Lula caiu na cilada do mercado financeiro, diz Stiglitz

Em entrevista concedida à agência FolhaNews, Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia e ex-assessor de Bill Clinton, que governou os Estados Unidos entre 1993 e 2001, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “gasta o mandato agradando o mercado f

Crítico das políticas de liberalização promovidas nos anos 90 na América Latina, ele afirma que Lula repete erro cometido por Clinton, de abrir mão da plataforma social que o elegeu e gastar o mandato "agradando o mercado financeiro". "Clinton passou oito anos reduzindo o déficit, e a única conseqüência disso foi deixar dinheiro em caixa o bastante para que os republicanos patrocinassem o maior corte nos impostos para os mais ricos já ocorrido na história deste país. Lula caiu na mesma armadilha do mercado".

Leia os principais trechos da conversa.

Desde que o sr. esteve no Brasil, o ex-ministro da Fazenda do governo Lula, Antonio Palocci, deixou o cargo e foi indiciado pela Polícia Federal. Não é irônico que a mesma pessoa que guardou a chave do cofre do governo e jogou o jogo do mercado tenha este fim?.


 

Joseph Stiglitz – Não sei detalhes suficientes sobre este problema específico que ele teve no final, mas creio que a questão econômica do governo Lula é distinta da questão política. Tanto que, apesar de tudo, o mercado tem permanecido relativamente estável. Por outro lado, o fato de o Brasil ter mantido seus juros básicos internos muito altos por quatro anos prejudicou claramente a economia. O único benefício até agora, de certa maneira talvez o principal, foi agradar Wall Street.

Sendo assim, o que deu errado neste governo, se é que algo deu errado?

Stiglitz – O que deu errado — e eu antecipei isso — é muito parecido com o que aconteceu durante os dois mandatos do presidente Bill Clinton aqui. Ele assumiu após uma campanha em que o principal lema era "o povo em primeiro lugar", complementada por promover tecnologia, melhorar a educação, enfim, uma ampla e ousada plataforma social. Tudo isso foi colocado em compasso de espera, pois Wall Street ditou que ele tinha de reduzir o déficit público.

 

Pois bem, ele passou oito anos reduzindo o déficit, e a única conseqüência disso foi deixar dinheiro em caixa o bastante para que os republicanos assumissem o governo e patrocinassem o maior corte nos impostos para os mais ricos já ocorrido na história deste país. Ou seja, ele deu dinheiro para as pessoas que pregam o exato oposto do que ele defendia quando candidato. Lula caiu na mesma armadilha do mercado. Ele está agradando o mercado financeiro, ano após ano, dizendo ao povo: "Esperem um pouquinho mais e então nós veremos os resultados". Sem que ele perceba, quatro anos se passaram.

Alguns analistas acham que a esquerda perdeu uma oportunidade histórica com o rumo tomado pelo governo Lula.

Stiglitz – Ele até fez algumas coisas para lutar contra a pobreza. A decepção é que ele poderia ter feito tão mais. Poderia usar de maneira sábia o superávit e investir em ações importantes, como a reforma agrária. Isso não teria sido inflacionário, não pesaria nas contas públicas, mas ele preferiu zerar a dívida com o FMI.

O subtítulo de seu seminário é "O Intrigante Caso do Brasil". O que o intriga no Brasil?.


 

Stiglitz – O sucesso enorme nas exportações, no mesmo nível dos tigres asiáticos, o sucesso enorme nos indicadores macroeconômicos, mas sem crescimento. Isso, em última análise, tem a ver com os altos juros básicos.

O que o sr. faria se fosse convidado a assumir o lugar do ex-ministro Palocci?.

 

Stiglitz – Baixaria os juros e usaria em programas sociais o dinheiro gasto com a dívida.

 

Após o fiasco do Consenso de Washington, o senhor vê as principais economias do mundo chegarem a algum acordo em relação aos países em desenvolvimento?

 

Stiglitz – Há hoje uma gama de "novos consensos". O que prefiro é o que batizei de "O Consenso Pós-Consenso de Washington", que repele o que deu errado com aquele modelo, que confundiu meios com fins, subestimou o papel importante que o governo tem de ter na área social, deu pouca ênfase à desigualdade social e deu mais importância ao controle da inflação do que às taxas de desemprego. É só fazer o contrário.