Perseguições, torturas e assassinatos: a direita avança na Colômbia

O presidente recém eleito da Colômbia, Iván Duque, fez sua campanha com base no discurso de ódio contra a esquerda e os movimentos sociais. Mais de uma vez dirigentes de seu partido disseram que fariam ‘trizas’ [deixaria em farrapos] do Acordo de paz com as Farc. Ele nem chegou ao Palácio de Nariño e a direita já avança sobre os movimentos sociais com perseguições, torturas e assassinatos.

Por Mariana Serafini

Manifestação na Colômbia - Gabriel Perez

Nos últimos meses, mais de 130 líderes sociais foram assassinados em 73 municípios na Colômbia. A escalada da violência avança com a ausência do Estado que deveria combater o crime organizado e os paramilitares responsáveis pela perseguição aos movimentos sociais pelo interior do país.

Segundo o assessor de organizações indígenas e camponesas da Colômbia, Héctor Mondragón, só na última terça-feira (17), 110 dirigentes sociais abriram mão de suas tarefas nos movimentos (no mesmo dia) devido às ameaças que vem sofrendo.

Héctor denuncia que muitos destes 130 líderes assassinados nos últimos meses foram torturados antes de morrer e os cadáveres foram exibidos nas comunidades para amedrontar as populações locais. Ou seja, os paramilitares estão usando de todos os recursos para perseguir e impedir o avanço das organizações sociais.

Isso porque, com o acordo de paz que selou o fim da guerra de meio século entre o governo e as Farc em 2016, os movimentos sociais voltaram à luz com intensidade. Porém, a repressão do crime organizado chegou com na mesma proporção assim que encontrou proteção no discurso de ódio do líder da direita apoiado por Álvaro Uribe, o presidente cuja gestão é marcada pela violência contra a esquerda.

“Com o fim da luta armada, aumentou a mobilização social, mas se o acordo de paz acabar [como propõe o novo presidente], vai aumentar a repressão novamente”, alerta Héctor.

Depois da assinatura do acordo de paz, foi imediata a repercussão deste episódio entre as organizações sociais porque o fantasma da guerra desapareceu e a população voltou a se sentir segura para exercer direitos democráticos, como greves e manifestações. No entanto, principalmente as localidades onde antes a guerrilha atuava, ficaram sem a “proteção” dos guerrilheiros e à mercê do paramiliatarismo que não foi combatido pelo Estado, como deveria ter acontecido.

Isso proporcionou um cenário favorável para a atuação do crime organizado contra os movimentos sociais que se viram vulneráveis. Logo, o que se vê na Colômbia neste momento é uma guerra velada entre o paramilitarismo e a resistência que mostrou seu poder de fogo nas urnas, quando mais de 8 milhões de colombianos decidiram votar em Gustavo Petro, o candidato da esquerda que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais.

Para Héctor, é positivo o reflexo do acordo de paz na sociedade justamente porque fortaleceu as organizações sociais e trouxe novos ares para os movimentos. Entretanto, se a violência continuar neste ritmo (quase 2 assassinatos de dirigentes políticos por semana) á um risco real de voltar a guerra.

Héctor analisa o mapa eleitoral da Colômbia e não titubeia ao afirmar que a violência cresce justamente nas regiões onde movimentos sociais estão mais organizados. “Em todos os lugares históricos dos movimentos sociais, as pessoas votaram em Petro e esta onda de violência é uma nova tentativa de destruir estes movimentos”, explica o especialista.

Esta onda de violência gerou uma série de manifestações em toda a Colômbia. Com o grito de socorro “Estão nos matando”, movimentos sociais foram às ruas denunciar a perseguição política, principalmente nas grandes cidades. “Em Bogotá [capital do país] há uma clara luta de classes que se expressou nas urnas, as regiões mais ricas votaram em Duque, os bairros mais afastados votaram em Petro”, afirmou Héctor.

Segundo ele, a mobilização da comunidade internacional em defesa dos direitos humanos é fundamental neste momento para contribuir na denúncia destes crimes. Além disso, os movimentos sociais devem se manter alerta e altivos na Colômbia, a fim de barrar a repressão.

Com o crescimento da esquerda no campo institucional, ele acredita que a principal estratégia da oposição a Duque será o enfrentamento baseado em manifestações massivas. Estas serão as armas do campo popular para defender o acordo de paz que deu fim ao meio século de guerra num país que não parece disposto a começar de novo, do zero, essa história de perseguições, torturas e assassinatos.

Vale destacar que o cenário político em todo o continente era outro quando o acordo de paz começou a ser negociado, há mais de seis anos. Haviam mais governos progressistas, interessados em apoiar a paz na Colômbia a fim de consolidar a América Latina como um território pacífico, como estabelece a Celac.

Porém, com o golpe no Brasil, a chegada de Maurício Macri na Argentina e as tentativas de desestabilização contra Nicolás Maduro na Venezuela, o campo progressista colombiano também ficou mais fragilizado, sem este apoio internacional. Héctor destaca que na ocasião da assinatura do acordo, por exemplo, celebrado com a presença de dezenas de líderes mundiais, o governo de Michel Temer não fez nenhuma menção ao fato e não enviou um representante. Agora, Iván Duque pode se tornar um parceiro do Brasil nesta onda de retrocessos.