A cúpula de São Paulo e a coerência do Estadão

Por Bernardo Joffily
A manchete de hoje (27) do Estado de S. Paulo: “Lula insiste no gasoduto, que para Bolívia é ´maluquice´”. O editorial do mesmo diário ontem: “A ameaça boliviana”; acusa

A coerência do Estadão é sólida. Apenas, exige do leitor um pouco de malícia para que descobrir qual o seu fio condutor. O vetusto diário achava-se numa posição pouco cômoda para noticiar um passo adiante da política externa de integração sul-americana – a cúpula de ontem em São Paulo, onde os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner e Hugo Chávez decidiram somar esforços, no Gasoduto do Sul e em outras frentes.

Para sair-se do apuro, o capista do Estadão socorreu-se da declaração de um vice-ministro boliviano, Julio Gómez. Ontem, no editorial, invocava a Petrobras (!) para isolar a Bolívia. Anteontem, apoiava-se em richas de comércio para fincar uma cunha entre o Brasil e a Argentina. E todo santo dia vitupera os Grandes Satãs do Continente, Fidel Castro e Hugo Chávez.

O fio condutor dos Mesquita

O fio condutor é não deixar que estes governantes, e as suas nações e os seus povos, unam forças no projeto integracionista. Soa como um completo contra-senso para o órgão dos Mesquita que os sul-americanos se dêem as mãos, como na cúpula de ontem, ao invés de se voltarem as costas uns para os outros e se sujeitarem, se não à Alca, pelo menos aos TLCs (Tratados de Livre Comércio) com os Estados Unidos.

Como esta não é uma pílula que se doure facilmente, vale tudo para o Estadão: dos questionamentos técnicos ao gasoduto – que de fato será uma proeza, com seus quase 10 mil quilômetros, em boa parte cortando as selvas do Orinoco e do Amazonas – aos questionamentos ambientais, ou o que mais houver, até as tramas separatistas da elite nazistóide para separar Santa Cruz da Bolívia. Não é de incoerência que se deve acusar O Estado de S. Paulo.

…E no entanto a integração avança

O notável é que, a despeito da ginástica jornalística do Estadão, e de tantos dos seus congêneres pelo continente afora, a integração sul-americana avança, como evidenciou a cúpula de ontem. Aos trancos e barrancos, em meio a pequenos, médios e grandes contratempos, ela segue adiante. Contra a opinião publicada, contrariando mesquinhos interesses locais e enormes interesses setentrionais, vai desbravando seu caminho.

Não é por acaso. A integração continental avança porque conta com a força das coisas necessárias. No mundo globalitário deste início de século 21, cem vezes mais que no esforço profético de Simón Bolívar, ou os sul-americanos (e latino-americanos!) nos ergueremos juntos, ou nos deixaremos enterrar um por um.

É esta outra coerência, oposta à do Estado mas nem por isto menos sólida, que há de nos compelir à união. Lula sabe disto. Como o sabem Evo, e Kirchner, e Chávez, e Fidel, e Tabaré Vásquez, e Ollanta Humala. Ainda bem.