Samuel Oliveira: Políticas públicas ou caridade?

É comum uma divergência dentro esquerda com os evangélicos sobre as ações para reparar a desigualdade social. Há diferenças em: ocupar a política institucional e gerar políticas públicas concretas que transformem o âmbito social, ou de forma caridosa prestar assistência caso a caso amparando essas pessoas. É possível que essas ideias diferentes não distanciem a luta de ambos os setores?*

Samuca Capa

 Em primeiro lugar, é importante entendermos diferenças do que são esses dois setores: a “esquerda” enquanto grupos políticos defensores do socialismo e o comunismo – ciências sociais acerca de um Estado que rege a sociedade de forma igualitária e justa, e o cristianismo diferentemente, não é uma ciência, mas como que uma filosofia religiosa onde, no aspecto que vamos tratar, trabalha sobre a vida dos indivíduos na intenção de que busquem justiça e igualdade entre às pessoas – sociedade. Ora, ambos têm os mesmos princípios, mas estão em campos sociais diferentes, representam coisas diferentes e logo, tem formas de atuações diferentes. Mas se partilham dos mesmos princípios, tem um objetivo em comum, as formas de atuação e busca dessas questões não deveriam causar tanto distanciamento como se fossem coisas opostas.

Não há contradição em prestar auxílio às pessoas em situação de rua e/ou participar da luta por moradia/trabalho e etc. As duas coisas são necessárias. No máximo e no mínimo, precisamos lutar por uma sociedade onde as pessoas vivam e vivam bem, com qualidade. E podemos ver isso nos resultados que nossa sociedade vive ao longo de sua história: tanto nas políticas públicas populares nos últimos anos que elevaram o nível social dos brasileiros, como em medidas assistenciais que garantiram uma grande massa de pessoas carentes atingidas por elas, condições mínimas de sobrevivências ao tempo que as medidas políticas não as atingia, ou mesmo agora quando essas políticas públicas são feridas por um desgoverno que retira direitos do povo e coloca em condições de vida precária, precisando às vezes até mesmo de um alimento para se sustentar durante um dia.

As medidas individuais proporcionadas pelas igrejas são importantes e surtem na sua soma um forte impacto social, mas ainda assim são insuficientes e incapazes de alcançar a necessária proporção. Já as políticas públicas, que podem em alguns casos atingir até toda a massa social dependente delas, são submissas às decisões do poder público que nem em todos os períodos estão interessados em promovê-las, o que ressalta a importância de ações ainda que minoritárias para ajudar a suprir as necessidades mínimas de sobrevivência dessas pessoas em situação de miséria.

Mas existe um motivo pelo qual isso não é facilmente compreendido, que é pelo conceito que um setor formou acerca do outro, sobretudo na sociedade brasileira. A classe política vê com olhar crítico e justo o fato das ações de igrejas em boa parte dos casos, estar sujeito a uma contrapartida desonesta por parte dessas instituições que impõe certos critérios de filiação dessas pessoas necessitadas às suas denominações, sendo justa a crítica moralmente e que inclusive fere teologicamente os verdadeiros princípios cristãos. Por outro lado – se não quando essas igrejas não estão obcecadas por um projeto de poder que perpassa por dominar o estado – elas rejeitam a classe política como reflexo do senso comum, que inclusive a coloca, sem entender suas diversas e significativas divisões, como algo problemático da sociedade e sem efeito positivo, negando inclusive os avanços que as políticas públicas de governos progressista proporcionaram, sobretudo ao povo pobre ao qual pertence a maioria do setor evangélico.

Tendo em vista todo esse processo, me faz bem entender que com as críticas justas, ambos os setores precisam compreender a importância e valorizar suas ações em busca de uma sociedade mais justa. Partindo do entendimento de que não concorrem entre si por fazerem partes de espaços diferentes da sociedade, o trabalho de ambas colabora para a manutenção da justiça social. Na vida em sociedade é primordial o trabalho do Estado, através de políticas públicas, garantir com que não haja desigualdade, miséria, fome, falta de moradia, desemprego… Mas enquanto não alcançarmos nosso tão sonhado socialismo, se faz tão importante que enquanto seres humanos, evangélicos ou não, religiosos ou não, figuras políticas ou não: não deixemos dentro de nossas capacidades, um cidadão se quer morrer de fome, de frio, desamparado ao nosso lado. No que tivermos condições, e nem sempre temos, devemos somar forças e minimamente amparar os desalentados e subempregados em situação de miséria, mas é importante que da mesma forma, cada indivíduo no seu espaço, também participe na construção da luta política por medidas concretas que transforme o todo da sociedade contra a desigualdade e injustiças.

*As opiniões expressas aqui não representam necessáriamente as opiniões do Portal Vermelho