Para Dallari, Cármen Lúcia erra ao não discutir prisão na 2ª instância

O entrave sobre o debate em plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão após a condenação em segunda instância está movimentando os bastidores da Corte. Especulações dão conta de que o ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que aguardam julgamento, deve levar a discussão em mesa para o plenário, o que significa que não haveria necessidade de incluir o tema na pauta preparada pela presidente do STF, Cármen Lúcia.

Por Dayane Santos

Dalmo Dallari

A ministra tem dado declarações de que, apesar das ações, não iria colocar o tema em debate por considerar que tal medida seria uma forma de atender pressões externas. apesar de não citar nominalmente, a minsitra refere-se aos pedidos de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta barrar a prisão em segunda instância proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A justificativa da ministra também pode ser considerada inversa, já que não colocar a pauta também representa atender pressões. A pergunta é: qual é o dever do Supremo?

Para o professor de Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, Dalmo Dallari, a ministra Cármen comete um erro ao não deliberar sobre o tema.

“Fiquei surpreendido com a atitude da ministra Cármen Lúcia, que é uma figura que respeito muito. Acredito que neste caso algum fator esteja pesando para ela não colocar o tema em debate no plenário”, avalia o professor em entrevista ao Portal Vermelho. Dallaria é autor de diversas obras de direito e considerado um dos mais importantes juristas brasileiros.

“Acho que a solução normal é exatamente levar ao plenário”, reforçou. Ao comentar a sua posição sobre a prisão em segunda instância, Dallari cita outro professor constitucionalista, José Afonso da Silva.

“José Afonso diz expressamente que quando cabe recurso, inclusive recurso extraordinário, a decisão não transitou em julgado. Portanto, não é hora de executar se a decisão ainda pode ser modificada, ou seja, não é definitiva”, endossou ele, citando o parágrafo 5º da Constituição Federal, inciso LVII, que estabelece o princípio da presunção da inocência: “Ninguém será julgado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se do princípio da presunção da inocência.

De acordo com o regimento interno do Supremo, qualquer ministro pode levar ao plenário, durante sessão de votações, um tema que não está na pauta chamado de “julgamento em mesa”. Apenas os ministros-relatores podem fazer isso e o assunto só será apreciado se os demais integrantes da corte aceitarem a inclusão do novo item na agenda do dia.

Com a apresentação de embargos de declaração contra a decisão liminar nas ADCs contra a liminar que permitiu a prisão em segunda instância, em 2016, impetrados pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público (IADB), que figura como amicus curiae (parte interessada) nas duas ações, o ministro poderá utilizar o recurso do “julgamento em mesa”

O tema tem sido alvo de um debate acalorado. No momento em que a proliferação do discurso da “impunidade” como causa de todos os males, muitos se posicionam sobre o tema apenas do ponto de vista da opinião, como se a questão fosse apenas ser favorável ou não, sem considerar o que diz a legislação brasileira. é com base nesse posicionamento que a Ordem dos Advogados do Brasil, uma das autoras da ação, pede que o Supremo discuta o tema.

A nova interpretação do artigo 5º da Constituição foi dada em 2016. Antes, os julgados entendiam que prevalecia o princípio da presunção da inocência nas condenações em segunda instância, visto que o processo não havia transitado em julgado. Após 2016, com o acirramento da crise e a campanha de criminalização da política, o tema que antes era pacificado, se transformou em uma verdadeira confusão, gerando a insegurança jurídica sobre o assunto.

Até mesmo o ministro da Justiça, Torquato Jardim, que é a favor da prisão em segunda instância, diz que há "perplexidade intelectual" dos brasileiros diante do comportamento da Corte sobre o tema.

"Para o advogado e para a sociedade civil, a dúvida que fica é essa: dois ou três ministros já concederam mais de 70 liminares em habeas corpus contra a decisão de 6 a 5 [do STF]. Então há, sim, eu diria uma perplexidade intelectual, uma dúvida política natural da sociedade brasileira, para saber se esse 6 a 5 continua ou se vira 8 a 3, 7 a 4 ou 6 a 5 no sentido inverso”, disse Torquato, se referindo à votação dos ministros do STF sobre o tema. "As 70 liminares geram dúvida", completou.