Masp dedica mostra a Degas, o “impressionista marginal”

A exposição "Degas: o universo de um artista" tem 196 obras e vai até 20 de agosto no Masp.

Aberta ao público nesta quarta-feira, 17 de maio, “Degas: o universo de um artista” poderá ser vista até o dia 20 de agosto no Museu de Arte de São Paulo – Masp. A maior exposição de obras do artista já realizada no Brasil ressalta, entre outras características de sua abundante obra, um certo caráter voyeurista em Degas, algo que se apresenta em sua temática (mulheres em cenas íntimas, bordéis, bailarinas em ensaios), ou no posicionamento de seu olhar, ou no enquadramento da cena, ou na luz artificial que ilumina as cenas em seus quadros, ou nas cores esbatidas por penumbras.

Edgar Degas é apresentado na exposição em recortes temáticos representativos de sua vasta e diversificada produção artística, sempre acompanhado de obras de outros autores de sua contemporaneidade e de outras anacrônicas, porém determinantes das influências na formação do complexo artista que foi. A exposição foi concebida em três núcleos, com as obras dispostas em vários espaços do subsolo do Museu; Ana Magalhães, especialista em Degas e consultora da exposição, explica: “As obras estão dispostas em várias constelações, gerando um espaço fluído para o visitante, sem divisões muito marcadas entre os núcleos, nem seguindo um percurso cronológico. Esses núcleos não irão se constituir como salas separadas, estanques, mas dialogarão entre si. Também serão apresentados num mesmo espaço os diferentes suportes como os pastéis, óleos e esculturas de modo a evidenciar determinado tema, uma vez que Degas trabalhava a mesma situação a partir de várias técnicas e suportes”.

Hilaire-Germain-Edgar de Gas, o Degas, era o jovem filho de uma tradicional família burguesa parisiense que, aos 20 anos, abandonou o curso de Direito para dedicar-se à arte. Herdeiro de banqueiros e de algodoeiros de Nova Orleans, pode viver de sua arte e colecionar um impressionante acervo de obras (que incluiu, entre outros, trabalhos de El Greco, Ingres, Delacroix, Corot, Coubert, Daumier, Manet, Cézanne, Gauguin, Van Gogh e Mary Cassat). Apenas aos 40 anos de idade sofreu um grande revés financeiro quando teve que assumir dívidas de família por ocasião da morte de seu pai. Foi nesta época, em 1874, que se viu obrigado a obter sustento de sua pintura e juntou-se a Monet, Renoir, Pissaro, entre outros, para a montagem da primeira mostra impressionista, aquela que daria nome ao movimento.

O impressionista marginal –
Embora seja um dos mais importantes nomes do Impressionismo, Degas distingui-se de seus colegas não só pelo temperamento retraído e pela sua abastada condição social, mas principalmente em questões centrais que caracterizam o movimento: raramente pintou paisagens – mesmo quando retratava as corridas de cavalos, os jóqueis, as cenas de caça e as paisagens, mesmo sendo estudados no local em seus mínimos detalhes mediante rascunhos e esboços, eram mais tarde reelaborados em seu estúdio -, iluminava seus quadros, portanto, com luz artificial, trazia de sua habilidade como desenhista a força do traço em suas composições, a nudez foi-lhe tema escasso, não tinha a obsessão pela busca do jogo de luz e cores que tanto caracterizam o impressionismo, exceto já em fase tardia, quando as cores aplicadas com pastel traçavam figuras de menos contorno, menos definição; técnica que melhor lhe serviu de resposta à sua progressiva cegueira (morreu cego, em 1917, com 83 anos).

Degas usou técnicas e métodos diversos: do óleo à tempera, da impressão à escultura. Mas elegeu o pastel, principalmente a partir da década de 1880, quando seu problema de visão agravou-se. Foi neste mesmo período que começou a esculpir por ser esta uma técnica em que os recursos táteis podem suprir a falta da acuidade visual.

Em “Degas: o universo de um artista”, podem ser vistos diversos desenhos do artista, além de telas como “Jovens Espartanas” ou o retrato – era exímio retratista – “Madame Théodore Gobillard” (1869) que ilustram exemplarmente o acentuado destaque no traço das figuras, característica presente em maior ou menos grau em toda sua obra que faz dele o melhor desenhista de sua geração. Na contramão da tendência impressionista, pois todos buscavam desenfreadas explosões de cor, Degas interessava-se pelo traço, tanto que em “Madame Théodore Gobillard” vê-se uma figura bege, mas bem contornada, em “Marguerite de Gás”, uma garota cinza; o mesmo padrão repete-se em tantas outras pinturas expostas, ratificando esta característica que fazem de Degas um “impressionista marginal”.

Outra característica que tipifica a obra de Degas e que pode ser percebida em vários exemplos de telas expostas é a influência da linguagem fotográfica que se desenvolvia em seus dias. Vários de suas telas apresentam enquadramento deliberadamente inusual, com imagens cortadas nas bordas dos quadros; em outras, a linha do horizonte eleva-se desproporcionalmente; há, ainda, aqueles em que a perspectiva inverte-se abruptamente. Os objetos semi-aparentes nas bordas do quadro fornecem a ilusão de que a cena continua para além da moldura, como se ele olhasse sempre pela objetiva de uma máquina fotográfica ou pelo buraco de uma fechadura ou por uma fresta na coxia dos balés, reforçando o aspecto voyeurista de que falaremos um pouco mais a seguir (veja álbum de fotos).

O registro do movimento –
No que se refere à temática, Degas foi um aficionado pelo movimento. Dedicou predominante parcela de sua produção à obstinação por retratá-lo, por isso elegeu temas como as corridas de cavalos, o ballet clássico, as lavadeiras, passadeiras e costureiras em seu ofício, as prostitutas nos bordéis parisienses. No sentido de ilustrar esta preferência temática a exposição do Masp é pródiga. Além do conjunto de dezenas de bailarinas e cavalos fundidos em bronze que pertencem ao acervo do próprio museu, somam-se peças de mais 10 grandes museus. Segundo Eugênia Gorini Esmeraldo, uma das curadoras da exposição ao lado de Romaric Sulger-Büel, “graças à qualidade do acervo do Masp conseguimos reunir, em uma única mostra, peças de 10 dos museus e instituições mais conhecidos do mundo. São instituições para as quais costumamos emprestar nossas obras. Isso demonstra a importância e a força do acervo do Masp, que tem uma política de empréstimos para grandes museus e instituições. Além disso, pretendemos dar à exposição um caráter bastante didático para o público ter uma idéia completa sobre a carreira de Degas”. O museu paulistano é uma das quatro instituições do mundo que possui a coleção completa dos bronzes de Degas: são 73 peças em acervo. Nas pinturas, possui um óleo – “Quatro bailarinas em cena” – e dois pastéis – “Mulher enxugando a perna esquerda” e “Mulher enxugando braço esquerdo (Após o banho)”. Todas essas obras estão exibidas na exposição.

Entre as telas emprestadas, destaca-se “A Aula de Balé” (1880) que pertence ao Museu de Arte da Filadélfia (não confundir com a obra-prima de Degas, “A Aula de Dança”, que pertence ao Louvre e é falta sentida nesta mostra em São Paulo).

Degas voyeur –
Está exposta também uma série de monotipias de 1879 que Degas fez sobre cenas de bordéis parisienses. Acompanhando estes trabalhos, podem ser apreciadas 22 águas-fortes que Pablo Picasso produziu em 1971 em homenagem ao colega francês. São cenas cubistas do pintor parisiense como voyeur entre prostitutas que parodiam com um erotismo quase pornográfico o conjunto das monotipias eróticas de Degas que Picasso colecionou.

Degas foi fecundo retratista de mulheres em momentos íntimos. Além das banhistas, das bailarinas nuas descansando, das prostitutas em bordéis, retratou outras tantas se vestindo, tocando-se, penteando-se ou sendo massageadas, como se vê, por exemplo, no bronze “A Massagista”, um dos mais expressivos entre os expostos.

Além das obras de Degas que estão expostas, vale destacar outras grandes obras que merecem a atenção do público, como “A Condessa Van Muyden”, de Modigliani, “Madame Cézanne”, de Cézanne, e “Angélica Acorrentada”, de Ingres, pertencentes ao Acervo do Masp. A Exposição terá um catálogo bilíngüe (português-inglês) com textos assinados por especialistas, sob a coordenação editorial da consultora e especialista em Degas, Ana Gonçalves Magalhães.