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Haroldo Lima é condecorado com a Medalha Tiradentes no Rio de Janeiro

Homenageado com a Medalha Tiradentes, uma das principais condecorações do estado do Rio de Janeiro, Haroldo Lima lembra os anos de resistência e clandestinidade vividos por militantes políticos durante a ditadura militar.

"Este é o reconhecimento aos que enfrentaram a vida clandestina, a tortura, os anos de prisão política, e foram, finalmente, anistiados em 1979”, declarou Haroldo Lima, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), ao receber a Medalha Tiradentes, a maior comenda do estado do Rio de Janeiro. A homenagem foi prestada pelo deputado Edmilson Valentim (PCdoB/RJ) em sessão da Assembléia Legislativa no último dia 8.

Militante político desde 1961, quando ainda fazia parte da Ação Popular – incorporado pelo PCdoB em 1972 – o baiano Haroldo Lima, hoje com 65 anos, é um nome respeitado no meio político nacional. A partir do golpe militar, passou a viver na clandestinidade. Em 1976, sentiu de perto o peso da ditadura militar, quando foi preso no dia em que aconteceu a Chacina da Lapa, em São Paulo.

Na cerimônia de entrega, Valentim destacou a trajetória de vida de Haroldo. A homenagem foi acompanhada por sua esposa Solange Rodrigues e familiares. Na mesa do plenário da Alerj estiveram presentes Ana Rocha, presidente do PCdoB/RJ, Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB/RJ, Fernando Gusmão, vereador comunista da cidade do Rio de Janeiro, Newton Reis, também diretor da ANP e o empresário Antônio Augusto Queiroz Galvão.

Veja a seguir o discurso proferido por Haroldo Lima no plenário da Alerj.

“Saudações

Sinto-me muito honrado em receber a Medalha Tiradentes, a mais importante condecoração da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Tamanha distinção, nunca foi por mim esperada.

Expresso o meu mais sincero agradecimento aos que me outorgaram essa honraria, os senhores deputados dessa Casa. De forma especial, abraço o Deputado Edmilson Valentim, autor da proposição que ora se concretiza, camarada e amigo, de quem guardo recordações que remontam aos tempos em que estávamos na memorável Assembléia Nacional Constituinte de 1987, onde ele, sendo o mais jovem constituinte, se destacou como operário e comunista.

Ao receber a comenda que leva o nome do mártir maior de nossa luta libertária, Tiradentes, começo por homenageá-lo, pelo exemplo que nos legou, de homem que sonhou alto por sua terra, procurou os meios de realizar seu sonho e, levado ao sacrifício, soube morrer com dignidade.

Interpreto também, a Medalha que agora recebo, como uma homenagem que a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro presta, através da minha pessoa, a todos os brasileiros que estiveram rebelados por duas décadas, a partir dos primeiros anos sessenta, quando a liberdade foi enclausurada em nosso país. É um reconhecimento aos que enfrentaram a vida clandestina, a tortura, anos de prisão política, e, anistiados em 1979, perseveraram na construção da Nação, atuando sob novas formas, que levaram, no meu caso, à Câmara Federal por vinte anos, e agora, à Diretoria Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que é por onde estou passando.

Semelhanças Rio-Bahia

Vinculo ainda essa homenagem à minha querida Bahia, consciente de que não estaria aqui, não fossem as condições que aquela terra generosa tem me proporcionado.
Quem recebe a Medalha Tiradentes naturalmente sente-se mais próximo do Rio de Janeiro, desse lugar incrivelmente belo e prenhe de história e exemplos edificantes de brasileiros ilustres. Por isso, vejo-me impelido, neste momento, a realçar razões que fazem com que essa homenagem seja para mim tão cara e tão honrosa.

É que o Rio de Janeiro e a Bahia são dois dos mais característicos rincões do Brasil. E entre eles há um hábito, espontâneo e saudável, o de se admirarem mutuamente, de se curtirem, e até de se homenagearem reciprocamente. Nos anos trinta, aqui no Rio, o então poeta maior da Vila, Noel Rosa, compôs uma música intitulada “Na Bahia”, onde conta que é “na Bahia” que “o Brasil principia” e onde, perspicaz, descobriu que, foi “na Bahia” “que Jesus pregou sua filosofia”. Em 1969, em retribuição, o baiano Gilberto Gil, arguto, revelou que “o Rio de Janeiro continua lindo” e “continua sendo”.

A base dessa empatia mútua é variada, tem raízes históricas e culturais comuns, plantadas nos cenários envolventes e arrebatadores das baias da Guanabara e de Todos os Santos, que se espraiam, ao sul e ao norte de cada uma, formando, aqui no Rio, recantos de rara beleza e poesia como Copacabana, Ipanema, Região de Lagos, Campos dos Goytacases e na Bahia, Porto Seguro, Trancoso, Itapuã, Costa do Sauipe. Tudo favorece ao encontro dos estilos, aos jeitos parecidos de ser baiano e carioca: loquazes, festeiros, criativos e irreverentes.

Mas não é só nos estilos, nas raízes e nas paisagens que baianos e cariocas se encontram e se inspiram. Também na postura frente à brasilidade e à construção do Brasil. Nos diferentes setores da atividade, através dos seus filhos mais destacados, essa gente denota visão nacional, empenha-se, não apenas por sua província, mas por todo o Brasil, pensa, não só o local onde nasceu, mas o conjunto da Nação, escreve, fala, age e canta para todo o país. Vejam o baiano Rui Barbosa. Suas bandeiras principais foram o desenvolvimento nacional e a igualdade de direitos entre as Nações. Reparem o fluminense José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco. Sua labuta básica foi resolver as intrincadas pendências fronteiriças de todo o Brasil, com a quase totalidade dos países da América do Sul. E resolveu. Sem nunca apelar para as armas. Confiram o carioca Machado de Assis. Tornou-se Mestre na arte de escrever, não apenas para os cariocas, mas para todos os brasileiros, mais precisamente, para todos os que escrevem e lêem em língua portuguesa, no Brasil e fora dele. Fundou a Academia Brasileira de Letras e foi o maior escritor do Brasil.

Essa vocação transcendental, que não se dobra ao localismo, é a marca da atividade dos que assumem o projeto nacional brasileiro, em construção. Na maior parte da história da Nação brasileira, o cenário principal onde essa marca esteve presente foi o Rio de Janeiro.

Quando começa a colonização, em 1549, a Bahia era o centro político e cultural do
país, com Salvador sendo a primeira capital brasileira, até 1763. Aí, o Governo Geral vem para o Rio, onde permanece até 1960. Salvador foi capital do Brasil por um pouco mais de dois séculos. O Rio, por um pouco menos de dois séculos. A Bahia esteve no centro da vida do país nos albores da Nação, o Rio, na construção nacional.
Essa vocação do Rio foi facilitada pelo papel que ele teve de centro político do Brasil na maior parte do tempo do Brasil-Nação. Papel que ele cumpriu com galhardia, posto que, através de processos conflituosos e contraditórios, a construção nacional fez-se – pois somos uma Nação – e está em curso, – pois seremos uma Nação maior e mais justa.

Grandes marcos da construção nacional decidiram-se, desenrolaram-se ou começaram nesta cidade, inclusive com a participação de brasileiros de outras plagas, que no Rio desempenharam funções de vulto, como foi o caso do paulista José Bonifácio de Andrada e Silva, que, com seu espírito patriótico e sua habilidade, maquinou e urdiu a Independência, em 1822.

Princesa Isabel

A Abolição da Escravatura coroou quase três séculos de resistência dos escravos e terminou na maior, mais prolongada e mais ampla mobilização popular já feita no Brasil por um objetivo concreto – o fim da escravatura. A ampla frente, que então se formou, ia dos quilombos aos clubes abolicionistas, passando por partidos políticos, órgãos de imprensa, intelectuais, religiosos, estudantes, nessa onda crescente que a verve baiana de Castro Alves estimulava exortando “cresce, cresce, seara vermelha/ cresce, cresce, vingança feroz”.O desfecho dessa ampla e demorada jornada se deu aqui, no Rio de Janeiro, pelas mãos de uma Princesa, Isabel, retratada quase sempre, como de participação secundária e formal no processo. Há entre nós certa tendência a criar versões que diminuem o significado das coisas.

Recentes descobertas, trouxeram à tona manuscrito da Princesa Isabel, datado de 11 de agosto de 1889, dirigido ao Visconde de Santa Victória, um banqueiro, onde a Princesa articulava fundos, para, segundo suas palavras, “colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos”.

O manuscrito da carioca Isabel de Bragança, nascida no bairro de São Cristóvão, mostra que ela tinha clareza das conseqüências de seus planos: “Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam desse nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brazil”. Na despedida, nesse manuscrito, Isabel revela, idéias muito avançadas para sua época. Ei-la escrevendo: “..as mudanças que tenho em mente como o senhor já sabe, vão além da libertação dos captivos. Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos grilhões do captiveiro doméstico, e isto será possível através do Sufrágio Feminino.! Si a mulher pode reinar também pode votar.!” Impressionante! Na época, o voto feminino não existia em nenhum país do mundo. Apareceu, pela primeira vez, na Nova Zelândia, cinco anos depois. No Brasil, foi introduzido no bojo da Revolução de 30, através de decreto do Presidente Vargas, em 1932, quarenta e três anos após, se bem que, muito antes da França e da Itália, que incorporaram o voto feminino em 1945; da Bélgica, que o fez em 1948; de Portugal, em 1970; e da civilizada Suíça, que só permitiu o voto feminino em 1971.

Um projeto para o Rio

O comando transformador da Revolução de 30 fez-se a partir do Rio, de onde saíram as determinações que assentaram as bases estruturais modernas do Estado brasileiro, o Conselho Nacional do Petróleo, a Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Hidrelétrica do S. Francisco, a Fabrica Nacional de Motores, o Código de Águas, o Instituto Geológico e Mineralógico do Brasil, o Conselho Nacional de Ferrovias, a Comissão de Planejamento Econômico, o Instituto de Química, o Plano Geral de Viação Nacional, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio etc. etc.

Mas a Revolução de 30 propiciou, por outro lado, no Rio de Janeiro, o surgimento de idéias e experiências inovadoras, de projeção nacional, em outras esferas de atividade. Na administração do prefeito Pedro Ernesto, especialmente no terreno da educação, ocorreu fato incomum, quando, para dirigir esse setor por aqui, que era o Distrito Federal de então, Pedro Ernesto chamou, em 1931, um baiano de 31 anos, Anísio Teixeira. O carioca e membro da Academia Brasileira de Letras, Alberto Venâncio Filho, a propósito, escreve que “durante quatro anos, Anísio realizou como Secretário da Educação e Cultura a obra mais importante em matéria de educação no plano estadual que já se fez nesse país.”

O coroamento do seu trabalho foi a fundação da Universidade do Distrito Federal, em abril de 1935. Um ano antes, havia sido fundada a Universidade de São Paulo, a USP, em um contexto em que prevalecia a idéia, em S. Paulo, de que o grande estado precisava recuperar a hegemonia perdida nas Revoluções de 30 e de 32, preparando pessoal qualificado para dirigir grandes empreendimentos. Os objetivos principais para a fundação da USP, citados no Dec. de fundação da Universidade, de número 6283, de 25.01.1934, eram exatamente a “preparação das elites” e a “formação das classes dirigentes”. No Decreto número 5513, de 4 de abril de 1935, que criou a Universidade do Distrito Federal, aqui no Rio, as expressões “preparação das elites” e “formação das classes dirigentes” foram flagrantemente desusadas. E a primeira finalidade da nova Universidade, enunciada no seu decreto de fundação está assim escrita: “promover e estimular a cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento da comunidade brasileira”.

Por onde se vê que a Universidade do Distrito Federal, criada em 1935, tinha inspiração diferente da Universidade de São Paulo, fundada em 1934. A do Distrito Federal foi criada por Anísio Teixeira, que segundo estudiosos poderia ser tido como de uma corrente “liberal democrática”, e ao que eu agrego o aspecto “nacional”. A USP foi criada, por Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo, tidos, pelos mesmos estudiosos, como de uma corrente “liberal elitista”. O certo é que a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, filiava-se a um projeto de Brasil.

Impressionante é o corpo docente que Anísio atraiu para a UDF. Tinha nomes como, ele próprio, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, seu primeiro Reitor, Lauro Travassos, Bernard Gross, Lélio Gama, Jorge de Lima, Lourenço Filho, Prado Kelly, Venâncio Filho, Delgado de Carvalho, Carneiro Leão, Lúcio Costa, Gilberto Freyre, Josué de Castro, Artur Ramos, Hermes Lima, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes Neto, Heitor Vila Lobos, Cândido Portinari, Mário de Andrade, Cecília Meireles e vários alemães, franceses e americanos. Essa constelação de intelectuais foi dissolvida pelo clima obscurantista que se seguiu ao equívoco da Insurreição comunista de 1935, que levou ao afastamento de Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto e Pedro Ernesto dos cargos que ocupavam.

Recorro a esses fatos dispersos da história do Rio, para acentuar o quanto me desvaneço ao me sentir, agora, mais próximo a eles, em função da Medalha Tiradentes que esta Casa me outorga.

A bela história do Rio de Janeiro continuou por todo o século XX e adentra o XXI. Naturalmente não é uma história linear, nem só estão presentes fatos positivos. Houve e há dificuldades, retrocessos, atraso, ausência de perspectiva política mais ajustada no tratamento dos desafios sociais, o que faz com que problemas pareçam estar ficando crônicos, desafiando gerações. Mas a perspectiva nacional do Rio, seguiu em frente.

Ditadura Militar

Quando, em 1968, o regime ditatorial ia em um crescendo de repressão e autoritarismo, o Rio de Janeiro pôs na rua a Passeata dos Cem Mil, que transcendeu os limites da cidade e do estado e se transformou no primeiro e enfático brado de protesto do Brasil, contra a marcha sinistra da ditadura de então. Era o dia 26 de junho.

Gestos desse tipo, vocacionados pelo geral, que transcendem os aspectos locais, e que são freqüentes na terra carioca, aparecem também, como já visto, em outras plagas brasileiras. Em 1967, por exemplo, um fato ocorreu, fora do Brasil. Um baiano interpretou-o de um ponto de vista não provinciano, nem mesmo nacional, mas supranacional. Na exata hora em que soube da morte do herói Guevara, o Che, o baiano Capinam, passou a mão em suas armas afiadas – uma caneta e um papel – e tenso, e ferido, e chorando, e de uma só tirada, redigiu uma retumbante declaração de amor, a um continente inteiro, evocando, febril, “el nombre del hombre muerto”, gritando, “antes que o dia arrebente”, “hasta te comover”, “soy loco por ti America”.

Termino. Quis agradecer a Medalha Tiradentes que essa Assembléia me concedeu, sublinhando o quanto valorizo a história dessa terra, que se desenvolve com os olhos voltados para o Brasil, tal qual um farol que ilumina mais longe a senda da construção nacional. Exalto os personagens que aconteceram e acontecem por aqui, e louvo personagens e eventos que aqui e alhures se sucedem, e que abrem caminho para a construção de nossa Nação, carente de crescimento bem maior do que o que está tendo, para se por à altura de sua missão histórica de ser grande, como grande é seu território e seu povo, de ser solidária, especialmente com as nações menores, de ser altiva e soberana e de ser justa na distribuição de seus bens.

Muito obrigado”

* Intertítulos do Alerta Rio