“Grande legado de Meirelles são 13 milhões de desempregados”

 Com o desejo de concorrer ao Planalto, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles anunciou que deixará a pasta “até sexta-feira”(6), véspera do prazo final para que pretensos candidatos se afastem de cargos públicos. Depois de quase dois anos, ele sairá do governo sem cumprir as promessas de equilíbrio fiscal e retomada de investimentos. Para o economista Guilherme Mello, a marca da gestão Meirelles é o desemprego, a precarização do mercado de trabalho e a redução do Estado.

Por Joana Rozowykwiat

meirelles em ato de filiação ao MDB

Nesta terça (3), Meirelles filiou-se ao MDB e comunicou que se afastará do governo, mesmo sem ter ainda a garantia de que será o candidato à Presidência do partido. Com apenas 1% das intenções de voto nas pesquisas, ele é o Plano B da legenda, que pode escolher o próprio Michel Temer para a disputa.

Assim que tomou posse, em maio de 2016, o ministro estabeleceu como prioridade reverter o crescimento do déficit nas contas públicas. Anunciou também que trabalharia para restaurar a confiança no país, como forma de resgatar investimentos e fazer a economia voltar a crescer. Na sua primeira entrevista, disse que, para atingir esses objetivos, adotaria “medidas duras”.

As medidas duras vieram, de fato. Mas não foram acompanhadas dos resultados esperados. Quando Dilma Rousseff deixou a Presidência, por exemplo, estimava um déficit fiscal de R$ 96 bilhões para 2016. A situação, ao invés de melhorar, piorou muito, e hoje a meta fiscal para 2018 é de déficit de R$ 159 bilhões. Em 2015, a dívida pública era de R$ 2,79 trilhões; em 2017, subiu para R$ 3,55 trilhões.

Os tais investimentos também não chegaram. A volta do crescimento, tão alardeada, ainda é uma incógnita. Depois do aprofundamento da recessão, que fez o PIB do país encolher mais de 7% em dois anos, a economia avançou um tímido 1% em 2017, amparada em questões pontuais, como a supersafra agrícola e a liberação das contas inativas do FGTS. Se a taxa de desemprego era de 8,5% no momento do impeachment, hoje chega a 12,6%.

Bagunça nas contas públicas

De acordo com o professor de economia da Unicamp, Guilherme Mello, o discurso de Meirelles em defesa da austeridade fiscal não se verificou na prática.

“Você teve o que muitos chamam de keynesianismo fisiológico. Eles ampliaram as metas de déficit primário, liberaram o governo para gastar muito mais, inclusive com emendas parlamentares, prometendo aumento para o funcionalismo, para conquistar apoio político. Se você olhar com atenção os dados fiscais, vai ver que uma parte importante dos cortes de gastos foi feita em 2015, começo de 2016”, afirma.

Mello destaca que, “curiosamente”, o governo decidiu “liberar” gastos de “baixa qualidade”, como aqueles com custeio da máquina, enquanto os valores direcionados para investimento público seguiram caindo.

“Meirelles prometeu colocar a casa em ordem do ponto de vista fiscal, mas hoje a casa está muito mais bagunçada do que quando ele entrou. Piorou muito a situação fiscal. É evidente que já havia um processo de deterioração, mas isso se aprofundou na gestão dele”, aponta.

Ajuste do longo prazo “para inglês ver”

Apesar de a equipe chefiada pelo ministro ter, na condução da política macroeconômica, permitido mais gastos no curto prazo, “segurou” as despesas no longo prazo, com a aprovação da Emenda Constitucional do teto de gastos. Na avaliação de Mello, a nova regra fiscal – “que condena o Estado a reduzir o seu tamanho” ao longo dos próximos 20 anos – é “tão atabalhoada, que terá que ser revista necessariamente em 2019”.

Segundo ele, o próximo governo já assumirá, no próximo ano, em uma situação em que terá que estourar o teto imposto pela lei. “Ou seja, aquele legado mais institucional de longo prazo foi pouco pensado e a prova disso é que não vai durar nem dois, três anos, porque é impraticável. Foi o famoso ‘para inglês ver’, para agradar investidor internacional", critica.

Outra iniciativa defendida por Meirelles que, de tão impopular, não foi para frente é a Reforma da Previdência.

“Fada da confiança” não ajudou

Guilherme Mello ressaltou ainda que o compromisso de resgatar os investimentos privados, a partir da volta da confiança do empresariado, tampouco aconteceu.

“Os investimentos públicos e privados caíram em 2016 e 2017. E o crescimento só foi retomado em 2017, mas num ritmo bastante pequeno e se valendo de fatos que pouco têm a ver com o governo ou que vão no sentido contrário ao que o ideário liberal do Meirelles pregaria”, afirma, numa referência à injeção de dinheiro do FGTS na economia, promovida pelo governo.

Estado na berlinda

No balanço da gestão Meirelles, o economista da Unicamp citou também um “rápido desmantelamento do Estado”. Isso porque, além da redução de gastos, a equipe do ministro promoveu também uma redução das funções do Estado.

“É o BNDES sendo enxugado, devolvendo dinheiro para o Tesouro; a Caixa e o Banco do Brasil se comportando como bancos privados, reduzindo oferta de créditos e ofertando crédito mais caro. Então você vai desmontando os mecanismos pelos quais o Estado poderia incentivar o crescimento econômico. É próprio do ideário liberal, achando que o Estado na verdade atrapalha”, indica.

Segundo ele, a gestão avançou muito nesse desmonte do Estado, que passa por privatizações, venda de ativos e sucateamento de empresas, sem que os retornos esperados se concretizassem. “Não teve redução do custo do crédito, não teve aumento dos investimentos, nada disso. Ao contrário”.

Inflação baixa, economia semi-morta

Apontada como principal conquista da gestão, a queda da inflação de fato aconteceu – mantendo a tendência iniciada ainda na gestão Dilma. Guilherme Mello, contudo, ponderou o papel que o governo de fato teve nesse tema.

“Parte da queda da inflação diz respeito à queda no preço dos alimentos, que está ligada à supersafra agrícola, que pouco tem a ver com o governo. Outro fator que deu trégua foi o câmbio, que já tinha se desvalorizado um monte em 2015 e passa a se valorizar em 2016, o que é normal e ajuda no combate à inflação. E houve a queda da demanda, que é como a paz dos cemitérios. Não houve inflação, mas a economia está semi-morta”, avalia.

Desemprego e crise social como legados

De acordo com ele, o país saiu da recessão, mas com crescimento muito baixo, muito pouco dinamismo, sem demanda. “Isso se reflete na maior marca da gestão Meirelles, que é o desemprego e a precarização. O grande legado que o Meirelles deixa são 13 milhões de desempregados, uma crise social aberta, com violência, retorno à miséria. E uma precarização muito grande”.

O professor destaca que a piora nas condições de trabalho da população se dá, em especial, por causa da recessão, mas também em decorrência da Reforma Trabalhista, que deve ser computada na conta de Meirelles.

“Com o impacto da reforma, a precarização tende a se agravar: empregos informais ou que ganham salários muito baixos, sem direito nenhum. E acho que essa reforma pode acabar sendo revista também, porque ela é uma porrada muito grande no direito dos trabalhadores, mas também na própria Previdência Social”, opina.

Previsão furada

O governo, que celebrou com pompas o crescimento de 1% em 2017, agora projeta um avanço de 3% no PIB em 2018. A previsão otimista não convenceu nem o “mercado”, tão afinado com sua “equipe dos sonhos” e que estima uma recuperação mais tímida.

“O mercado parece que está já revisando isso para 2,5% e sujeito a chuvas e trovoadas. É um ano eleitoral e há questões internacionais, como a guerra comercial iniciada por Trump e as turbulências nas bolsas de valores. E digo mais: a qualidade desse crescimento é muito baixa, com pouco crescimento do emprego, situação social muito grave e precarização intensa”, defende Mello.

Para o economista, depois de dois anos, Temer e Meirelles entregam o país “em um coma induzido” e sem muitas perspectivas de sair desse cenário. “Essa ideia de que ‘agora vai’ e estamos em uma trajetória sólida de recuperação não me parece clara sob nenhuma ótica que você procure enxergar”, encerrou.