Margaridas na luta por democracia e contra o retrocesso de direitos

A União Brasileira de Mulheres (UBM) tem participado, ativamente, da construção da 6ª Marcha das Margaridas que ocorrerá nestes dias 13 e 14 de agosto, em Brasília. Além de agricultoras familiares, fazem parte também das “Margaridas”, as mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, raizeiras, quebradeiras de coco babaçu e extrativistas e as urbanas, que vêm de todo o Brasil para apresentar no centro político do País uma plataforma política em defesa das mulheres.

marcha das margaridas - Marcello Casal Jr./ABr

 Para Vanja Andréa Santos, presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM) e Lucia Rincon, diretora representante na Coordenação Nacional da Marcha das Margaridas a manifestação das trabalhadoras é importante para o fortalecimento da participação política das mulheres, dando visibilidade às suas lutas coletivas e reivindicações por direitos, democracia, justiça, equidade de gênero e combate à violência. E, especialmente em 2019, a Marcha também denuncia os retrocessos no Brasil, principalmente os que se referem à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 – a Reforma da Previdência, na qual as mulheres serão as mais afetadas.

Leia, a seguir, a entrevista concedida ao Portal Vermelho:

Por que as Margaridas marcham por Democracia com Igualdade, Fortalecimento da Participação Política das Mulheres e contra os Retrocessos no Brasil?

Vanja Andréa Santos: Porque a democracia encontra-se em risco e o País está revisitando o autoritarismo à moda misógina de Jair Bolsonaro. O momento político nos convoca a resistir com mobilização e resiliência, e a participação da UBM na Marcha das Margaridas é expressão de nossa decisão firme de estar nas ruas na garantia de nossos direitos. A hora é de nos unir para acumular forças para voltar a avançar. O recente golpe jurídico-midiático-parlamentar que culminou na destituição da Presidenta Dilma Rousseff e na prisão do ex-presidente Lula, possibilitou a implantação de um governo facista, de direita, machista e homofóbico no poder.
Embora tenhamos avançado na nossa luta, a política é ainda um território masculino. A maioria dos parlamentares são homens, e os modos de fazer política inspiram-se em valores masculinos, como força ou agressividade. Nas últimas eleições, houve um fortalecimento das bancadas da bala, dos evangélicos e do agronegócio.

O atual Governo e o Congresso eleito consolidam o golpe institucional que possui como um de seus objetivos implantar um duro plano de ajustes e de retirada de direitos com retrocessos no qual a Reforma da Previdência é o principal ponto. São ataques que se combinam às nossas mazelas sócio-econômicas. Como mensageiro do imperialismo norte-americano, Bolsonaro trata a população brasileira como os trabalhadores e as trabalhadoras de Brumadinho foram tratados/as: pagando com suas vidas debaixo da lama.

Lucia Rincon: Na Marcha das Margaridas, o fazer político se inicia nas bases construindo uma identidade coletiva capaz de demonstrar a nossa capacidade de mobilização, articulação e força para lutar. É o que precisamos neste momento de fragilidade da Democracia e retrocessos de direitos para renovar nossas esperanças. Somente com união conseguiremos resistir e construir uma nova realidade. Durante as eleições presidenciais, conseguimos questionar o patriarcado lutando por justiça à Marielle, rechaçando os políticos que destilavam misoginia e nos organizar na luta pelos nossos direitos. Em Marcha, nós, Margaridas conquistamos visibilidade no espaço público, sem abrir mão de reivindicações históricas. Pautamos novas questões na agenda política, demandamos a afirmação de outras identidades na construção coletiva como sujeito político, e ampliamos o campo de temas e problemas que adentra o universo da nossa luta. Conseguimos dialogar com o Estado e propor políticas públicas. E a UBM se orgulha de ter trilhado este processo mobilizando suas bases e somando com todo o povo progressista em luta.

Nessa costura entre avanços e a difícil construção da cidadania das mulheres, a violência ainda permanece como temática central. A demanda pela punição dos agressores e pela prevenção da violência contra as mulheres tem resultado em legislação vista como favorável pela ampla maioria dos movimentos feministas. Como principais exemplos, temos a Lei Maria da Penha, de 2006, e a tipificação do feminicídio como homicídio qualificado. O Brasil permanece, no entanto, entre os países em que mais mulheres são assassinadas por serem mulheres. No meio rural, as mulheres ficam mais vulneráveis por causa do distanciamento dos grandes centros e da falta de presença do Estado para a proteção. Além de lutar por avanços, o momento exige de nós marchar contra a violência e retrocessos de direitos.

Quais foram os avanços das mulheres na política?

Vanja Andréa Santos: A participação feminina na política no Brasil começou a ganhar espaço em 1955. Foi neste ano que a Lei nº 9.100 estabeleceu as normas para realização das eleições municipais subsequentes determinando uma cota mínima de 20% para as mulheres, firmando a obrigatoriedade do preenchimento de vagas na chapa eleitoral. No entanto, essa lei não tratava de recursos para campanha, de tempo de propaganda na TV ou de medidas para garantir a igualdade de oportunidades na disputa eleitoral. Em 1997, esse dispositivo foi revisado, definindo a política de cotas a reserva de vagas, mas ainda sem obrigar os partidos a preencher as vagas com candidatas mulheres.

Em 2009, o Congresso Nacional aprovou a minirreforma eleitoral e, pela nova lei, os partidos foram obrigados a preencher 30% das vagas em eleições proporcionais com candidatos de um dos sexos. Além disso, a minirreforma trouxe três outras conquistas para as mulheres: a participação de 5% no fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, 10% do tempo de propaganda partidária para promover e difundir a participação feminina e a obrigatoriedade do preenchimento de no mínimo de 30% e 70% para a candidatura de cada sexo.

Com a Reforma Eleitoral de 2015, houve uma alteração na aplicação do Fundo Partidário que estipula um valor maior a ser investido no incentivo a participação feminina na política. Chegamos em 2018 com a presença feminina de apenas 36% entre legisladores, autoridades públicas de primeiro escalão e gerentes. As mulheres são maioria do eleitorado (51,9%) e quase metade dos filiados a partidos políticos (44,3%), mas representam somente 13,4% dos vereadores, 11% dos prefeitos, 12,8% dos deputados estaduais e 7,4% dos governadores. No Parlamento, há atualmente apenas 77 mulheres entre 513 deputados federais (10,7%) e 12 entre 81 senadores (14,8%). E é recente a ocupação de uma cadeira na Mesa Diretora da Câmara por uma parlamentar. É preciso romper como esta diferença histórica.

Lucia Rincon: Registramos também um importante avanço das mulheres dentro do Movimento Sindical de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais (MSTTR), com a aprovação da paridade de gênero nos espaços deliberativos do sistema Contag (Confederação Nacional dos/as Trabalhadores/as na Agricultura). A Marcha das Margaridas é exemplo deste trabalho incansável e da força política da organização das mulheres rurais e de sua ação de luta por igualdade, democracia e por melhores condições de participação política.

Entretanto, o cálculo da desigualdade entre mulheres e homens no Congresso Nacional, apontam que, nós, Margaridas ainda temos um longo caminho a percorrer na luta por voz e vez na política.

Por que a luta das mulheres por igualdade é importante para a Democracia?

Vanja Andréa Santos: Em uma sociedade na qual altíssimos níveis de desigualdade como a nossa – que não se limitam ao gênero, mas explicitam o racismo, as hierarquias de classe e a homofobia, limitam as garantias mais básicas de vida e bem-estar, a eleição de mulheres deve ser compromissada com a construção de uma sociedade mais justa. A exclusão das mulheres dos espaços de poder é, em si, uma injustiça e um déficit democrático. O cenário de profunda sub-representação das mulheres na política, reduz a possibilidade de que mais da metade da população tenha sua experiência e seus interesses levados em conta no âmbito estatal. É um quadro que contradiz qualquer movimento para a construção de uma sociedade justa e democrática. E a Marcha das Margaridas, com 100 mil mulheres nas ruas de Brasília nos próximos dias 13 e 14, expressa a decisão do povo brasileiro de avançar na democracia com garantia de Direitos