Gastos sociais e financeiros: quem são os beneficiados?

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) elaborou um estudo que desmente dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o desempenho do investimento público.

Por Osvaldo Bertolino

Ao contrário do que afirmam economistas do Ipea, que chegaram a sugerir redução de gastos com programas sociais, o governo Lula fez mais investimentos em infra-estrutura do que a segunda gestão da “era FHC”. A média de investimentos públicos de 2003 a 2006 (considerando o orçamento deste ano) é de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a média de 1998 a 2002 é de 1,8%, considerando as estatais federais. O presidente do BNDES, Demian Fiocca, destaca que em 2003 os investimentos públicos recuaram em razão do desaquecimento econômico. "Como resultado de situação de crise no ano anterior, foi necessário restringir mais os investimentos, mas nos anos seguintes em que a economia voltava a caminhar bem, o governo mostrou ter conseguido ser consistente na sua postura responsável na política fiscal ao mesmo tempo em que entende a necessidade de elevar os investimentos em infra-estrutura", afirma Fiocca.

Na semana passada, economistas do Ipea divulgaram uma análise na qual condenam gastos do governo com Previdência e programa sociais, que estariam sufocando os investimentos em infra-estrutura. "O investimento público do governo federal passou da média de 0,95% do PIB em 2001-2002 para a média de 0,51% do PIB nos últimos três anos", diz o texto do Ipea. A solução de “ajuste fiscal” apontada pelos economistas do Ipea para promover o “crescimento econômico sustentável” a médio prazo seria que "o crescimento dos gastos sociais e da Previdência (INSS) aumentem a um ritmo menor do que o crescimento do PIB nominal”. "É a única forma de reduzir a carga tributária, aumentar o investimento público e não comprometer o ajuste fiscal", recomendam os economistas do Ipea.

Essa é uma polêmica de fundo no governo, que reflete a luta entre os dogmas dos “ortodoxos” que ocuparam importantes postos no Estado — principalmente na “era FHC” — e a visão do investimento público como carro-chefe para promover o desenvolvimento do país. Mais do que isso: revela que a tese de que a campanha eleitoral deste ano não teria confronto no terreno macroeconômico não procede. Os economistas do Ipea, por exemplo, deixaram de lado o custo dos juros sobre as receitas da União, concentrando-se em todas as demais despesas do Estado. Segundo eles, de 2001 a 2005 o chamado gasto não-financeiro passou de 16,1% do PIB para 17,7%, com aumento de 9,9% no período. Mas as variações abertas do gasto total foram muito diferentes. O gasto com salários do pessoal ativo aumentou menos, 4,5%, como proporção do PIB (2,2% para 2,3%). As despesas correntes, utilizadas para gerir a máquina pública, caíram 16,7% (de 2,4% do PIB para 2%).

Algo meio místico

Outro estudo interessante para este debate, também do Ipea, mostra o peso dos aumentos do salário mínimo acima da inflação desde 1994 no cálculo da dívida pública. Nesse período, o Estado teria destinado R$ 250 bilhões, ou 12,1% do PIB, estimado para este ano em R$ 2,2 trilhões. Sem os aumentos do salário mínimo, dizem os economistas do Ipea, a relação entre a dívida pública e o PIB seria de 37,9%, e não de 50%. Para os conservadores, o cenário sem esse peso do aumento salarial apresentaria um “risco-Brasil” muito menor e, em conseqüência, os juros seriam bem mais baixos. Nessa conta, fica fácil perceber a grande diferença existente entre os dois programas de governo que estão em debate.

A questão é política: trata-se de definir quem tem poder sobre o quê. Os defensores da tese de que o Estado não deve se envolver com objetivos sociais certamente não vêem o peso da montanha de dinheiro que circula no cassino global como um problema. Os gastos sociais sim. Eles acham que o Estado deve se especializar cada vez mais na gerência das despesas financeiras e se limitar a prover alguns serviços básicos. Caberia à “iniciativa privada” o cuidado com os destinos da sociedade. Para eles, problemas crônicos da economia brasileira, como concentração de renda e altas taxas de juros, são condições naturais que não devem ser mudadas. Essa defesa aparece em definições como “instituições sólidas”, “gestão republicana” e “fundamentos da economia”. Algo meio místico, que seria imutável por natureza, na verdade uma fórmula que mantém a gestão da macroeconomia imune a manifestações da vontade popular.