Salário mínimo: tudo que você queria saber e não achava

Com uma impressionante massa de fatos e números, o Dieese divulgou no último dia 21 a nota “técnica” intinulada “Valorização do salário mínimo – um imperativo da ética econômica e social”. O


Valorização do salário mínimo – um
imperativo da ética econômica e social

Ao longo dos anos, a perda de poder aquisitivo do salário mínimo contribuiu para aumentar a desigualdade no Brasil. Somente a partir de 1995 – quando o salário mínimo valia um quarto de seu poder aquisitivo inicial – tem início um processo de recuperação, que o leva em abril de 2006, a 40% de seu valor em 1940, quando foi instituído.

Quando se observa a trajetória do valor do salário mínimo, de julho de 1994 aos dias de hoje, pode-se constatar que ações do passado têm forte rebatimento no presente. Se seu valor fosse apenas corrigido pela inflação do período desde então, longe de alcançar um valor digno, o salário mínimo, hoje, estaria num patamar inferior ao atual. Corrigido pela variação do INPC-IBGE, o salário mínimo equivaleria a cerca de R$ 197 em abril de 2006. Teria sido essa uma política que nos aproximaria ou nos distanciaria da meta de desenvolvimento com distribuição de renda? Qual seria o impacto desse valor hipotético sobre os níveis de pobreza, sobre a participação de crianças no mercado de trabalho, sobre a pressão pelo uso dos serviços públicos (de saúde, educação, segurança pública), sobre a dignidade da população brasileira?

Com um salário mínimo de menor poder aquisitivo, o Brasil estaria ainda mais distante da sociedade desejada, porque o salário mínimo é um instrumento potente de distribuição de renda. Sua presença nos lares mais pobres e sua função como instrumento de proteção de trabalhadores mais vulneráveis atestam que seus benefícios são sentidos, direta ou indiretamente, por ampla camada social brasileira. Deste modo, é evidente que uma estratégia de desenvolvimento com distribuição de renda tem, no valor e numa política consistente do salário mínimo, um papel muito importante.

Em fins de 2004, por meio de um movimento unitário, seis centrais sindicais brasileiras (CAT – Central Autônoma dos Trabalhadores; CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores; CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil; CUT – Central Única dos Trabalhadores; Força Sindical e SDS – Social Democracia Sindical) deram início a uma campanha para elevar o valor do salário mínimo, que resultou no reajuste de R$ 260,00 para R$ 300,00 em maio de 2005. Esse reajuste representou um aumento real de 8% em relação ao INPC-IBGE. Com a manutenção da campanha das seis centrais em 2005, o salário mínimo foi fixado em R$ 350,00 a partir de abril deste ano. Em termos reais, o aumento do mínimo em 01 de abril de 2006 foi de 13% frente ao valor de maio de 2005 e de cerca de 25% no atual governo, isto é, na comparação do valor real de 1º de abril de 2006 com o de 1º de maio de 2002.

Outro resultado muito importante da campanha de final de 2005 foi o compromisso de retomada do funcionamento da Comissão Quadripartite (com trabalhadores da ativa, aposentados, empresários e governo), instituída quando do reajuste de maio de 2005. Essa Comissão deverá discutir uma política de valorização do salário mínimo

Brasil: riqueza, desigualdade e pobreza

O Brasil caracteriza-se por uma profunda desigualdade social e econômica, seja quando esta avaliação é feita por indicadores internos à nação, seja quando a avaliação é feita numa perspectiva internacional.

Tomando o salário mínimo como referência, vê-se que o Brasil trilhou um caminho de aprofundamento da desigualdade, gerando riqueza sem distribuí-la de forma equitativa. Pelo Gráfico 1, constata-se o grande abismo entre o crescimento do PIB per capita e o do salário mínimo. Em outras palavras, os dados revelam a distância entre a evolução do valor que, em média, é criado na sociedade por cada pessoa, em relação à evolução do que é pago como o mínimo para a sua sobrevivência, sem falar na de sua família.

Como resultado de um padrão de crescimento econômico concentrador e excludente, o Brasil apresenta indicadores que revelam uma profunda desigualdade. A desigualdade da distribuição da renda pessoal pode ser vista através do índice de Gini (Para se entender o índice de Gini, deve-se ter em mente que, quanto mais próximo de zero o indicador, maior é a igualdade numa certa distribuição; e que, quanto mais próximo de um o indicador, mais desigual é a distribuição).

A distribuição das rendas individuais de todos os trabalhos no Brasil é mais igualitária quando são considerados os segmentos de menor nível de renda da população. Caso fossem considerados apenas os 80% de trabalhadores com menores rendimentos de todos os trabalhos, o indicador teria um valor próximo ao verificado na Índia. Por outro lado, a desigualdade acentua-se significativamente quando se inclui o segmento dos 5% dos rendimentos individuais mais elevados.

Agravando esse quadro distributivo, a distribuição funcional da renda tem apresentado um forte processo de concentração, favorecendo os detentores do capital em detrimento dos trabalhadores que tiveram sua participação no bolo reduzida de 57%, em 1949, para 36%, em 2003. 

Desta forma, o país apresenta, por um lado, uma forte desigualdade na distribuição da renda individual e, por outro, uma forte concentração na renda funcional. Isto gera um processo altamente excludente da grande maioria da sua população.

As variações do Salário Mínimo ao longo da história

No Brasil, o salário mínimo foi instituído em 1º de maio de 1940, para vigorar a partir de 1º de julho daquele ano. Foram então definidos 14 níveis salariais diferentes, a serem aplicados em regiões delimitadas pelo Governo Federal, a partir de pesquisa nacional que permitiu aferir o valor mais frequente das remunerações mais baixas praticadas em cada uma das áreas.

Pouco a pouco, o salário mínimo foi sendo unificado por regiões geográficas, até chegar a ser o salário mínimo nacional, em 1984.

A evolução de mais de meio século do salário mínimo no Brasil experimentou quatro fases bem distintas.

 A primeira fase, de consolidação, compreendeu o período que vai desde 1940 até 1951. Corrigido para valores de março de 2006, o primeiro valor decretado correspondia a R$ 922,50. No ano de 1943, o salário mínimo foi reajustado duas vezes e, embora a lei previsse correções em períodos não superiores a três anos, permaneceu congelado até 1951. A queda violenta de seu poder de compra de 1946 até 1951 ocorreu simultaneamente ao desmonte dos controles da economia, parte dos objetivos da política liberal do governo Dutra.

A segunda fase, de recuperação do salário mínimo, correspondeu ao período 1952 a 1964. Entre 1952 e 1959, houve um forte crescimento de seu poder aquisitivo, que chegou, em janeiro de 1959, ao maior valor da história: R$ 1.329,15 a preços de março de 2006. De 1960 a 1964, seu valor permaneceu estável.

O crescimento do salário de base, na década de 50, ocorreu simultaneamente ao processo de industrialização no Brasil. Isso se deu tanto pelo compromisso do governo com uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento e com um projeto de Nação quanto em função das lutas sindicais travadas no período. A pauta de reivindicações incluía reajustes salariais, 13º salário – conquistado em 1962 -, salário família – decretado em 1963 -, e as campanhas nacionais pelas reformas de base, registradas até 1964.

A terceira fase, marcada pela restrição do salário mínimo, iniciou-se em 1965 e se prolongou até meados da década de 90. Durante o governo militar (1964 –1984), com a repressão ao movimento sindical, a eliminação da estabilidade no emprego e a política de arrocho salarial, o país caminhou para uma efetiva concentração de renda. Entre 1965 e 1974, o salário mínimo mantinha, na média anual, apenas 69% do poder aquisitivo de 1940.

A mudança da política salarial, a partir de 1974, e a introdução dos reajustes semestrais, em 1979, chegaram a sinalizar uma recuperação do valor real do salário mínimo até o ano de 1982 (21,2%). Ao longo da década seguinte – que passou para a história como a “década perdida” – o salário mínimo retomou a trajetória de perda crescente do poder de compra. De 1983 a 1991, o poder aquisitivo do salário mínimo caiu acentuadamente, passando a valer, em média, apenas 43% do vigente em 1940. Essa tendência prolongou-se até 1994, quando chegou a valer um quarto do valor instituído em 1940.

Finalmente, a partir de maio de 1995, quando valia um quarto do seu poder aquisitivo, o salário mínimo inicia um movimento de recuperação, que o levará a cerca de 40% de seu valor inicial, em abril de 2006.

A abrangência do Salário Mínimo

No Brasil, quase 40 milhões de pessoas têm o salário mínimo como referência dos seus rendimentos. Uma política de valorização do salário mínimo tem, assim, uma forte abrangência sobre o conjunto do mercado de trabalho, tanto formal quanto informal, bem como sobre os trabalhadores já aposentados que recebem um piso previdenciário, conforme ilustram os dados abaixo:
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Total de pessoas que ganham até 1 salário mínimo
Beneficiários INSS 16.005.542
Empregados 11.296.591
Conta-Própria 7.888.102
Trabalhadores domésticos 4.462.962
Empregadores 198.506
Total 39.851.703
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Também do ponto de vista regional, o salário mínimo tem forte expressão como referência de rendimento dos ocupados no mercado de trabalho, podendo ser considerado como um importante instrumento de combate à desigualdade regional da renda. No Nordeste, os NOTA TÉCNICA Valorização do salário mínimo: um imperativo da ética econômica e social 8 trabalhadores que ganham até um salário mínimo representam 58% dos ocupados; no Norte representam cerca de 37% e, na média brasileira, 32%.

Por uma política de recuperação do Salário Mínimo

O salário mínimo é um importante instrumento de distribuição de renda. A maioria dos países desenvolvidos implantou políticas de valorização do salário mínimo, o que resultou na dinamização do mercado interno. Nesses países, a política de salário mínimo está inserida no conjunto de políticas sociais como o seguro desemprego, a aposentadoria e a renda mínima garantida para pessoas com ou sem ocupação e com rendimento abaixo da linha de pobreza – limite da condição de miséria. Em geral, nos países desenvolvidos, o salário mínimo acaba por atingir segmentos bem reduzidos de trabalhadores – jovens, temporários, pessoas em treinamento ou com jornada reduzida – dado que a maioria recebe acima deste valor, mesmo os menos qualificados.

No Brasil, a elevação do valor do salário mínimo significaria um crescimento da renda das famílias de baixo poder aquisitivo, o que ativaria a economia por meio dos efeitos, diretos e indiretos, decorrentes do aumento do consumo. A elevação da renda dessas famílias, além de aquecer o mercado interno, contribuiria para viabilizar o crescimento sustentado da economia.

Outro objetivo, não menos importante, é minimizar, pela ação governamental, a tendência de o mercado de trabalho reduzir o valor dos salários na renda nacional, fixando um piso salarial capaz de garantir aos trabalhadores – especialmente aos menos qualificados – e suas famílias, condições básicas de sobrevivência.

Da mesma forma, a discussão sobre desenvolvimento sustentado no Brasil deve passar, necessariamente, pela diminuição da exclusão e da desigualdade social, incorporando um número cada vez maior de pessoas ao mercado. É quase impossível desenvolver uma política de correção da desigualdade sem que se utilize o salário mínimo como um de seus principais instrumentos.

A eficácia de uma política de combate à desigualdade deve combinar uma política de valorização do salário mínimo com outras políticas e medidas. Os obstáculos ao crescimento do salário mínimo devem ser enfrentados por essas políticas, de modo a viabilizar (e não, impedir) o processo de desenvolvimento socioeconômico com distribuição de renda.

O crescimento econômico é importante para a elevação real do salário mínimo, de forma a permitir que a estrutura de produção e as finanças públicas suportem o processo de crescimento de seu valor. Mas não é condição suficiente. A realidade brasileira serve perfeitamente como exemplo. De 1940 até 2004, o PIB per capita cresceu cinco vezes, enquanto o salário mínimo real decresceu a menos de 1/3 do seu valor inicial.

O valor do salário mínimo brasileiro, para além de um mero instrumento de política econômica, deve ser discutido numa perspectiva baseada em princípio de ética e de justiça. O salário mínimo deve ser valorizado como forma de se constituir num instrumento para construção de um padrão digno de condição de vida dos trabalhadores, para combate da desigualdade distributiva e para promoção de efetiva inclusão social. Pensar uma política para o salário mínimo é fazer uma opção pelo país que se quer construir.

Fonte: http://www.dieese.org.br