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Instabilidade renova democracia e valoriza cidadania, diz Tarso Genro

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Tarso Genro, avalia como a crise política influenciou o país nesse período. "A democracia, se não tem i

O governo federal e o Congresso Nacional enfrentam uma crise política há quase 10 meses. O período foi responsável pela queda de ministros, cassação de deputados, instalação de CPIs, além de um grande debate sobre a transparência dos órgãos públicos e dos partidos políticos. Segundo o relatório final da CPI dos Correios, esse período provocou a investigação, o afastamento ou algum tipo de punição de pelo menos 67 pessoas de diversas estatais (como Correios, IrB, Furnas, e Banco do Brasil), da Câmara dos Deputados, do governo federal e dos partidos políticos.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Tarso Genro, avalia como a crise política influenciou o país nesse período. "A democracia, se não tem instabilidade, ela não se renova. Pelo contrário, ela se dissolve. Ela sucumbe. Nós estamos nesse momento de instabilidade. E nesse momento, com as instituições funcionando de maneira positiva, como estão, isso valoriza a democracia e estimula a cidadania", disse.

Ex-ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e da Educação, Tarso chegou a assumir a presidência do Partido dos Trabalhadores durante a crise. Um dos principais formuladores do partido, o ministro retornou para assumir o papel de articulação entre o governo e o Congresso. Tarso analisa o atual momento da democracia brasileira e diz que a denúncia da Procuradoria Geral da República demonstra autonomia do poder Executivo. "Nesse momento, com as instituições funcionando como estão, isso valoriza a democracia e estimula a cidadania", afirma. Leia a primeira parte da entrevista:

Agência Brasil: Como o governo federal tem encarado o período da crise política? É possível enxergar melhorias na situação democrática do país?

Tarso Genro: Penso que a trajetória da República não é necessariamente o mesmo percurso da democracia. A democracia, como construção do espaço político de igualdade, de aplicação das leis, e afirmação da cidadania, tem sofrido avanços e recuos desde 1930. Enquanto isso, a República moderna vem se consolidando de maneira mais positiva, porque os poderes, apesar de todos os intervalos, funcionam cada vez melhor e cada vez com mais autonomia.

A Procuradoria Geral da República, por exemplo, acaba de fazer uma denúncia que demonstra sua total autonomia para processar dirigentes políticos, quadros políticos e cidadãos. Com absoluta autonomia em relação ao poder Executivo. O período que nos encontramos agora é um período muito complexo de consolidação da democracia no Brasil.

Mais do que isso, de definição da natureza do processo democrático. Se será uma democracia mais tecnocrática ou subordinante dos cidadãos, esperando a manifestação e o acolhimento do Estado. Ou se será uma democracia de maior intensidade, de grande participação popular e com uma certa instabilidade.

A democracia, se não tem instabilidade, ela não se renova. Pelo contrário, ela se disolve, ela sucumbe. Nós estamos nesse momento de instabilidade. E nesse momento, com as instituições funcionando de maneira positiva, como estão, isso valoriza a democracia e estimula a cidadania. A pior democracia que existe é a democracia da cidadania passiva, alienada, que não inquieta, e que, em última análise só cuida da sua relação privada, que é importante, mas significa apenas uma dimensão do ser humano.

Só para responder a sua pergunta. Por exemplo, está em crise uma democracia em que um quarto da população vota? A maioria da população não acorre a um plebiscito? Ou que um presidente é eleito com 22% dos votos? Acho que está em crise.

A visão que sustentamos é que a democracia brasileira precisa incorporar as massas no trabalho, no mercado, e nas relações políticas. Uma democracia com alta participação com os poderes funcionando com previsão, obedecendo as normas e consolidando a sua autonomia e sua independência.

ABr Como o governo vai encarar os próximos meses?

Tarso: Tem ocorrido uma sucessão de denúncias no país. Responsáveis e irresponsáveis, na minha opinião. E às vezes levam a disputa política para um terreno político perigoso, que beira a técnicas um pouco autoritárias que desqualificam o processo democrática. Isso eu acho perigoso. Isso não é republicano. Tentativa de envolvimentos familiares que vão amesquinhando a disputa político.

Isso é natural na democracia, porque só ela suporta excessos. Mas acho que nós temos que nos vacinar em relação a isso. Agora, emprestar seriedade política para esse tipo de contencioso é ruim para a democracia, para a República e para quem participa desse debate. A não ser que isso tenha a ver com alguma questão política séria. Senão eu diria que é uma disputa política pré-moderna, fora do conceito republicano.

Acho que outras denúncias vão se susceder por conta da disputa política. Existe uma parte da imprensa que tem uma visão muito crítica do governo, e ao veicular, isso se torna fato político. É bom que veicule, mas acho que devemos ter o direito, a capacidade e o mesmo espaço das denúncias para responder. Senão a disputa fica desigual.

Acho que temos que ter maturidade para compreender que temos uma crise política, que ela é uma coisa positiva para o país. Mas temos que arrancar dela um comportamento superior dos partidos e dos quadros políticos que os representam.

ABr: No caso da decisão da Procuradoria Geral da União, o senhor vê alguma diferença com momentos anteriores?

Tarso: Quanto a isso, vou manifestar mais uma impressão do que um juízo. Uma posição mais política do que jurídica. Me parece que a Procuradoria Geral da República nos casos atuais tem agido com mais dureza e com mais profundidade do que em outras épocas. Isso não é nenhum depoimento negativo em relação aos procuradores anteriores.

Agora eu também tenho um juízo sobre isso. Essa denúncia que foi feita em relação aos financimentos paralelos de campanha, e, como diz o procurador, uma organização de um núcleo destinado a cometer atos ilegais, essa denúncia é positiva para o país e para os denunciados. Para o país, porque demonstra uma procuradoria atuante. E para os denunciados porque circunscreve tecnicamente do que estão sendo acusados.

E as suas acusações saem de uma esfera puramente política e passam para uma esfera técnica, onde terão amplo direito de defesa e, portanto, terão a possibilidade de se defender e até demonstrar que estão sendo injustiçados. Sem fazer aqui nenhum pré-julgamento.

ABr: Tivemos diversos casos de julgamento puramente político no Congresso? Existe diferença desse caráter entre os espaços de investigação e julgamento no Estado?

Tarso: Toda a decisão de natureza técnico-jurídica tem um componente político. O juiz que determina um despejo, por falta de pagamento de uma família pobre que não pode pagar o aluguel, essa decisão tem um caráter político e um caráter jurídico. As decisões do poder Legislativo que devem estar amparadas juridicamente, mas são decisão predominantemente políticas. Porque ali é lugar da luta política. É o espaço do contencioso democrático. Aliás, o formal, porque ele deve também estar nas ruas em qualquer democracia.

Então, no Parlamento a decisão é político-jurídica. Mas, muito mais política do que jurídica. E, no Ministério Público, uma denúncia e, depois uma sentença judicial, é mais jurídica com base técnica, do que política. E essa predominância não foi inventada malevolamente. É o fato de que todo o sistema legal ou judicial parte de uma norma constitucional, eminentemente política. Isso é natural numa democracia.