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Martin Luther King, racismo e luta de classes

A morte de Martin Luther King deveria ter sido destaque no Prosa Poesia & Arte na última sexta-feira (6), mas os acontecimentos que envolveram a prisão arbitrária de Lula forçaram seu adiamento. Por isso, hoje (13), o caderno de cultura do Vermelho lembra a morte deste gigante da luta antirracista e operária. Sua história é exemplo de apropriação, pela mídia e ideólogos do establishment, de um herói da luta do povo, convenientemente domesticado pelos serviçais do sistema.

Por José Carlos Ruy

Martin Luther King - ilustração Tainan Rocha - Tainan Rocha

A história de Martin Luther King Jr e da luta antirracista que liderou precisa ser conhecida de maneira correta, sem os objetivos ideológicos da narrativa conservadora dominante.
Ele foi assassinado em 4 de abril de 1968 (há 50 anos), quando estava em Memphis (Tennesse), apoiando a greve dos trabalhadores em saneamento, que em sua maioria eram negros.

A luta antirracista ocorria nos EUA, desde pelo menos a década de 1940 e a Segunda Grande Guerra, junto com a luta operária.

A histórica Marcha a Washington, em 1963, liderada por Martin Luther King, teve a participação de mais de 200 mil pessoas na capital dos EUA, e se multiplicou por outras cidades do país.

Em Washington, Martin Luther King proferiu o famoso discurso Eu tenho um sonho, por liberdade, igualdade e pelo fim do racismo.

A narrativa conservadora dominante sonega a informação de que os sindicatos de trabalhadores participaram intensamente na organização e financiamento daquele evento. Uma dessas organizações operárias foi o sindicato dos trabalhadores na indústria automobilística – o UAW (United Automobile Workers). Os sindicalistas estavam ao lado de Martin Luther King na Marcha.

Lá estavam o secretário geral, socialista e branco, Walter Reuther (do UAW). E Asa Philip Randolph, o sindicalista negro mais conhecido nos EUA, do sindicato dos ferroviários. Calcula-se que um terço dos participantes da Marcha de Washington (e das outras que ocorreram nas cidades dos EUA) fossem brancos, entre eles muitos sindicalistas e membros de partidos de esquerda, como o Partido Comunista dos EUA. A palavra de ordem principal da Marcha era “liberdade, justiça e trabalho” – uma veemente demonstração do caráter classista e antirracista daquela Macha.

Na década de 60, a denúncia do racismo era parte importante da luta de classes nos EUA. Essa luta cresceu desde a Segunda Grande Guerra, adquirindo os novos contornos do anti-racismo e do anti-machismo, que cresciam desde então. E ganhava intensidade crescente. Em 1943 houve nos EUA cerca de 242 motins raciais, em 47 cidades, entre elas Detroit, “onde 34 pessoas (25 negros e nove brancos) morreram e 700 ficaram feridas”, diz o historiador Sean Purdy.

O auge da luta operária e popular ocorreu na década de 1960: em 1963 ocorreram mais de 1.400 manifestações. Em uma única semana houve protestos em 186 cidades, diz Purdy. Entre 1963 e 1968 houve 341 motins raciais, em 265 cidades.

A luta contra o racismo passou para o primeiro plano, nos EUA nas jornadas organizadas por trabalhadores negros e brancos, “num espírito de solidariedade de classe jamais visto desde os anos 30”, diz a escritora Barbara Eherenreich.

A classe operária voltava com força ao cenário político e social, e agora era multicolorida, unindo lado a lado negros e brancos – 1967 ocorrerem 4.595 greves; 1968, 5.045; 1969, 5.700; 1970, 5.600 (envolvendo 3,3 milhões de trabalhadores); 1971, 4.900 (com 3,2 milhões de trabalhadores) (Purdy; 2008).

Algumas greves ficaram famosas, como a da General Electric, que durou de outubro de 1969 a fevereiro de 1970, envolvendo 150 mil trabalhadores. Nesse ano houve protestos de trabalhadores negros em mais de 120 cidades. Em setembro, a greve na General Motors parou 350 mil trabalhadores. Em 1972, outra greve na General Motors em Norwood, Ohio, durou 174 dias; em Gordstown, durou três semanas (Purdy: 2008; SWP: 2008).

A luta antirracista teve inequívoco caráter classista, que o próprio Martin Luther King reconheceu num discurso que pronunciou em defesa dos grevistas de Memphis, duas semanas antes de seu assassinato: “a luta central nos EUA é a luta de classes.”

Era uma luta democrática, pela igualdade, contra o racismo, a guerra do Vietnã, o imperialismo e a exploração capitalista. Era uma luta pela justiça social que exigia a igualdade entre todos os homens e mulheres.

Referências

Eherenreich, Barbara. O medo da queda – ascensão e crise da classe média. São Paulo, Scritta, 1994
Le Blanc, Paul. “Revolutionary Road, Partial Victory: The March on Washington for Jobs and Freedom”. Monthly Review. Sept 2013.
Navarro, Vicenç. “O que não se disse sobre Martin Luther King”. Diário Público, 3 de setembro de 2013. In https://www.esquerda.net/artigo/o-que-n%C3%A3o-se-disse-sobre-martin-luther-king/29253. Consultado em 30/03/2018
Purdy, Sean. “O século americano”. In Leandro Karnal e outros. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, Contexto, 2008
SWP – Socialist Workers Party. The 1930s revivel of US working class struggle. In Socialist Worker On line, órgão do Socialist Workers Party, 16 de agosto de 2008. In http://www.socialistworker.co.uk/art.php?id=15727. Consultado em 20/11/2008.