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Os vestidos de Dona Lu e a Land Rover de Silvio Pereira

Quando Silvio Pereira (que não exercia cargo público) recebeu de presente uma Land Rover, com valor estimado à época em R$ 74 mil, o caso ganhou dimensão de escândalo. Ele foi expulso do PT e massacrado pela opiniã

por Roberto Felício*

A “res-pública” – do latim, “coisa pública”, forma de governo experimentada em outros momentos da história da humanidade se tornou realidade no Brasil, a partir 15 de novembro de 1889, data de sua proclamação. Desde então, nosso país passou a adotar o conceito de que os representantes da população, eleitos através do voto, fossem eles vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, governadores, senadores e, sobretudo, os presidentes, deixariam de ser pessoas comuns, tornando-se “homens públicos” (hoje com forte participação feminina). Portanto, uma parte do patrimônio das cidades, dos estados e da nação.

A livre manifestação do pensamento e de expressão, asseguradas pela Constituição tem sido a mais poderosa ferramenta utilizada entre os formadores de opinião e, principalmente pela imprensa, para denunciar casos de prevaricação, de mau uso do erário, corrupção e, ainda, abuso dos poderes políticos e econômicos. Campanhas contra o nepotismo, por exemplo, têm sido implementadas em muitos municípios brasileiros, como forma de moralizar o Poder Público, com destaque especial aos Poderes Legislativo e Executivo. Aliás, uma iniciativa correta, da qual somos adeptos e que deveria se tornar lei em todo o território nacional.

Esta semana, durante um dos nossos pronunciamentos na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, recorremos aos preceitos republicanos para reafirmar os seus valores, numa referência direta ao caso das quatrocentas peças de roupa, ou duzentos conjuntos, doados à Sra. Maria Lúcia Ribeiro Alckmin, quando ainda exercia o cargo público de presidente do Fundo Social de Solidariedade do Governo do Estado de São Paulo, pelo estilista Rogério Figueiredo; e o escândalo da destinação de verbas do banco estadual Nossa Caixa a veículos de comunicação. Analisemos o primeiro caso: Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Figueiredo admitiu que fez as doações à agora ex-primeira-dama e que, segundo ele, cada conjunto tinha valor que variava entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, e que tem provas para apresentar, caso seja necessário. Portanto, considerando-se uma média, de R$ 4 mil, a esposa do então governador recebeu presentes que somam R$ 800 mil.

A Sra. Lu Alckmin se defendeu, por meio de sua assessoria, alegando que as peças haviam sido doadas à Fraternidade Irmã Clara. Porém, a presidente da entidade assistencial, Elizabeth Teixeira afirmou à Folha de São Paulo, que não tinha conhecimento das doações, até que, dois dias após o escândalo vir a público, Elizabeth recebeu um telefonema de Lu Alckmin, informando que estaria doando dez vestidos de festa à entidade.

Quando Silvio Pereira (que não exercia cargo público) recebeu de presente uma Land Rover, com valor estimado à época em R$ 74 mil, o caso ganhou dimensão de escândalo. Ele foi expulso do PT e massacrado pela opinião pública. O ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu também foi o centro das atenções quando recebeu um relógio Rolex de presente, o qual foi devolvido porque, como ocupante de cargo público, não poderia recebê-lo. É preciso que seja assim, por que a oferta de presentes de valores expressivos (e não estamos falando de pequenos brindes), se configura como tentativa de suborno.

Ao defender sua esposa Alckmin afirmou que as acusações eram “desproporcionais” e que não tem medo de “cara feia”. Provavelmente o ex-governador esteja se referindo aos jornalistas autores das reportagens publicadas pela grande imprensa, já que a denúncia não foi feita pela oposição. Quanto à afirmação de que as acusações são “desproporcionais”, Geraldo Alckmin, portanto, não disse que as mesmas seriam “improcedentes ou mentirosas”. Admite o crime, ainda que em uma escala menor do que foi divulgado.

Lu Alckmin confessou, embora minimizando, que “…foram apenas 40 peças…”. Ora, 40 peças ao preço médio de R$ 4 mil resultam na bagatela de R$ 160 mil – apenas duas vezes mais do que a Land Rover anteriormente citada. A Assembléia Legislativa e o Ministério Público estadual investigam o fato.

Vejamos agora o segundo caso, o da Nossa Caixa. Observemos, aqui, que a denúncia não foi da oposição, que agora, orientada por sua obrigação constitucional (de fiscalizar as ações do Poder Executivo do Estado), busca assinaturas para a instalação de uma CPI. A iniciativa foi do deputado estadual Afanásio Jazadji (PFL), da base aliada de Alckmin. Segundo ele, Alckmin montou um esquema de distribuição de verbas do banco estadual Nossa Caixa a veículos de comunicação, inclusive os que são ocupados por deputados aliados ao governo estadual.

Para que se entenda melhor o escândalo, uma reportagem de Frederico Vasconcelos, da Folha de São Paulo afirma que governo Geraldo Alckmin (PSDB) direcionou recursos da Nossa Caixa para favorecer jornais, revistas e programas de rádio e televisão mantidos ou indicados por deputados da base aliada na Assembléia Legislativa. O jornal diz ter obtido documentos que confirmam a interferência do Palácio dos Bandeirantes para beneficiar com anúncios e patrocínios os veículos indicados pelos deputados estaduais Edson Ferrarini (PTB), Vaz de Lima (PSDB), Afanásio Jazadji (PFL), Geraldo "Bispo Gê" Tenuta (PTB) e Wagner Salustiano (PSDB).

Outra afirmação daquele jornal é que a cúpula palaciana pressionou o banco oficial para patrocinar eventos da Rede Vida e da Rede Aleluia de Rádio. Autorizou também a veiculação de anúncios mensais na revista Primeira Leitura, publicação criada por Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele é cotado para assessorar Alckmin na área econômica. Recentemente, a Quest Investimentos, empresa de Mendonça de Barros, foi escolhida para gerir um novo fundo da Nossa Caixa.

Um dos mais preocupantes desdobramentos do caso foi divulgado recentemente: o ex-gerente de marketing da Nossa Caixa, Jaime de Castro Júnior, que será convocado para depor na Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa, pede proteção policial por estar recebendo ameaças de morte.

Nos corredores da Assembléia Legislativa se diz “à boca pequena”, que o deputado Afanásio Jazadji (PFL) seria “serrista”, ou seja, simpatizante do ex-prefeito José Serra, o que faz supor que a crise tucana se configura como um caso de “fogo amigo”. Até mesmo Fernando Henrique Cardoso, vejam só, afirmou que Geraldo Alckmin deve ser investigado. Os “serristas” continuam inconformados com a derrota do “chefe”, na luta interna do PSDB para a escolha do candidato a presidente.

A nossa atuação institucional exige a apuração dos fatos, pois o povo de São Paulo não pode ser enganado e a Assembléia Legislativa tem o dever de apurar os fatos, para o bem da verdade, da justiça e do zelo com a coisa pública.

*Roberto Felício é professor e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores