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Celso Marconi: Cinema verdade, Kino-Pravda e a história do cinema

Quando comecei a estudar cinema, nos anos 50 do século passado, falava-se muito no cinema soviético e, principalmente, em Eisenstein, Pudovkin e também Dziga Vertov. Vi o filme mais famoso de Eisenstein, O Encouraçado Potemkin, na época, numa mostra promovida por José de Souza Alencar (Alex), no cineteatro da Polícia Militar de Pernambuco, que fica na praça do Derby, quase centro do Recife.

Por Celso Marconi*

Kino Pravda

Mas os filmes de Dziga Vertov eu só vi agora, aproveitando as cópias de nove episódios do Kino-Pravda (Cinema verdade) que estão no site Making Off. Realmente, o sistema digital trouxe uma mudança enorme, particularmente para a cultura do mundo. No caso do cinema, no tempo do 35mm era dificílimo para uma cidade como o Recife acompanhar mesmo as principais realizações – e isso até pelo fato de que só o transporte de um filme de duas horas era “uma fortuna”, fora o aluguel do próprio filme. Em São Paulo, a situação era melhor certamente, e aí temos o efeito material influindo no desenvolvimento de algo totalmente subjetivo.

Kino-Pravda – “cinema verdade” – foi o cinema feito por Vertov. No Making Off, temos agora nove episódios. Cada um deles tem a duração máxima de 11 minutos – alguns estão com sete ou com oito. O Kino-Pravda era uma forma de filmar e criar o depois tão conhecido “jornal da tela”. Nos anos 20 do século passado, os cineastas filmavam documentando os acontecimentos e acredito que não havia montagem. Era o fato direto. Só deviam cortar quando acontecia algum erro totalmente visível. A grande diferença era que o cineasta e seu grupo eram inteiramente a favor do governo que havia tomado o poder, o governo Soviético.

Mas Dziga Vertov não era um simples câmera. Ele pensava o novo cinema que estava sendo criado dentro da nova situação social. O câmera era alguém que estava junto ao “personagem”, fosse ele um simples operário ou mesmo o líder principal, Vladimir Ilyitch Lenin. Por isso filmava certamente mais perto do que até então um câmera poderia chegar do chamado Poder. É importante perceber como a situação política tem importância essencial para esse tipo de cinema.


Abertura de um dos números do Kino-Pravda: soviéticos criaram uma uma forma própria de filmar

Nesses nove episódios que foram recuperados para o digital, temos documentações sobre crianças famintas, além de uma ação de confisco de bens da Igreja Ortodoxa Russa e, em vários episódios, o julgamento de participantes do Partido Socialista Revolucionário, que terminou com muitos sendo condenados à morte. Vemos ainda a inauguração de uma usina elétrica, corridas de cavalos e de ciclistas. Enfim, é um jornal cinematográfico.

A grande diferença é como a câmera está mais presente, principalmente nos anos 20, quando esse tipo de filme ainda era conhecido/praticado. Certamente, Dziga Vertov criou essa forma direta de filmagem e foi a partir dele que o francês Jean Rouch criou o “cinéma verité”, filmando na África.

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Também comento a grande utilidade do site Making Off em divulgar para o mundo todo, e particularmente para o Brasil, um tipo de cinema que de outra forma estaria desconhecido. Também está à disposição um documentário, Xingu Terra, da grande fotógrafa Maureen Bisilliat. Podemos ver ainda um filme de ficção, Sagrada Família, lançado em 1970 e dirigido pelo cineasta Sylvio Lanna, tendo como um dos intérpretes Paulo César Pereio.


Sagrada Família (1970), de Sylvio Lanna, é uma das preciosidades do site Making Off

E também um western feito no Rio Grande do Sul, Os Abas Largas, dirigido por Sanin Cherques. E mais, entre muitos outros, Cineastas em Exilio – Do Terceiro Reich a Hollywood, que documenta muitos cineastas alemães, judeus contra o poder nazista, que fugiram da Alemanha e fizeram um grande trabalho cultural nos Estados Unidos.

* Celso Marconi, 89 anos, é crítico de cinema, referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.