro, os dedos ágeis a correr nas teclas e nos botões dos baixos. Partiu Zé de Manu, Zé de Manu da Varzinha, do Cedro. Zé de Manu, sanfoneiro do mundo.

Pode ser impressão, mas escuto uma sanfona chorando nesse momento em algum lugar. Talvez seja dentro de mim mesmo. Talvez seja uma sanfona que toca em algum recanto da minha infância, em alguma gaveta da minha memória, lá pras bandas do “Pegavoante”. Deve ser Zé de Manu que parte, puxando o fole uma última vez, “balançando o coração no balanço da sanfona”.

*Joan Edesson de Oliveira é educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.