Raimundo Pereira: Fake News, qual a verdade?

O que é a onda de notícias falsas? Como combater seus danos ao processo democrático? No Brasil, o que fez, a respeito, a imprensa nacional, democrática e popular?

Por Raimundo Rodrigues Pereira*

The Economist

Primeiro, as respostas dadas às duas primeiras perguntas num artigo subscrito por dezesseis pesquisadores na Science, a revista da Sociedade Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) do último dia 9 de março. Resumidamente, o artigo diz que normas de objetividade e equilíbrio surgiram no jornalismo americano no começo do século 20 como reação ao amplo uso da imprensa como arma de propaganda na Primeira Guerra Mundial e também ao “jornalismo marrom” que procurava se aproveitar do baixo nível de informação e consciência política dos trabalhadores amontados nas cidades para o trabalho industrial. Um dos mais famosos empresários desse tipo de imprensa, William Randolph Hearst, dizia que “nunca se perde dinheiro quando se subestima a inteligência do povo” (Hearst foi depois imortalizado como o Cidadão Kane, no filme de mesmo nome tendo como ator principal e diretor, Orson Welles).

O artigo afirma que as modernas empresas americanas de comunicação, criadas com base nas tecnologias de impressão e broadcasting dominantes no século 20, mantiveram essas normas elevadas de equilíbrio e objetividade. Mas que a internet, no entanto, abalou os alicerces desse arranjo.

Por que? O artigo explica: custa pouco criar um site na web que tenha a aparência de uma organização de imprensa tradicional; não é difícil financiar esses sites com anúncios online obtidos graças ao número de acessos a seus conteúdos pelos integrantes das redes sociais; e muitos desses novos entrantes no mercado de notícias não mantiveram os padrões elevados de jornalismo criados nos EUA no século passado.

O artigo diz mais: a internet, não apenas forneceu o meio para se publicar fake news, mas, ainda, ofereceu ferramentas para promover ativamente a disseminação das notícias falsas. O artigo cita o papel dos social robots nessa engrenagem. Os robôs sociais, ou, bots, para simplificar, são contas automatizadas que se confundem na rede com contas de seres humanos. Eles podem ampliar o alcance de uma notícia falsa por várias ordens de grandeza. Uma estimativa recente, a partir de análise das plataformas de internet, avalia que entre 9% e 15% das contas no Twitter são bots. O Facebook estima que em seus 2 bilhões de contas, 60 milhões, ou seja, 3%, são alimentadas com informações por robôs.

Os pesquisadores destacam as dificuldades para habilitar o indivíduo isolado a avaliar o que é uma fake new quando a encontra; e também para definir ações estruturais dos governos e das próprias empresas com objetivo de prevenir a exposição dos indivíduos a essas notícias, para não criar, por exemplo, um big brother de censura prévia. E praticamente concluem apenas com a sugestão de mais trabalho de pesquisa sobre o assunto.

Qual é a crítica brasileira sobre a onda de fake news pela chamada grande imprensa? Um exemplo: Veja, a mais famosa das nossas revistas semanais, na sua edição datada deste 14 de março, publicou um “Manifesto contra Fake News”. Ele tem uma capa, com o desenho da cara do Zuckerberg, o controlador do Facebook, e um letreiro com uma frase que seria dele em destaque:“OS BRASILEIROS ESTRAGAM A INTERNET”. E mais seis páginas:

*duas, de um editorial no qual se diz que “mais de 67% das pessoas recorrem a fontes de informação tradicionais como Veja, para confirmar se uma notícia é falsa ou verdadeira”;

*uma, de montagem de entrevista de Trump na qual o presidente americano diz bobagens como “a terra é plana” e que quis eleger-se pelo Partido Republicano porque “seus membros são os mais burros dos eleitores do país”;

*mais duas páginas com uma dúzia de notícias, também evidentemente falsas, como a de que “Temer vetou o Carnaval pelos próximos vinte anos”, e a frase de Lula, “ex-presidente em campanha pela reeleição” que teria dito: “Eu fui melhor que Getúlio e, se eleito, serei melhor que Deus”.

*e um anúncio da CocaCola Brasil, no qual se diz: “Não beba de qualquer fonte. Verifique antes de compartilhar. A melhor forma de combater boatos e fake news é com a verdade. E a nossa, é fácil de achar: cocacolabrasil.com.br”

Como se vê, o “Manifesto” contra notícias falsas de Veja pode ser qualificado como uma piada de mau gosto patrocinada pela Coca Cola.

Por último, o que se pode afirmar sobre as fake news, analisando a experiência de um conjunto da chamada imprensa alternativa brasileira dos últimos 45 anos que parece mostrar uma certa continuidade e coerência nos seus pontos de vista? Esse conjunto inclui os semanários Opinião, Movimento, o diário Retrato do Brasil, o site diário da editora Manifesto, tanto o antigo (de 1998), como o atual, e as revistas mensais Reportagem e Retrato do Brasil publicados nesse período.
Essa imprensa faz uma crítica bem mais ampla e sobre notícias falsas muito mais importantes.

Vejamos quatro delas:

*O milagre econômico era fake new: em dezembro de 1972, o semanário Opinião publicou a capa “Dívida Externa do Brasil, 10 bilhões de dólares” na qual afirmava que o famoso milagre econômico dos anos 1968-1973 era falso; estava sendo construído com base num enorme incentivo à entrada de capital estrangeiro no País e o preço do desenvolvimento com essa base logo seria cobrado.

*As armas de destruição de massa de Saddam Hussein divulgadas pelos governos de George Bush, nos EUA, e Tony Blair, na Inglaterra, eram fake news. A revista Reportagem fez duas grandes matérias em 2003, uma em março, poucos dias antes da invasão do Iraque e outra, dois meses depois, em abril. Os artigos, do jornalista Duarte Pereira, mostravam que eram falsos os argumentos do presidente americano George Bush para preparar e depois consumar a invasão e conquista do Iraque usando a informação de que Saddam Hussein teria construído um arsenal de armas de destruição em massa. Muito tempo depois, o próprio Bush reconheceu parcialmente a falsidade.

*o desvio de 70 milhões de reais do Banco do Brasil que deu margem às condenações do mensalão era fake new. A revista Retrato do Brasil fez uma série de nove grandes reportagens durante o julgamento desse “escândalo” mostrando que não existiu o desvio de 70 milhões de reais do Banco do Brasil por parte do PT, que era a base da acusação. A investigação desse desvio sequer foi efetivada. RB chegou a afirmar que a existência de tal desvio, anunciada no STF com escândalo pelo ministro Gilmar Mendes, era uma “mentira desvalada”, acusação que esse juiz jamais contestou.

*Por último, as conclusões da grande mídia derivadas das confissões de Paulo Roberto Costa (PRC) forçadas pelo juiz Sérgio Moro, de que o PT montou um esquema de desvio de dinheiro da Petrobrás – são falsas. Esse interrogatório foi apresentado como um grande espetáculo entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2014. PRC era um dos diretores da Petrobrás, já preso. Tinha confessado que embolsara vários milhões de reais das empreiteiras. Moro lhe pergunta, então, se o mesmo acontecia nas outras diretorias da estatal. Ele diz que sim: todas as diretorias da Petrobras cobravam 3% de propina. Na sua diretoria, o PT ainda ficava com 1% desses 3%. Com base nessa informação, Veja montou um propinoduto, um esquema gráfico que ajudou a consagrar a tese de que o PT montara “o grande roubo da Petrobras”. Para cada diretor da Petrobras saía 3% de propina. Veja ignorou o fato de que não houve qualquer processo contra a grande maioria dos diretores da Petrobras ligados ao PT: José Sérgio Gabrielli, Ildo Sauer, Guilherme Estrela, Graça Foster. Não destacou que Pedro Barusco, um dos grandes ladrões flagrados no decorrer da história e que devolveu à empresa 100 milhões de dólares das propinas recebidas, roubava na Petrobras desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso.

Conclusão, há fake news e fake news:

*existe o mundinho dos boatos, notícias pela metade e difamação, muito espalhado hoje graças ao turbinamento pelos robôs pagos pelos interessados e por redes sociais;

*e existem as grandes notícias falsas, da imprensa do grande capital, turbinada por dirigentes dos aparatos de estados nacionais antidemocráticos ou mesmo imperialistas.

*Raimundo Rodrigues Pereira, Jornalista, foi editor dos semanários Opinião, Movimento e das revistas Realidade, Reportagem e Retrato do Brasil. Trabalhou na Veja, IstoÉ e CartaCapital. Atualmente é diretor da Editora Manifesto que está em campanha: “Por um novo semanário, em defesa da independência nacional, da democracia e da elevação do padrão de vida material e cultural dos trabalhadores”.