Marco Aurélio Garcia: ''Vamos enfrentar uma turma de riquinhos''

A edição nº 37 da revista Fórum tem uma entrevista exclusiva com Marco Aurélio Garcia, assessor especial de Política Externa da Presidência da República e um dos principais intelectuais do PT. Ele trata com transparên

A edição nº 37 da revista Fórum tem uma entrevista exclusiva com Marco Aurélio Garcia, assessor especial de Política Externa da Presidência da República e um dos principais intelectuais do PT. Ele trata com transparência os temas internacionais e tece críticas à política econômica conduzida pelo ex-ministro Antonio Palocci. Garcia também discute a relação entre o PT e o governo e vaticina: "não precisamos de um partido 'vaca de presépio'" Na entrevista Marco Aurélio diz que a oposição ainda sonha com a Alca e com o retorno do ciclo de privatizações. Também crítica a política econômica conduzida pelo ex-ministro Palocci e avalia a crise vivida pelo PT. Perguntado se a política de integração continental seria mantida num governo de direita, Garcia é enfático na resposta: "Não (…). Nós vamos enfrentar uma turma de riquinhos. E isso não é uma tarefa para esse pessoal da Daslu."

Confira abaixo alguns trechos da entrevista conduzida por Renato Rovai e Daniel Merli. A íntegra da entrevista pode ser conferida na edição deste mês da revista Fórum, que já está a venda nas bancas. Mais informações no site da revista: http://www.revistaforum.com.br

Fórum – Parece que se construiu uma política na área internacional que é elogiada pela esquerda e não é tão criticada, como outras áreas, pela oposição e pela direita.

Marco Aurélio: Não, a direita agora está botando as manguinhas para fora. O outro candidato já está anunciando que vai promover a Alca, que vai fazer mudanças na política internacional, mas isso é normal. A relação (com o Amorim) foi e é muito tranqüila. Em primeiro lugar porque, evidentemente, eu tinha muito claro quais as competências que o presidente havia me delegado. Eu, como colaborador e assessor do presidente, conhecia de longa data a diplomacia brasileira, até porque, nas muitas viagens que fizemos pelo exterior, sempre mantivemos um contato muito estreito com as embaixadas brasileiras. Conhecia também de longa data o ministro Amorim, acho que foi uma escolha muito judiciosa do presidente, a mais judiciosa que poderia fazer. Tínhamos uma afinidade muito grande, tanto política como pessoal, isso é sempre uma coisa que conta bastante.
Fórum – Alckmin, como o senhor disse, já fala em retomar a Alca. Ainda há pressão para firmar esse acordo por parte de setores da indústria, do setor financeiro, do empresariado?

Marco Aurélio: Não sei se a indústria está interessada nisso, não acho, pelo contrário.
Aliás, acho que muitas das pessoas, muitos dos setores empresariais que defendem a Alca o fazem por razões puramente ideológicas, sem se dar conta principalmente do impacto que teria sobre o setor específico. Bancos, por exemplo.
Fórum – No México sobraram quantos bancos nacionais?

Marco Aurélio: Exatamente. Então tem que perguntar para o senhor Olavo (Setúbal) o que é que vai se passar com os bancos se a Alca vier.
Fórum – Como o senhor vê a decepção de setores de esquerda com o partido no governo. Não tem fundamento?

Marco Aurélio: Em 2002, estávamos à beira de um novo colapso que podia ter tido dimensões semelhantes à da Argentina, que já se havia anunciado um pouco em 1998, quando perdemos US$ 40 bilhões em um mês e meio. Tudo isso fez com que a candidatura do Lula e do PT galvanizasse uma enorme energia no país e fosse, naquele momento, depositária de uma gigantesca expectativa e esperança. Por outro lado, estávamos constrangidos a enfrentar uma ameaça conjuntural, que era uma ameaça pesada. Pode pegar todos os dados macroeconômicos daquele momento, o dólar disparando a quase R$ 4, um déficit nas contas externas de US$ 38 bilhões, o risco Brasil em 2.400 pontos, enfim, estávamos em uma situação tenebrosa, com a inflação subindo em flecha. E o que muitos apostavam era exatamente de que o governo desses esquerdistas ia emplacar uma inflação de 10% ao mês e desandar tudo. E teríamos carimbado que a esquerda realmente não serve para governar. Por isso, fizemos um esforço muito grande para que isso não acontecesse, o que nos obrigou a lançar mão de algumas medidas que não fazem parte do nosso arcabouço de soluções, mas tivemos que fazer e foi a atitude correta. O que se pode discutir, e discuto muitas vezes, é se a dose foi acertada. Acho que poderíamos ter reduzido os juros um pouco antes, acelerando essa velocidade. Enfim, tem uma série de coisas que poderiam ter sido feitas sem prejudicar a preocupação global de manter as coisas relativamente equilibradas, porque isso significava criar um piso a partir do qual enfrentaríamos os temas mais fundamentais, abordando aquelas questões que integram o que chamamos de projeto nacional de desenvolvimento.

O segundo problema, que acho mais complicado, pelo qual tenho insistido sem nenhuma dificuldade em falar, é que acho que revestimos a política econômica, em muitos momentos, com um discurso muito conservador. Poderíamos ter feito exatamente as mesmas coisas, um pouco menos, um pouco mais, com outro tipo de linguagem. Acho que isso tem a ver um pouco com a própria composição da equipe econômica. Tem a ver, a meu juízo, com uma preocupação equivocada no sentido de tranqüilizar os mercados e os mercados não precisam de ideologia, eles sabem exatamente quem está fazendo as coisas e quem não está fazendo. Tem outros governos com uma linguagem muito mais à esquerda e que têm uma política substantivamente muito mais à direita que a nossa. Não vou dar nenhum exemplo, mas vocês farão as pesquisas e descobrirão.
Fórum – A política econômica poderia acompanhar a política externa?

Marco Aurélio: Eu disse em determinado momento que a política externa era a ponta do iceberg (risos). Talvez esteja mais tranqüilo porque acho que na política externa conseguimos fazer aquilo que, de certa forma, havíamos anunciado. Aliás, até analistas que não têm simpatia pelo PT têm dito isso.
Fórum – O senhor se surpreendeu com o tipo de oposição que o PSDB está fazendo ao governo Lula?

Marco Aurélio: Não, não. Houve um momento no passado em que essa aproximação PT e PSDB poderia, teoricamente, ter se solidificado. Isso foi em 1993. Lembro que naquele momento conversamos com o Tasso (Jereissati) e me envolvi um pouco nisso. Tivemos encontros com o Sérgio Motta, com o (Luiz Carlos) Bresser Pereira e fizemos até reuniões conjuntas de programa de governo. Mas não prosperou. Até porque no fim a aproximação não era o sentimento majoritário dos dois partidos. Depois, teve um dado essencial, que foi a ida do Fernando Henrique para o Ministério da Fazenda e a viabilização de sua candidatura. Por outro lado, o Lula era um candidato forte. Mas tivemos conversas. Tivemos uma na França, uma vez, com o Fernando Henrique e o (Euclides) Scalco, pelo PSDB, e o Lula e eu, pelo PT, para tentar fazer uma aproximação. Foi em um encontro de partidos de esquerda organizado pelo PS francês. Mas aí, 15 dias depois de termos conversado, para tentar inclusive fazer uma política comum de oposição ao Collor, o Fernando Henrique se apresentou para ser ministro do Collor. Sorte para ele que o Covas e outros não deixaram. Mas não digo isso do ponto de vista crítico, acho normal. Se achou que podia levar o PSDB para o governo naquele momento e levou, normal, ganhou a disputa naquele momento. Hoje acho muito difícil, se criou um nível de incompatibilidade muito grande entre os dois partidos. O que haverá, sem dúvida nenhuma, é uma possibilidade de que setores, que socialmente muitas vezes se identificaram e votaram no PSDB, possam ser repatriados, digamos, para o PT. Sem dúvida nenhuma, alguns que provavelmente acompanhariam o Serra não vão acompanhar o Alckmin. Por várias razões: pelas opções de política externa dele, por uma série de opções de política econômica, pela retomada das privatizações e também pelo conservadorismo intrínseco do Alckmin. Essas coisas de Opus Dei, tradição, família e não sei o que mais. Além de direitos humanos, área onde o retrospecto do Alckmin é muito ruim.

Fórum – Quando o Delúbio Soares tinha as contas nas mãos, os que tinham acesso aos recursos eram  pessoas ligadas ao grupo político do qual ele participava. Houve setores que ficaram fragilizados na disputa interna, no debate da política, porque também não conseguiam eleger seus candidatos…

Marco Aurélio: Na direção, e isso é uma das coisas que já mencionei, os caras que estavam com uma posição muito crítica ao governo, à direção, também recebiam bons salários. Tinha muito salário maior que o meu. Em segundo lugar, dinheiro de campanha foi para todo mundo.
Fórum – Por fim, o senhor acha que essa política de integração continental se mantém num governo de outra origem partidária, em um governo mais à direita?

Marco Aurélio: Não, não se mantém. Não tenha dúvida, porque a política de integração é uma política que a esquerda sabe fazer. E a direita não sabe. Sobretudo uma direita preconceituosa, de riquinhos. Nós vamos enfrentar uma turma de riquinhos. E isso não é uma tarefa para esse pessoal da Daslu.