Guadalupe Carniel: O verdadeiro 4 a 0 

Pode parecer até bobo falar isso, mas não tem nada mais libertador do que uma Libertadores. E não tem nada a ver só com os que proclamaram a independência daqui. Tem algo a ver com romper com a mesmice, tem a ver com ter consciência de que vencer vai além das quatro linhas.

Por Guadalupe Carniel*

Vasco Racing

Na última semana o Racing venceu o Vasco por quatro a zero, todos vimos. Nesta semana tem o jogo de volta. Mas, não é só aí que o time carioca tá perdendo pro argentino: no último dia 17, o presidente do Vasco da Gama, Alexandre Campello fez uma visita à CBF e homenageou com o título de benfeitor o presidente interino Coronel Antônio Nunes (que diz que é vascaíno), que está substituindo Marco Polo Del Nero (investigado no caso Fifagate por corrupção) até que Rogério Caboclo assuma em 2019. Este título normalmente é concedido a ex-jogadores do clube, torcedores famosos e personalidades.

O Coronel Nunes detém o poder na Federação de Futebol do Pará (ah, também se declara torcedor do Paysandu) há duas décadas, como já dito ocupa o cargo máximo da CBF.

Dono de frases polêmicas, o atual presidente parou de se expor, após dizer que a imprensa do Sudeste o discrimina. Não é para menos. Nunes já disse que comanda a Federação como se fosse uma unidade militar; em 2009, em visita a África do Sul, que sediou a Copa em 2010, falou que o país era muito violento e que jamais levaria seus parentes para lá; como se não bastasse, na CPI do Futebol, que investiga os casos de corrupção que envolve José Maria Marín, de quem sempre foi aliado, disse: “Não acredito em corrupção no futebol. Nunca vi isso”.

Também já foi eleito vice-presidente da Região Sudeste, numa situação considerada polêmica já que ele deveria integrar a Região Norte, por ser presidente de uma federação de lá e devido à sua amizade com Marco Polo Del Nero, outro investigado do caso Fifagate.

O título de Coronel, como prefere ser chamado, foi conquistado durante o regime militar. Primeiro Nunes ingressou na FAB e foi cabo entre 1957 e 1966. Depois entra para a PM do Pará, conseguindo em menos de um ano se tornar de aspirante a oficial e durante a ditadura conquistando quatro promoções por merecimento. Se tornou braço de apoio na repressão brutal contra movimentos populares no estado, principalmente em Santarém, ponto estratégico para o general Médici, e à guerrilha do Araguaia. Em entrevista em 2015, o Coronel admitiu que recebe como anistiado político da FAB cerca de 15 mil reais mensais, além de ter recebido uma indenização retroativa em mais de 230 mil reais.

Alexandre Campello, aliás, foi eleito presidente do Vasco após uma eleição polêmica em que a Justiça teve que intervir, após escândalos de fraude em uma das urnas, dando a vitória à chapa na qual ele era vice. Só que ele rompeu com a chapa e se candidatou no segundo turno se tornando aliado de Eurico Miranda.

Sobre a homenagem, a diretoria do Vasco não se pronunciou.

Enquanto isso, na Argentina… Em 24 de março foi aniversário de 42 anos da ditadura argentina, em que se celebra o Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça. E por lá, se faz jus à memória (não só em Avellaneda do lado albiceleste, mas em todo o país). No caso do Racing, por exemplo, este foi o comunicado:

Há 42 anos o Golpe de Estado deu início a última ditadura que o país sofreu. Racing comprometido com o futuro, soma-se a reflexão coletiva com o objetivo de que nunca mais volte a acontecer um genocídio nestas terras.

Racing não se esquece. Porque #NuncaMas é um compromisso por e para toda a vida. E então, como integrante das instituições esportivas que foram parte da sociedade argentina, a Academia se soma a comemoração do Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça.

Faz 42 anos, em 24 de março de 1976, começou-se a dirigir os destinos do país através da ditadura cívico-militar comandada por Jorge Rafael Videla. Marcado por um plano genocida, sequestrou, torturou, assassinou e despareceu com milhares de cidadãos e cidadãs.

Em 2 de agosto de 2002, através da lei 25.633, o Congresso Nacional sancionou a data com o objetivo de recordar todas as vítimas de terrorismo do Estado. Através da sua Comissão Dirigente, o clube aderiu ao pedido histórico de julgamento dos responsáveis dos crimes de lesa humanidade e aposta na democracia como único caminho para construir uma sociedade com que todos nos sintamos identificados.

Se o Vasco vai conseguir reverter o placar dentro de campo, teremos que aguardar quinta-feira. Mas e o placar fora de campo?