Sem reforma, deus-mercado chuta Bolsonaro

A revista Exame, que tem como público alvo a cloaca empresarial nativa, publicou nesta sexta-feira (22) um texto emblemático de um legítimo representante do chamado “deus-mercado”. Sérgio Vale, mestre em economia pela USP e pela Universidade de Wisconsin, é economista-chefe da consultoria MB Associados – um antro dos abutres financeiros.

Por Altamiro Borges*, em seu blog

Bolsonaro - Foto: Evaristo Sá/AFP

O título já é bombástico: “Sem reforma da Previdência, presidente não termina mandato”. Em dez parágrafos, o autor deixa explícito que Jair Bolsonaro é um autêntico “laranja” dos rentistas e que foi eleito com a missão principal – quase exclusiva – de acabar com a aposentadoria de milhões de trabalhadores brasileiros para beneficiar os banqueiros e os especuladores. O resto é para enganar os trouxas!

O olho do artigo é puro terrorismo: “A morte precoce do governo Bolsonaro pela não aprovação da reforma detonará a volta da recessão em cima de uma economia que ainda se encontra muito fraca”. Já a legenda da foto do hilário presidente é ácida: “Bolsonaro: a impressão de ‘pato manco’ começa a se espalhar pelo governo”. Nada mais precisaria ser dito, mas reproduzo a íntegra do texto só para atazanar o presidente-capetão e excitar ainda mais os generais que estão no seu entorno:

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Sem reforma da Previdência, presidente não termina mandato

Em menos de três meses de governo, às vezes parece que estamos falando de um mandato que está terminando. A impressão de “pato manco” começa a se espalhar pelo governo Bolsonaro rapidamente e a primeira vítima poderá ser a reforma da Previdência.

Em coluna anterior, enfatizamos a justiça social por trás da reforma, da qual se esperava que houvesse a mesma visão quando viesse a reforma dos militares. Entretanto, o banho de água fria se instalou quando se viu que as perdas relativas dos militares seriam muito menores do que dos servidores públicos civis e do setor privado. Por estarem entranhados no poder e com um presidente de origem militar a sensação de manutenção de privilégios era tudo o que a turma do contra queria para barrar a reforma. Esse primeiro erro estratégico será cobrado caro nas próximas semanas.

Na sequência, os atritos entre o Legislativo e o Executivo aumentaram, com a clareza cada vez maior de que não há articulação política para a reforma da previdência. A declaração de Bolsonaro de que preferia não aprovar essa reforma, mas que precisa ser feita não ajuda na frente de batalha. O Congresso não parece querer ficar com o ônus de uma reforma que o presidente insiste em não abraçar como deveria.

As divergências entre Rodrigo Maia e Sergio Moro e a prisão do ex-presidente Temer dão mais pimenta para um molho que já estava intragável. Resta saber agora se há chance dessa reforma passar.

Os mercados já começaram a incorporar nos preços o risco de não aprovação da reforma. Depois de bater nos 100 mil pontos, o destino da bolsa por algumas semanas deverá ser novas baixas, da mesma forma que o câmbio caminha célere para R$/US$ 4,0. Mas isso talvez não seja suficiente para acordar o governo. Os mercados poderão ter que reagir mais negativamente para pressioná-lo a mudar a rota e se empenhar mais pela reforma. Parece tom de ameaça dos mercados quando se fala isso, mas é apenas a incorporação do que significará à frente a não aprovação da mesma. O risco que pode ficar crescente é que na instabilidade dos mercados a desarticulação política aumente. Há chance de abandono precoce do barco de um governo que insiste em não negociar e cada vez mais com menos liderança.

A morte precoce do governo Bolsonaro pela não aprovação da reforma detonará a volta da recessão em cima de uma economia que ainda se encontra muito fraca. O PIB caiu 11% entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016 e até agora recuperou apenas 4,5%. As recuperações judiciais voltaram a aumentar ano passado e, para piorar a situação, o cenário internacional tem dado mostras de piora a cada mês, aumentando ainda mais o risco de depreciação mais forte da taxa de câmbio.

No caso de um cenário de crise econômica será difícil qualquer tipo de Plano B. Certamente o Pacto Federativo do Ministro Paulo Guedes não é uma alternativa e nem passaria em situação de tamanha crise. O problema será de difícil solução pois o grupo político que gerou a crise não terá espaço para pensar em Plano B depois de desperdiçar o Plano A. Isso também inviabilizaria a continuidade das concessões e privatizações, reforma tributária e qualquer outro tipo de acordo com o Congresso. A pura inviabilização de qualquer avanço traria novamente o descontentamento da população com a recessão (aliás, em cima de um governo que já está começando a ficar impopular). Bolsonaro, nesse sentido, não seria diferente de Dilma, sendo que o descaso com a política é o que une os dois presidentes.

A sequência da crise política com nova crise econômica seria devastadora para o governo. Haveria a opção desgastante de buscar novo impeachment, o que seria facilitado pela recessão, mas com a demora do processo piorando ainda mais o quadro econômico. Golpe parece algo distante, especialmente porque seria de todo interesse do governo trabalhar pelo vice-presidente Mourão, que mostrou evolução impressionante e discernimento para entender o papel que lhe cabe no Planalto. Numa tentativa de golpe, os militares ficariam com Bolsonaro ou Mourão? Creio que o desgaste que a cúpula militar já sofre com Bolsonaro faria a opção Mourão ser facilmente aceita.

Há também a solução Jânio Quadros. Descontente com o Congresso que não lhe atendia e acreditando que voltaria nos braços do povo, Jânio renunciou com sete meses de governo e virou personagem de triste memória. Seria a solução menos traumática talvez, mas com os filhos do presidente sendo a voz provavelmente contra tal decisão.

Parece loucura escrevermos sobre esses cenários com três meses de governo, mas é o que tende a acontecer se o Executivo não acordar para a dura realidade de se empenhar mais para que a reforma seja aprovada. Quero crer que o governo tenha plena consciência disso e comece a se articular para aprovar a reforma.

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A revista empresarial Exame não é a única a explicitar o temor do “deus-mercado”. A maioria dos veículos tem ligações com o capital rentista e está totalmente engajada na aprovação da “deforma” da Previdência. Parte da mídia pode até não gostar de Jair Bolsonaro, mas sabe que agora depende dele para aprovar o golpe contra a aposentadoria. Nesse sentido, ela teme que o pior ocorra com o “laranja” que chegou ao poder entre trancos e barrancos – com golpes, satanização da política e ascensão do fascismo, entre outras desgraças orquestradas nos últimos tempos. Cada solavanco político complica o cenário e aumenta a desconfiança do mercado com a aprovação da “reforma” e com a própria sobrevivência do presidente capetão.

Como registra Nelson de Sá, em sua coluna na Folha, até a prisão do vampirão Michel Temer abalou o otimismo dos abutres financeiros, inclusive no exterior. Ele menciona as repercussões em alguns veículos rentistas pelo mundo. “No enunciado do Financial Times, ‘Mercados abalados pela ação mais recente da Car Wash [Lava Jato]’. Na avaliação do Wall Street Journal, a prisão ‘favorece a cruzada contra a corrupção, mas dispersa os parlamentares da agenda’. Cita, do analista André Perfeito, que ela ‘joga gasolina nas tensões entre a classe política e as forças da Car Wash’”. O temor da mídia rentista é que as conturbações políticas inviabilizem a votação da “reforma da Previdência".

A mesma Folha, em outra matéria, enfatiza que “a falta de clima político para a votação da reforma na Câmara fica cada dia mais acentuada. Após a chegada da proposta que muda as regras de aposentadoria dos militares, que deveria destravar o andamento do processo, a crise de articulação apenas se agravou. O PSL, partido do presidente, diz não se considerar da base de apoio ao governo. Partidos adiaram a escolha de relator para a proposta e a prisão, na quinta-feira (21), do ex-presidente Michel Temer (MDB) colocou combustível na já tensa relação entre Executivo e Legislativo. Nos bastidores do Congresso, a insurreição contra o governo atingiu, nesta semana, nível que surpreendeu até políticos com anos de experiência”.

Estes e outros atropelos políticos talvez deem razão ao economista-chefe da consultoria MB Associados, que já prevê que o “presidente não termina mandato”. Sem a “deforma” da Previdência, o fascista Jair Bolsonaro se torna totalmente descartável para o “deus-mercado” – podendo ir mais rapidamente para a lata do lixo da história. A conferir!