Unidade da esquerda: polarização transcende questões partidárias

Formação de um bloco político progressista, tendo como centro as forças de esquerda, se impõe como resposta às articulações golpistas.

Bandeiras Brasil e PCdoB

Neste clima de tensão pré-eleições, as saídas para a crise devem ser buscadas no movimento real do jogo político, que se traduz na concretização de um instrumento capaz de herdar a experiência positiva do passado, romper seus limites e colocar-se à altura das novas tarefas. A primeira questão a ser analisada dessa realidade e seus movimentos é a necessidade de uma plataforma única, a soldagem de um bloco político com forças para a retomada da normalidade democrática e reorientar a economia no sentido do crescimento com distribuição de renda, fundada na defesa do país em bases favoráveis aos interesses nacionais.

O enfrentamento com essas forças exige um esforço redobrado e amplo de todos os setores interessados em isolar e derrotar as vias do golpismo. Ou seja: a formação de um bloco político centrado na unidade da esquerda se impõe também pelo aspecto democrático, uma questão relativa ao que precisa ser feito hoje para se poder realizar o que se pretende amanhã. O que as forças de esquerda não podem propor, a priori, são tarefas que não tenham condições de viabilizar, que podem conduzir ao seu isolamento e não ao do inimigo, o que serviria de caldo de cultura para projetos obscurantistas e reacionários.

A conjuntura atual requer alternativas realistas e as forças democráticas e progressistas estão obrigadas a enfrentar problemas complicados, desafios que exigem muito exercício político. O agravamento da crise econômica e social, a dispersão das massas, o Estado dominado por forças golpistas e o recrudescimento das ações da direita são complicadores que só podem ser enfrentados por um movimento político amplo e unitário, capaz de distinguir os fatores periféricos dos centrais. Não levar isso em conta seria transferir a disputa política para um plano idealista, mecânico, e advogar a ideia de isolamento.

A polarização existente nessas eleições, está claro, transcende às questões meramente partidárias. Ela reflete a natureza social brasileira. Não existe, portanto, um vácuo no campo conservador. O nome conta, evidentemente, mas o que vai determiná-lo é a plataforma política, por mais que a direita esteja partidariamente fracionada. O importante para ela é vencer o campo oposicionista. Este, por sua vez, tem a missão de unir o máximo de forças progressistas para enfrentar essa batalha.

Quando o assunto é tratado sem o alarido da mídia esse panorama aparece nitidamente. A briga real, com fichas de verdade na mesa, está no confronto entre dois universos políticos bem definidos. As calamidades que os golpistas produziram e estão decididos a continuar produzindo ilustram essa situação de modo exemplar. A guerra que a direita move contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e todo o seu espectro na verdade é contra os interesses fundamentais do Brasil e dos brasileiros.

Guerra contra o Brasil

Ela guerreia com este Brasil em transformação pelo menos desde o início da década de 1940 do século 20. O problema é que de 1950 para cá as forças políticas abertamente de direita têm obtido poucas vitórias eleitorais. Mais ainda: nesse período as forças populares tornarem-se capazes de influir no grande jogo político do país. Um exemplo disso foi a atitude de Juscelino Kubitschek que, em sua campanha eleitoral para a Presidência da República, conforme ele mesmo disse, foi forçado a reformular a sua proposta de governo sobre o petróleo por conta do sentimento patriótico entre o povo desenvolvido pelas forças progressistas.

Fatos como este se repetiram no governo João Goulart e refletiam o crescimento das correntes políticas populares. A eleição de Miguel Arraes para governador do estado de Pernambuco marcou a entrada em cena, naquela conjuntura, de uma tendência política desvinculada dos esquemas conservadores. Foi o suficiente para alarmar as forças conservadoras. A vida política do país foi se conturbando com o aprofundamento do choque entre os dois campos e a situação se complicou quando surgiu a questão da sucessão presidencial, que deveria se dar em 1965.

O campo progressista discutia os nomes do próprio Juscelino Kubitschek, de Miguel Arraes, do ex-governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e até a saída extraconstitucional da reeleição de Goulart para enfrentar Carlos Lacerda, do campo conservador. Quando os setores progressistas tentaram se articular numa “frente ampla” sem Juscelino Kubitschek para sustentar o governo e fazer a sucessão presidencial, a direita já havia estruturado um engenhoso sistema de obtenção de fundos (sacados principalmente das grandes empresas estrangeiras) para financiar as ações golpistas.

Cegueira política

Nas vésperas do golpe militar de 1º de abril de 1964, as bases políticas do campo progressista estavam bastante enfraquecidas. Era o resultado das eleições de outubro de 1962, quando a direita ganhou o controle dos principais estados (com a exceção de Pernambuco). Contribuíram também para o enfraquecimento do campo popular os equívocos das forças progressistas que, aberta ou veladamente, compreendiam ser sua principal tarefa a criação de dificuldades ao governo, na vã ilusão de que com isso era possível avançar muito mais.

A cegueira política impediu que todos os esforços se voltassem para o combate ao inimigo, que preparava febrilmente o golpe de Estado. Quando os militares golpistas marcharam rumo ao Palácio do Planalto, o povo estava desarmado politicamente. As forças populares se viram diante de um fato que não estava previsto em seus cálculos, ficando paralisadas diante dos acontecimentos. A tática das correntes progressistas estava apoiada numa base falsa: a de que não havia correlação de forças favorável ao golpe.

Era uma visão decorrente da vitória do povo quando João Goulart tomou posse, enfrentando os golpistas, após a renúncia de Jânio Quadros. Aquela vitória foi tomada como algo definitivo, como demonstrativo de uma mudança de qualidade na vida política brasileira. As forças progressistas não viram que aquela vitória ocorreu por razões e fatores de ordem conjunturais, que poucos meses depois desapareceriam. Desorientadas pelo êxito, não traçaram uma tática com base nos fatos e na realidade nacional.

A revisita a este cenário permite compreender melhor o que se passa com o país atualmente. As forças progressistas derrotadas em 1964 foram vitoriosas eleitoralmente de 2002 a 2014 porque enfrentaram a ditadura militar, travaram uma dura disputa com a direita na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e nas eleições presidenciais de 1989, e resistiram ao projeto neoliberal. Os elementos desta trajetória estão presentes na atual disputa política.