Okamotto compara perseguição de hoje a que sofreu na ditadura

Paulo Okamotto, de 50 anos, não é dado a entrevistas. Discreto, falou pouco desde que seu nome surgiu na crise política. Na semana passada, atendeu a um pedido de entrevista do GLOBO. Perguntado sobre os motivos de não quere

Paulo Okamotto, de 50 anos, não é dado a entrevistas. Discreto, falou pouco desde que seu nome surgiu na crise política. A exposição pública nunca foi o forte de Okamotto, que age nos bastidores há 30 anos, sempre para resolver os problemas práticos do Partido dos Trabalhadores. Na semana passada, atendeu a um pedido de entrevista do jornal O Globo. Perguntado sobre os motivos de não querer quebrar seu sigilo, ele chorou. Lembrou que na época da ditadura as pessoas eram submetidas a humilhações como a que a oposição tenta impingir agora aos personagens da atual crise política. "Na época das greves você era detido e o cara te ameaçava: 'Você aí, cala a boca, fica aí, quietinho de pé, ou vai ficar preso', diz Okamotto.

Origem metalúrgica
A única divergência entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu "fiel escudeiro", como o qualificou o Globo, é o futebol. Para a tristeza de Lula, que é corintiano, o amigo Okamotto, a quem lula chama de “Japonês” é palmeirense. E só. No mais, em plena crise política, a amizade acaba de completar 30 anos, sem qualquer rusga. Okamotto, segundo ele mesmo, adora política, mas é do tipo que prefere carregar o piano, de preferência, pelos bastidores.

— Alguém precisa arrumar o carro de som para se fazer política, não é mesmo? Eu sou o cara que gosta de arrumar o carro de som. É o meu jeito de contribuir — diz Okamotto, presidente do Sebrae que pendurou o macacão de fresador na Commander, em São Bernardo do Campo, nos anos 80.

Amigo ideal para um presidente, Okamotto é discretíssimo. Mesmo com uma renda bruta de R$ 30 mil, mora na mesma casa dos tempos de peão do ABC, no Jardim Silvino, em São Bernardo do Campo. Prefere comida simples e roupas confortáveis. O hobby é pegar mudas de plantas por onde vai e plantar na chácara que diz ter herdado do pai, em Atibaia.

— Gosto de ser modesto, detesto ostentação. Mas hoje tenho dinheiro, ganho muito bem — afirma.

Okamotto é de falar pouco e baixo, sempre com posições pragmáticas, concordam amigos e inimigos. Mas é dúbio. Quando fala, sempre projeta o romantismo político sobre a “missão de ruptura” do companheiro Lula. E conta que em sua cabeceira repousam atualmente dois livros: “O Futuro chegou”, do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, e o romance “O caçador de pipas”, de Khaled Housseini.

— Talvez eu seja um pouco pragmático. É que eu procuro não inventar a roda, prefiro buscar conhecimentos espalhados e juntar. Também gosto de conciliar. Adoro política, mas nunca quis ser candidato. Gosto de fazer política em outro patamar, de agir pelas idéias.

Nos quase 30 anos de política, nunca aceitou a linha de frente, mesmo tendo como escola entidades de massas, como o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, a CUT e o próprio PT.
— Ele sempre foi um burocrata. Desde que conheceu Lula age assim. Está sempre pronto a servir o companheiro, do seu jeito centralizador e cumpridor de tarefas— afirma um inimigo.
Foi no sindicato que ele conheceu Lula, em 1976. Okamotto ou “Japonês”, que é como o presidente costuma chamá-lo nos momentos de descontração, admite que se especializou em resolver problemas.
Okamotto nasceu em Mauá e, aos 6 anos, ficou órfão do pai. Começou a trabalhar cedo, num bar da família. Logo virou arrimo de família e foi trabalhar no ABC. Uma das suas mágoas é não ter conseguido estudar. Compartilha a frustração com Lula. Aprendeu política na militância sindical, nos cursos de formação marxista.
Em todas as lutas, ao lado de Lula

Em 1980, com a prisão de Lula pelo regime militar, foi da direção provisória do sindicato. Okamotto integrou o novo comando, assumindo a tesouraria, onde ficou de 1981 até 1984. Foi eleito na chapa de Jair Meneguelli, hoje presidente do conselho do Sesi (Serviço Social da Indústria). Depois, o Japonês foi presidente estadual do PT, de 1988 a 1992. Em 1989, foi o tesoureiro da campanha derrotada de Lula. Participou de todas as suas campanhas.
Com a derrota para Fernando Collor, Okamotto ajudou Lula a montar o governo paralelo, em torno do Instituto Cidadania, que depois foi presidir, entre 2001 e 2002. Antes, passou pelo Dieese, pela CUT e dirigiu a gráfica da Associação Beneficente dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, originada do Fundo de Greve do ABC dos anos 80.
— Deixa as pancadas com a gente. Nós levamos as pancadas e preservamos você, que é o presidente — dizia sempre Okamotto a Lula, desde os tempos do ABC até a última campanha, conta um amigo dele.
Por causa da amizade e da proximidade com Lula, Okamotto sofreu várias acusações de irregularidades —nenhuma delas foi comprovada até hoje— mas nunca reclamou nem retirou seu apoio.

Confira abaixo os trechos da entrevista que o Globo publicou na sua edição de hoje (16/4):
Afinal, quem é Paulo Okamotto, um antigo peão do ABC que virou epicentro de crise nacional?

PAULO OKAMOTTO: Um cidadão que tem clareza das dificuldades do país. Um cara que acredita em sonhos e batalha por eles desde que se entende por gente, com família, três filhos. Sou ideológico. Acho que as coisas podem ser diferentes e que estamos num processo.
Como surgiu a amizade com Lula?

OKAMOTTO: Eu sempre admirei muito a postura dele, as coisas que ele falava. E sempre o acompanhava. Fui conhecendo mais o Lula pessoa. A gente fazia o PT, fui fundador, dirigente, ajudamos a construir a CUT. E muitos dos nossos companheiros preferiram ir para a CUT e eu quis mais o PT, com o Lula. Acompanhei Lula em todas as suas candidaturas.

Depois chegou o ex-ministro José Dirceu. Mas o senhor continuou sendo o mais próximo de Lula…

OKAMOTTO: É, nós somos da mesma cidade, da mesma categoria, militamos muito tempo juntos. É que agora é fácil, Lula é hoje o presidente da República. Mas quando a gente é derrotado, fica pouca gente, não é?
O senhor tem sido muito criticado por operações do passado com o caixa do partido. Qual foi o seu papel?

OKAMOTTO: O PT precisava ser construído, mas não foi uma coisa fácil. O processo de ganhar uma prefeitura e governar foi complexo. Fui muitas vezes a Campinas, o PT queria “matar” o Jacó (Bittar).
Em Campinas foram muito fortes as denúncias de corrupção contra Bittar.

OKAMOTTO: Eu não vivo em Campinas, não vivia. Essa coisa de você se meter a apurar denúncias… Você não tem instrumentos, o partido não dispõe deles. Não tem o Ministério Público, o poder de polícia. Eu compreendi muito tempo atrás que o partido não é esse instrumento.
E por que o senhor não autoriza a quebra de sigilo bancário pela CPI?

OKAMOTTO: Não há dificuldades de a CPI obter informações do meu sigilo. Só que o processo está errado. Como está montado, para uma devassa em minhas contas, é uma coisa que como cidadão não quero discutir.
Por que não?

OKAMOTTO: (Chorando) Sabe o que acontece? Eu tenho uma trajetória de luta contra isso. Na época das greves você era detido e o cara te ameaçava: “Você aí, cala a boca, fica aí, quietinho de pé, ou vai ficar preso”. Presenciei muitas cenas assim, de autoritarismo. Foi uma humilhação permanente. A gente, que tem uma trajetória mais popular, pensa: Por que querem quebrar meu sigilo? Tem dinheiro de empresa, de Valério na minha conta?
Mas teria o pagamento de uma conta do presidente da República…

OKAMOTTO: Claro que tem, eu tenho salário para fazer isso.
Há suspeitas de que o senhor não aceita a quebra porque ela revelaria que o senhor não teria pagado, ou usado dinheiro do valerioduto. E alguns amigos seus dizem que sua renda nem permitiria tal generosidade.

OKAMOTTO: Tenho, sim. Tenho salário, retiradas e saques no banco. Tenho uma pequena empresa de brindes que tem receita, tenho uma aposentadoria também. Ganho R$ 24 mil no Sebrae, mais a aposentadoria, a empresa. Creio que tenho uns R$ 30 mil brutos por mês.
Como foi o pagamento da conta do presidente no PT?

OKAMOTTO: Fui cuidar da rescisão do Lula e o pessoal levantou todas as pendências dele, desde 97. Eram lançamentos para viagem. Dirigentes que ficam três, quatro dias fora, pegam dinheiro e, às vezes, não prestam contas ou deixam pendências. E de uma época em que o dólar subia. As despesas da dona Marisa também foram lançadas para o nome do Lula.
A situação estava irregular?

OKAMOTTO: Bom, como já estava lançado e a contabilidade do partido tem que ser aprovada pelo Tribunal Eleitoral, e como estava aprovada, não quiseram mexer naquilo e ficaram insistindo na cobrança. E eu não queria criar um constrangimento entre o tesoureiro (Delúbio Soares), o partido e o presidente da República. Houve uma discussão um pouco mais difícil, achei que houve uma responsabilidade do ponto de vista da gestão do partido, porque essas coisas têm que ser cuidadas com mais seriedade, imagine cobrar contas de 97, 98. E a única forma de resolver isso era fazer o ressarcimento ao partido em nome do Lula. Ainda que ele não pudesse dar o dinheiro. Mas daí ele (Delúbio) disse que para fazer isso tinha que ser em dinheiro. Agora dá até para entender porque ele estava tão nervoso, o partido estava com muitas dificuldades econômicas. Então eu resolvi pagar do jeito que eu podia. Arrumei os recursos, saquei, juntei, peguei dinheiro que pedi para minha mulher retirar lá. Fiz as parcelas e paguei.
E o senhor também pagou contas de loja e de campanha da Lurian?

OKAMOTTO: É folclore. Dizem que sou contador do Lula. Não sou, não.
A amizade com o presidente aumenta o peso dessa decisão?

OKAMOTTO: Olha, o sindicato, o PT me deram uma dimensão do que é este país, da luta que a gente enfrenta. Eu devo isso ao Lula. O que seria do Brasil sem uma liderança como o Lula? Eu tinha dois sonhos na vida: um era eleger o Lula, um peão. E o outro desafio era terminar o governo.
O senhor teme não terminar?

OKAMOTTO: Pensava que as dificuldades seriam por outros motivos, do tipo: aumentamos demais as conquistas sociais. E a pressão da elite faz parte desse processo.
O senhor teve uma experiência como tesoureiro. Como o senhor vê a ação do Delúbio Soares?

OKAMOTTO: Fui tesoureiro da Frente Brasil em 89 e do sindicato, depois não fui mais. Mas acho que as campanhas políticas levam as pessoas a fazerem dívidas. Eu fiz em outra história, em outro momento. Havia a militância ali, as pessoas ficavam horas em pé para comprar material, para contribuir, passavam lista nas portas de fábricas.
E o pragmatismo acabou com o romantismo?

OKAMOTTO: O Brasil tem o problema de fundos. Se todo mundo baixasse a bola e começasse a discutir o financiamento de campanha…
Diante de tantas dificuldades, o presidente pode ainda escolhê-lo para as finanças desta campanha?

OKAMOTTO: Não voltaria porque isso precisa ser feito por quem tenha mais relações. O ideal é o tesoureiro do partido, ou arrumarmos um empresário acima de qualquer suspeita.
O senhor já sofreu várias acusações. O cargo seria um problema?

OKAMOTTO: Por isso mesmo. Acho que há uma maldição dos tesoureiros. Depois do Collor e do PC Farias, ficou uma maldição. Já estou afastado disso desde 92 e não me disponho, não.