Ideólogos de Alckmin debatem cenário político e econômico

Uma seleta platéia de empresários e executivos lotou o auditório do Renaissance São Paulo Hotel, localizado na rica região dos Jardins, na cidade de São Paulo, quinta-feira (6), para ouvir a fina flor do pensamento neoliberal brasileiro. No local, a ''Ten

Por Osvaldo Bertolino

 

 

A ''Tendências Consultoria'' pertence ao ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, ao ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola e ao professor titular do Departamento de Economia da PUC-RJ José Márcio Camargo. No painel político, sob a coordenação do próprio Mailson da Nóbrega, palestraram os cientistas políticos Lucia Hipólito e Leôncio Martins Rodrigues e o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE). No painel econômico, sob a coordenação do jornalista Paulo Henrique Amorim, palestraram o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Edmar Bacha, o diretor de política  econômica do BC, Afonso Bevilaqua, o diretor do BNDES, Antônio de Barros Castro, os economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Armando Castelar Pinheiro e Ricardo Paes de Barros, e alguns empresários.

 

O evento deveria ser encerrado pelo ex-governador paulista e pré-candidato tucano Geraldo Alckmin, mas ele não pôde comparecer porque estava em campanha em outro Estado. Guerra, que é o coordenador executivo da campanha tucana, instigado por Mailson da Nóbrega apresentou um panorama do que seria a prioridade do governo Alckmin, centrado na “capacidade de fazer as reformas” que estão “atrasadas”. Circunspecto, o senador iniciou sua intervenção informando que eles trabalham com a hipótese de enfrentar Lula como um candidato altamente competitivo. Para ele, as denúncias contra o governo vão continuar mas já não têm mais a relevância de antes.

 

Radicalização e "combate duro"

 

As manifestações de rua, disse ele, pautarão a campanha. Guerra avaliou que logo haverá uma radicalização, um “combate mútuo”, entre as candidaturas Alckmin e Lula. Em sua opinião, os demais aspirantes ao Palácio do Planalto são meros figurantes. Ele disse que trabalha com informações concretas de que “muitos partidos” se articulam nos Estados para apoiar a chapa liderada pela dupla PSDB/PFL. Guerra avaliou também que a tática de comparar o governo Lula com o de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que segundo ele será a tônica da campanha da situação, “não vai convencer”.

Ele falou ainda do papel do Partido dos Trabalhadores (PT) na oposição. Segundo o coordenador de Alckmin, os petistas perderam consistência nos movimentos sociais, mas tentarão se aproximar de organizações como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) para ampliar a sua “ação desestruturadora”. Para ele, um governo tucano superaria a “subqualificação” da atual base governista para fazer as “reformas”. “Essa confusão que está aí é resultado da subqualificação dramática do PT e seus aliados. E o Lula não consegue se impor”, afirmou.

Discretos aplausos

Lucia Hipólito, instada por Mailson da Nóbrega a falar sobre “os perigos” para a campanha e para o futuro governo, não conseguiu — como de hábito — articular um único raciocínio consistente para o tema em pauta. Com o blá-blá-blá de sempre, ela tentou demonstrar que o “mensalão” é um “perigo para a democracia”, que o PT vai jogar sujo na campanha e por aí afora. Num aparte, Guerra disse que o mais importante era acabar logo com essa “confusão” representada pelo governo Lula. Conseguiu discretos aplausos, registrados por Mailson da Nóbrega como manifestação da preferência eleitoral da platéia. Lucia Hipólito falou ainda de reforma política e utilizou ironias fora do tom diplomático do evento.

Leôncio Martins Rodrigues, apresentado por Mailson da Nóbrega como “especialista em PT”, disse que, caso Lula seja reeleito, dificilmente haverá espaço para mudanças de vulto na economia. Para ele, o “maior perigo” é o de o presidente não formar uma força no Congresso capaz de dar sustentabilidade ao governo e estabelecer uma relação direta com os mais pobres por meio do que ele chamou de “populismo”. Leôncio Martins Rodrigues lembrou que Lula conta com um poderoso instrumento para isso, que é o programa Bolsa Família. “Lula não é ideólogo, é um pragmático”, disse ele.

Para Leôncio Martins Rodrigues, essas eleições mostrarão o fim de uma tendência: o crescimento das bancadas de esquerda — principalmente do PT. Segundo a sua avaliação, o partido não está acabando, porque o aspecto ideológico não é tão importante para um partido. Sua tese é que a máquina partidária cumpre papel mais determinante. Por isso, o PT e outros partidos de esquerda tendem a diminuir suas bancadas enquanto os partidos de “centro” e de direita terão o número de parlamentares aumentado. Além disso, o petismo, lembrou ele, perdeu importantes lideranças “boas de voto”.

Agenda interconectada

No painel econômico, predominou o tema “reformas”. Antes, Afonso Bevilaqua, o diretor de política econômica do BC, defendeu a política de metas de inflação, calibrada pela taxa de juros Selic, e câmbio flutuante. Bevilaqua fugiu de uma provocação de Edmar Bacha, que ironicamnte perguntou se a Selic não poderia cair para o patamar da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES — uma evidente crítica à decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) que reduziu a TJLP recentemente a pedido do ministro da Fazenda, Guido Mantega — e apresentou um cenário bastante otimista para a economia nos próximos anos.

Armando Castelar Pinheiro, do Ipea, defendeu as “reformas” como única condição para o Brasil crescer “a taxas satisfatórias”. A primeira “reforma", disse ele, seria a tributária. Pinheiro argumentou que o Estado deve reduzir gastos para aliviar o setor privado de tributos que seriam carreados para investimentos. Para ele, o país precisa de “uma agenda interconectada de reformas”. O que seria isso? Pinheiro explica: “O governo não pode tratar esse assunto como se fosse uma lista de supermercado. Uma reforma deve estar ligada à outra.” Ou seja: uma vez realizada a “reforma” tributária, seria necessário fazer a “reforma” trabalhista e assim por diante.

Assim, segundo Pinheiro, a “sociedade” adotaria regras “institucionais” que permitiria ao “investidor” garantias de que o país teria menos risco e mais certeza de retorno. Ele explicou o caso da legislação trabalhista. Para Pinheiro, apenas 45% dos trabalhadores brasileiros contam com alta proteção social. Em sua lógica, a redução desses direitos garantiria um “ambiente convidativo” para os investimentos e abrigaria mais gente na formalidade. As causas do “atraso” dessa “reforma”, segundo Pinheiro, são a má qualidade da produção legislativa brasileira e a fragmentação política no Congresso Nacional. Pinheiro terminou sua intervenção com esta pergunta: “Como a gente viabiliza a redução dos gastos públicos?”

Alcance do Bolsa Família

Em seguida, Ricardo Paes de Barros, do Ipea, comentou as políticas sociais do governo. Ele mostrou informações sobre o alcance do Bolsa Família, responsável por uma significativa redução da pobreza no país, e afirmou que o combate à desigualdade é contínuo e sustentável. Paes de Barros afirmou que não são só as políticas sociais do governo que estão contribuindo para isso. Ele explicou que o crescimento econômico, que gera emprego e renda, é o principal instrumento para atacar o problema de forma eficiente. Os gastos sociais do Estado, no entanto, segundo Paes de Barros, não priorizam os mais pobres.

Para ele, existe um “viés etário” deformado na definição das políticas sociais. Existem, explicou Paes de Barros, dois picos de pobreza: os idosos e as crianças. O Estado investe, na sua avaliação, muito nos idosos e pouco nas crianças. Ao não equalizar esse “viés”, o país está “comprando” pobreza para amanhã. Ou seja: as crianças pobres de hoje serão os idosos pobres de amanhã. Sua tese é que o reajuste do salário mínimo e das pensões não é eficiente no combate à pobreza.

 

Esse resumo do Seminário mostra bem a essência das idéias que deverão permear o programa de governo da direita. Ele serve de alerta para o campo governista também investir no debate e na difusão de suas propostas. Até agora, faltou à equipe econômica convicção política para desatar os nós existentes. Mas o futuro do governo Lula depende grandemente de como evoluirá esse debate. Não dá mais para continuar reprisando uma época que já passou, de grande ineficiência, de achincalhe ao Estado e de endeusamento ao "mercado”. Que o governo Lula permita um arejamento desse debate! Que os interesses nacionais vençam o conservadorismo liberal!