Bancos brasileiros são campeões mundiais de usura e spread

Desde setembro de 2005, o BC fez sete cortes na Selic e derrubou quatro pontos percentuais da taxa básica, mas o juro final ao consumidor recuou só 1,7 ponto. E o spread nem se mexeu. Assim, os bancos aproveitam as oscilações para turbinar o

por André Barrocal

As taxas reais de juros pagas pelo governo a financiadores da dívida pública, de 14,5% em média nos últimos dez anos, impressionam, mas o tomador final sofreu – e sofre – bem mais, tanto com o PSDB quanto com o PT no poder federal. O juro médio cobrado das pessoas físicas e empresas foi de 47% ao ano, entre 2000 e abril de 2006, segundo dados fornecidos pelo Banco Central (BC). A taxa garante aos bancos brasileiros o troféu de campeões mundiais da usura e pode ser explicada pelo despreparo administrativo e por uma voraz busca por lucro que não tem similaridade com as instituições estrangeiras.

Na origem da asfixia imposta ao tomador final está a taxa básica de juros (Selic) definida pelo BC. A Selic funciona como referência de juro. É o mínimo que os bancos aceitam cobrar nos empréstimos com recursos livres, que não seguem regras, como ocorre, por exemplo, no crédito ao setor rural. Se for para esfolar menos o consumidor, preferem aplicar em título público e ganhar o juro do BC. O lucro fácil com títulos desviou as instituições financeiras da finalidade de operar crédito, encobrindo as falhas estruturais e a ganância do sistema financeiro que terminam de explicar os abusivos juros ao consumidor.

As falhas e a ganância ficam evidentes ao se analisar o chamado spread, adicional que os bancos botam em cima do juro básico na hora de calibrar o juro final. É com o spread que as instituições arrumam dinheiro para pagar funcionários e impostos, prevenir-se de calote dos tomadores de empréstimos e extrair lucros.

De 1996 a 2005, o spread médio no Brasil atingiu 25% ao ano, segundo dados obtidos no BC. Uma pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) citada em um estudo do economista Alberto Borges Matias, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, mostra que, em 2003, o Brasil liderava o ranking do spread, seguido de longe por Rússia (9%), Índia (5,4%) e Tailândia (4,6%). No Chile, o spread era 12 vezes menor. No México, 60 vezes menos.

BRASILEIROS X ESTRANGEIROS

No estudo, o economista confrontou dados contidos nos balanços dos três maiores bancos privados brasileiros (Bradesco, Itaú e Unibanco) com os de cinco estrangeiros – Citigroup, Bank of América, Deustche Bank, Santander e HSBC. Para comparar melhor e com mais exatidão, Borges Matias usou indicador que chamou de “spread total”, entendido como o adicional sobre o juro básico somado às tarifas cobradas dos correntistas – “as taxas cobradas nos serviços funcionam como poder de barganha nas instituições em contraponto às taxas cobradas nas operações de crédito”, justifica o estudo.

Borges Matias concluiu que o spread total no Brasil é 2,5 vezes superior ao estrangeiro (11,8 pontos percentuais antes 5,1 pontos). O motivo principal são os custos dos bancos nacionais ao trabalhar com crédito ao consumidor. O spread para cobrir estes custos é de 6,22 pontos no Brasil e de 2,63 pontos no exterior. Segundo o economista, as instituições brasileiras tornaram-se despreparadas para trabalhar com empréstimos e fugiram dessa atividade, depois de descobrir o lucro fácil financiando o governo. “As despesas estruturais são elevadas no sistema nacional principalmente devido a um baixo volume de crédito total”, afirma Borges Matias. No Brasil, o crédito gira em torno de 30% do produto interno bruto (PIB). Na Europa e no Japão, supera 100%. Nos EUA e no Chile, está acima de 60%.

Além do spread associado aos empréstimos, os bancos brasileiros também botam, nas taxas de juros, spreads maiores que os estrangeiros para quitar impostos (1,5 ponto a 0,49 ponto), administrar a inadimplência (1,57 ponto a 0,52 ponto) e, principalmente, assegurar lucros (3,13 pontos a 1,37 ponto). No caso do lucro, o spread nacional é mais que o dobro do estrangeiro. A constatação prova que as instituições brasileiras são mais gananciosas que suas similares estrangeiras. “Isso é muito mais característico no Brasil”, diz a economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maryse Farhi, que não fez a afirmação baseada no estudo, mas na sua experiência em política monetária.

A ganância dos bancos brasileiros também pode ser verificada ao se comparar a trajetória dos juros básicos do BC e as taxas impostas ao consumidor. O aumento da Selic vai total e instantaneamente para o juro final, mas o mesmo não ocorre quando a taxa diminui. Os bancos aproveitam as oscilações da Selic para turbinar o lucro.

Entre setembro de 2004 e maio de 2005, o BC elevou a Selic nove vezes, num total de 3,75 pontos percentuais. No período, a taxa média cobrada pelos bancos do tomador final cresceu quatro pontos percentuais. O spread, que não tem relação com a Selic, subiu 2,2 pontos. Já de setembro de 2005 a abril de 2006, o BC fez sete cortes na Selic, que caiu quatro pontos percentuais. Mas o juro final recuou só 1,7 ponto. E o spread nem se mexeu.

“Há movimentos contraditórios. Quando a Selic sobe, a taxa para o tomador final sobe imediatamente. Quando cai, há uma resistência enorme à queda. Ela se dá a conta-gotas”, diz o economista da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli, ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal.

CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA

Para Piscitelli, a “contradição” traduz ganância dos bancos e explica-se pela concentração do setor. Segundo o BC, dez instituições controlam mais de 80% do crédito no Brasil. E cresce, como demonstra a recente aquisição do Bank of America pelo Itaú. Uma barreira que poderia ser colocada à concentração seria transferir a análise das fusões e aquisições bancárias do BC para o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), especializado no combate a cartéis. Mas um projeto de lei com tal proposta está parado há anos no Congresso. Não há interesse político em votá-lo. A enorme quantidade de doações de bancos nas campanhas eleitorais dos parlamentares ajuda a entender o desinteresse.

A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) não concorda com a avaliação de que o setor seria muito concentrado. “Não existe concentração. Me aponte um setor menos concentrado que o bancário. Nenhum outro tem 10 empresas com 80% [do mercado]”, afirma o economista-chefe da entidade, Roberto Luis Troster. Piscitelli admite que a economia brasileira é oligopolizada como um todo e ressalva: “Uma coisa é ter oligopólio de aço, outra é no aluguel do dinheiro.”

Segundo Troster, o juro alto cobrado do tomador final tem quatro motivos principais: selic elevada, tributação asfixiante, quadro institucional inadequado (dificuldade para executar garantias de devedores) e elevados compulsórios – aquela parte dos depósitos feitos nos bancos que fica obrigatoriamente retida no BC. Para baixar os juros, seria preciso mexer nas quatro variáveis, de acordo com a Febraban.

O governo atual adotou duas medidas para atacar um dos quatro fatores apontados pela Febraban, o “quadro institucional inadequado”. A aprovação de uma nova Lei de Falências, que ainda está devendo resultados (queda de juros) que mostrem que valeu à pena sacrificar direitos trabalhistas em favor dos bancos. E a criação do empréstimo com desconto no salário, o chamado crédito consignado, em dezembro de 2003. Neste caso, já houve efeitos concretos. O juro médio imposto à pessoa física era de 62% em 2002, de acordo com dados fornecidos pelo BC, e caiu a 55% em 2004, patamar mantido em 2005. Ainda abusivo, mas menor.

Fonte: Carta Maior