Educação brasileira no século 21: do destaque ao colapso?

Políticas educacionais e mais investimentos levaram à queda no analfabetismo, universalização da frequência à escola fundamental, redução do trabalho infantil e aumento de matrículas na universidade. A austeridade da era Temer põe tudo isso em risco.

Por Patricia Andrade de Oliveira e Silva*, no Brasil Debate

Educação - Divulgação

 A política educacional brasileira no século 21 foi conduzida por 4 governos distintos: no início do século com o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), da ex-presidenta Dilma Rousseff e, por fim, após o impeachment da presidenta, a chegada de Michel Temer ao Planalto. Os planos de governo demonstram significativa diferença de atuação em termos de políticas públicas que culminaram em diferentes abordagens para a política de educação. (BRASIL,1998; 2003; 2008; 2011).

Com FHC, acreditava-se que seriam a estabilização econômica, abertura comercial e as privatizações os geradores de efeitos positivos nos rendimentos dos trabalhadores, proporcionando distribuição de renda e elevação dos níveis de consumo, equilibrando e autorregulando todos os mercados. Nesse período, houve uma elevação de estabelecimentos privados no país, com expansão de 110,8% no número de Instituições de Ensino Superior (IES) privadas em 8 anos (Chacon e Calderón, 2015).

Essa expansão foi duramente criticada pela oposição ao governo FHC, que o acusava de promover a mercantilização da educação sem garantia de melhor qualidade. A eleição de Lula, especialmente pela ótica das políticas públicas, provocou mudanças que (apesar de não radicais) promoveram expansão considerável dos programas voltados para essa área, em especial para o ensino superior.

Nesse sentido, no primeiro governo o objetivo fundamental era crescer “de baixo para cima e de dentro para fora”, reduzindo as disparidades sociais e regionais, gerando um novo perfil de gestão administrativa por meio de maior intervenção governamental, objetivos que permaneceram intactos em seu segundo governo, inclusive com a incorporação de políticas cada vez mais especializadas.

O governo Dilma buscou seguir o plano de governo anterior, uma vez que se entendia que a crise internacional já havia sido enfrentada sem descontrole inflacionário, com geração de empregos e equilíbrio fiscal. Assim, a ampliação dos investimentos e a expansão das políticas sociais seriam estratégias fundamentais para a manutenção do crescimento e a política macroeconômica se manteria compatível com a manutenção do equilíbrio fiscal. A nítida mudança de postura entre os governos FHC e petistas fez com que, no campo educacional, a elevação de investimentos fosse contínua.

O gráfico 1 demonstra os gastos públicos nessa área e, em proporção do PIB, os investimentos em educação e cultura se elevaram 1% entre 2002 e 2015. Ao observar os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE),“a média de gastos nos últimos anos do ensino fundamental e no médio é de US$ 10,5 mil por aluno, o que representa 176% a mais do que o Brasil” (…) enquanto que ao observar os gastos no ensino superior no Brasil a quantia é de US$ 11,7 mil (R$ 36 mil), mais do que o triplo das despesas no ensino fundamental e médio, o que aproxima o país da média de gastos de países europeus”.

Apesar de permanecer longe do desejado, o crescimento dos investimentos educacionais obteve diversos e importantes efeitos positivos. Dentre eles, houve uma queda na taxa de analfabetismo das pessoas maiores de 10 anos de idade de 9,2% para 7,9% entre 2008 e 2013, a frequência à escola fundamental se tornou praticamente universal e o trabalho infantil decresceu de 20% em 1978 para 6% em 2008. (SILVA, 2017).

No ensino superior e profissionalizante, destacam-se o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e o Emprego (Pronatec)[5]. Os números mostram que houve uma elevação percentual de jovens de 20 ou mais anos de idade com curso superior de 8% para 15% entre 1998 e 2008, sendo que apenas entre 2012 e 2013, as matrículas aumentaram quase 4% nessa faixa etária. (SILVA, 2017).

Todavia, apesar de não apresentar mudança radical na estrutura de governança e muito menos na relação entre educação e capital privado, a elevação dos gastos obteve efeitos positivos para a população brasileira. Diante do cenário alcançado até o governo Dilma havia muitas medidas a serem ajustadas para que a educação alcançasse o mesmo patamar dos países considerados desenvolvidos, especialmente o acesso à educação de qualidade e no atendimento às regiões com acesso remoto.

Entretanto, a crise instaurada após o impeachment, colocou em xeque as conquistas realizadas até aquele momento. Isso porque o atual plano de governo apresenta uma guinada expressiva para a busca da austeridade fiscal e a contenção dos gastos. A aprovação da PEC 55 foi a concretude desse plano de governo, pois, a partir dela, os gastos em saúde e educação estarão limitados à variação da inflação pelos próximos 20 anos.

Os resultados já começam a aparecer na reversão dos gastos em educação entre 2016 e 2017 que, segundo reportagem, “os repasses da União para municípios na área de saúde e educação caíram (em valores corrigidos pela inflação) de R$ 68,8 bilhões em 2016 para R$ 65,5 bilhões em 2017, ou seja, uma queda de 4,8%”. Para uma economia que expandia seus gastos de forma contínua até 2014, uma queda brusca de um ano para o outro não virá sem consequências para os seus cidadãos.

Infelizmente é nítida a inversão de prioridades do atual governo, fazendo com que a educação mais uma vez seja colocada à margem, com o agravante de um colapso brusco nos gastos públicos que terá consequências de forte impacto, provavelmente negativo.