Valdemar Menezes: Das Contrafações do Direito

Em sua coluna semanal Concidadania, publicada aos domingos no jornal O POVO, de Fortaleza, o jornalista Valdemar Meneses faz uma interessante análise da denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, enquadr

Os meios políticos fervilham com o documento do Ministério Público Federal (MPF) denunciando parlamentares, ex-membros do governo e lobistas como uma suposta ''quadrilha´´ organizada ''com o fito de carrear dinheiro público para garantir o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores´´. O estupor diante dos sinais de que a iniciativa está eivada de ''coincidências´´ suspeitas cresce à medida que se faz uma observação mais atenta. Estranhamente, o documento de denúncia usa o termo ''mensalão´´ sem nenhum rigor técnico, encampando de maneira inapropriada o conceito empregado panfletariamente pela oposição para designar uma suposta atividade de suborno que, no dizer de Roberto Jefferson, se faria mensalmente, ou pelo menos, periodicamente. Ao usar o termo ''mensalão´´ sem correspondência com o seu significado original, o MP compromete a seriedade de seu trabalho, pois confunde a opinião pública, ao referendar o que tem sido ''vendido´´ desonestamente como '´mensalão´´ por certos políticos e certa mídia.

Aliás, os rumores sobre suposta articulação com dirigentes oposicionistas da CPI dos Correios já circulam na mídia. O documento também não faz a distinção entre o chamado ''mensalão´´ e caixa 2. Tamanhas falhas não são admissíveis, do ponto de vista processual. Esperava-se de um órgão como o Ministério Público que agisse com critérios técnicos e científicos e não como um instrumento político. Em segundo lugar, é igualmente estranho que tenha se açodado para fazer a denúncia imediatamente após o relatório da CPI dos Correios, mesmo sabendo que a Justiça não teria tempo de analisar o pedido antes das eleições. Igualmente intrigante é que tenha determinado abrir acusação contra exatas 40 pessoas – não 39 ou 41. Uma coincidência incrível, quando se vê que isso se encaixou como uma luva na campanha torpe que se seguiu de imediato, através do mote satírico ''Ali Babá e os 40 ladrões´´, providencialmente posto em circulação por certos golpistas, através do recurso a uma sofisticada técnica mnemônica de manipulação subliminar das consciências.

Por que não se esperou passar as eleições para se fazer a denúncia, já que era notória a impossibilidade de resposta imediata da Justiça? Por que se preferiu expor pessoas que têm o direito constitucional de não serem tratadas como culpadas até que o processo tenha transitado em julgado (isto é receba uma sentença definitiva?) quando se sabia que elas ficariam meses a fio sem poder se defender, com o agravante de ser um período de confronto
político-eleitoral? Isso não é um bom sinal, no que diz respeito à isenção. Compare-se a isso o comportamento dos porta-vozes do sistema dominante que são ''useiros e vezeiros´´ em acusar o PT de menosprezar a ordem jurídica, por qualquer manifestação que escape ao padrão formal do liberalismo, usando para isso um carimbo que se tornou recorrente: estalinismo, bolchevismo. No entanto, quase ninguém abre o bico quando os personagens fazem parte do
outro panteão ideológico. Basta ver a verdadeira enxurrada de agressões aos direitos constitucionais dessas pessoas, proferidas nos últimos dias, em certos meios de comunicação, pelo simples fatos de terem sido incluídas numa peça acusatória do MP. Ora, no Estado Democrático de Direito ninguém será considerado culpado sem o devido processo legal e sem que este tenha transitado em julgado (tenha havido sentença definitiva). Há, por acaso,
dois tipos de cidadão no Brasil?

Magistrados devem julgar a partir das provas colhidas nos autos. Mas, também é certo que, embutidos em seus juízos estão os valores e pré-conceitos da ideologia dominante (embora individualmente possam resistir a essa camisa-de-força). O que se espera do MP é que atue de forma técnica, imparcial (não basta alegar '´independência´´ nas atuais circunstâncias) e explique uma incógnita: que estranhos corruptos são esses do PT que não tiveram acréscimo em seu patrimônio? O MP tem a obrigação de fazer uma devassa no patrimônio dos acusados, sobretudo José Dirceu e Genoíno (contra quem deságua toda a ira da direita), e ter a presteza de apresentar seus resultados à opinião pública. É o mínimo que se espera em termos de Justiça.