`Avante!´: Soberania ameaçada em Timor Leste

“Soberania ameaçada em Timor”: sob este título semanário Avante!, órgão central do Partido Comunista Português, publica hoje (22) longa matéria sobre a crise em Timor Leste. Avante!, que tem acompan

O primeiro ministro de Timor Leste, Mari Alkatiri, desmentiu as acusações de Vicente da Conceição “Railos”, segundo o qual o governo terá formado um grupo armado com o objetivo de eliminar adversários políticos. Em conferência de imprensa ocorrida anteontem, dia 20, no Palácio do Governo, em Díli, o primeiro-ministro timorense respondeu às acusações vindas a público nos últimos dias e manifestou total disponibilidade para colaborar com todas as solicitações requeridas pelas investigações em curso.

De acordo com as declarações anteriores do chefe do grupo miliciano, o ex-ministro do Interior, Rogério Lobato, e o próprio responsável do executivo maubere, Mari Alkatiri, terão distribuído armas e dado ordens a “Railos” para comandar uma força de intervenção paralela ao contingente policial, cujo fim seria identificar e eliminar os opositores internos e externos à Fretilin, partido que obteve a maioria parlamentar nas eleições legislativas mas cuja ação tem sido, desde então, alvo de críticas, boatos e bloqueios por parte de partidos e personalidades alojados noutros quadrantes políticos e de interesses.

Alkatiri considerou ainda as suspeitas levantadas por “Railos” desprovidas de fundamento, e acrescentou que “se for solicitado” a prestar esclarecimentos no âmbito do apuramento judicial desta matéria está “disposto a colaborar”.

Em Díli, o Ministério Público anunciou a abertura de um inquérito sobre a formação de “esquadrões da morte” e ordenou a imediata detenção de Rogério Lobato no caso do ex-ministro tentar a fuga do país, cenário que, de um momento para o outro, começou a ser ventilado na capital timorense sem no entanto existirem indícios de que tal possa vir a acontecer.

Fonte ligada à ONU também precisou à agência Lusa que as Nações Unidas deram início a uma investigação sobre os acontecimentos de abril e maio no território, respondendo assim a uma solicitação feita por José Ramos-Horta junto da organização, mas rejeitou “juízos preconcebidos, com pessoas a serem consideradas culpadas”. “Não faz sentido iniciar uma investigação com qualquer tipo de convicção quanto à culpabilidade de quem quer que seja”, disse o responsável citado pela agência noticiosa portuguesa.

O mandato da Unotil, missão das Nações Unidas no território, cujo prazo expirou no passado dia 19 de maio, foi entretanto prorrogado por mais dois meses, subsistindo, apesar desta decisão, a dúvida sobre o envio de um contingente de “capacetes azuis” para a ilha asiática.

Em entrevista ao semanário Expresso, publicada na edição de sábado passado, Lobato admitiu ter pedido a colaboração do grupo de “Railos” enquanto “pisteiros”, isto é, integrando-os exclusivamente como batedores em colaboração com as forças da ordem. O antigo responsável pela tutela da Polícia Nacional de Timor Leste não adiantou dados sobre a alegada distribuição de metralhadoras ao grupo, deixando apenas a suspeita de que, neste caso, estarão envolvidos outros agentes políticos, incluindo Xanana Gusmão, interessados em “demonizar” o governo da Fretilin.


Teia de cumplicidades


Entretanto, o agora ministro da Defesa de Timor, José Ramos-Horta, empossado no cargo depois do presidente Xanana Gusmão ter “sugerido” a Alkatiri o afastamento do então titular do cargo, Roque Rodrigues, figura destacada na direção da Fretilin, visitou o grupo revoltoso estacionado em Leutala, no distrito de Liquiçá.

Na visita à localidade a cerca de 50 quilómetros de Díli, Ramos-Horta encontrou-se com os quase 30 elementos liderados por “Railos” e, após considerar a situação “grave e delicada”, não se escusou a comentar as acusações destes contra o governo timorense.

A respeito da alegada distribuição de armas promovida pelo executivo da Fretilin, o qual Ramos-Horta integra, o governante disse que “lhe custa a crer que seja verdade” mas deu voz às suspeitas afirmando que “este grupo parece ser fidedigno, sério e sente-se defraudado”. Ramos-Horta acrescentou que o grupo está disposto a “entregar as armas ao presidente da República”, desde que, disse também, “as armas sejam preservadas como evidência de um crime”.

A concluir, o titular da pasta da Defesa mencionou a existência de “muitos outros grupos armados da mesma maneira e com os mesmos objetivos”, palavras que pouco ajudam a serenar os conflitos existentes, antes pelo contrário, perpetuam o clima de boato sobre o presumível envolvimento do governo de Alkatiri na constituição de milícias.


Vizinhos atentos


Antes da se deslocar junto de “Railos”, Ramos-Horta seguiu os passos de Xanana Gusmão e encontrou-se com responsáveis indonésios. De acordo com os próprios, a visita procurou “descansar” o governo de Jacarta quanto ao aparente caos no território e sensibilizar os ex-ocupantes no que à presença de tropas estrangeiras enviadas por Portugal, Nova Zelândia, Malásia e Austrália diz respeito.

Da parte dos australianos, a postura tutelar e de manutenção dos conflitos parece ser cada vez mais evidente. Os “mal-entendidos” e animosidades para com o contingente da GNR sucedem-se. Paralelamente ao número de militares australianos já estacionados em Timor, Camberra fez ainda saber, na sequência de uma visita relâmpago efetuada pelo ministro da Justiça da Austrália, Chris Ellison, e pelo comissário da Polícia Federal daquele país, Mick Keelty, que o número de efetivos policiais em Díli vai passar para o dobro.


Peticionários entregam armas


Já no final da semana passada, o grupo de militares que no mês de abril iniciou a contestação ao governo da Fretilin, encabeçados pelo oficial Alfredo Reinado, procedeu à entrega de armas automáticas às tropas australianas, cumprindo, desta forma, com as garantias dadas ao presidente timorense, Xanana Gusmão.

Alkatiri manifestou o seu contentamento pelo sucedido expressando que tal ato constitui “um bom começo para estabilizar o país, para criar confiança entre a população”. Perante a garantia de que os outros dois grupos de militares rebeldes acantonados em Gleno, no distrito de Ermera, igualmente conhecidos como “peticionários”, também irão proceder à entrega dos fuzis, o primeiro-ministro reiterou que “não pode haver armas nas mãos de civis ou de pessoas que não pertençam a instituições como as Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste ou a Polícia Nacional de Timor-Leste”, aproveitando a ocasião para incitar “outros” (grupos milicianos) a seguirem o exemplo dado pelo homens às ordens do major Reinado.

Durante a deslocação a Bali para se encontrar com o homólogo indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono, Xanana Gusmão afirmou que “não foi o major Alfredo que provocou o problema, temos muitas outras questões em que pensar”, ou seja, segundo o chefe de Estado, a crise político-militar desencadeada tem razões mais profundas que o levantamento castrense, entre as quais as diferenças quanto às orientações políticas fundamentais levadas a cabo pelo governo da Fretilin, legitimamente empossado após ter recolhido mais de 55% dos votos populares.

Sobre esta questão, importa notar que, ainda na passada segunda-feira, o parlamento de Díli foi obrigado a prorrogar o prazo dado ao governo para a apresentação de uma versão corrigida do Código Penal.

O impasse na aprovação dos diplomas durava desde Julho de 2005. Em causa estava a dúvida presidencial sobre a aplicação de pena de prisão aos acusados pelo crime de difamação. O governo cedeu neste aspecto e no futuro Código Penal de Timor Leste passam a figurar, pela seguinte ordem, os crimes contra a paz, a humanidade e a liberdade; crimes contra as pessoas; crimes contra a vida em democracia; crimes contra o património; crimes contra a realização da justiça; crimes praticados no exercício de funções públicas; crimes de falsificação e crimes contra a economia.


Eurodeputado do PCP exige respeito pelo povo


Em face dos acontecimentos em Timor Leste e do eco dado aos conflitos no território, o Parlamento Europeu (PE) discutiu e aprovou uma resolução sobre a matéria, no passado dia 15 de Junho.

Na intervenção proferida na sessão, o eurodeputado eleito pelo PCP, Pedro Guerreiro, considerou que “o conteúdo da resolução se caracteriza pela sua parcialidade no que se refere à leitura da situação política. Parcialidade que encerra o perigo de alimentar tentativas internas e externas de aproveitamento político que podem levar a novas situações de tensão”.

De acordo com o parlamentar comunista, “por parte do Parlamento Europeu, o que se impõem, neste momento, é uma atitude de valorização da atuação e esforço de todas as instituições timorenses” e, neste sentido, exige-se o apoio ao regresso à normalidade em matéria de segurança; a defesa da soberania do povo no respeito pleno pela sua livre opção na escolha dos respectivos representantes; a rejeição liminar de dinâmicas de ingerência externa, “nomeadamente por parte das potências regionais, a Austrália e a Indonésia”, destacou; e a promoção da solidariedade desinteressada com vista ao desenvolvimento económico e social de uma nação destruída por décadas de ocupação e que, à escassos quatro anos, conquistou a independência.

Analisando o texto aprovado no PE, acresce, segundo Pedro Guerreiro, que “a resolução escamoteia os perigos reais de ingerência externa”, conduta que “comporta dois perigos: direcionar todas as responsabilidades da situação para um dos órgãos de soberania timorenses, e não alertar para os perigos futuros de destabilização que manobras de ingerência, mais ou menos diretas, podem ter num país ainda marcado pela ocupação indonésia e pelas manobras de destabilização que milícias armadas têm vindo consecutivamente a levar a cabo”.

Por fim, o eleito do Partido sublinhou não só não ser “adequado estar a colocar a questão da presença de capacetes azuis” como ser necessário “que as forças militares e policiais estacionadas no território permaneçam apenas até a situação estar estabilizada, submetendo-se, por um lado, às suas cadeias de comando nacional e, por outro, ao poder político timorense de acordo com o teor dos acordos bilaterais, com o quadro constitucional do país e as normas do direito internacional”. 

Fonte: www.avante.pt/