Mestre Raimundo: Festa da renovação dos Aniceto

Mestre da cultura popular desde 2004, Raimundo Aniceto está à frente da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, levando adiante a herança deixada pelos seus antepassados Cariris.

Feito xilogravura colorida em movimento, os Irmãos Aniceto pinotam no rumo de uma cultura de andar compassado no grave da zabumba cavada no tronco da timbaúba; cultura de olhar inquieto como menino novo mirando aquele Véi Anicete, filho de pai e mãe índia, de nome José Lourenço da Silva, que na sua pessoa materializa o passado de séculos, com a notícia mais antiga datada da tradição dos índios Cariri, que teimavam em ficar por ali, no pé da Chapada do Araripe, antes da colonização, no sul do que viriam a dar o nome de Ceará, e mais detalhadamente, Crato.

Viriam a dar o nome de José Anicete ao Lourenço da Silva, e este, o de Francisco, Luiz, João, Antônio e Raimundo a seus filhos. O tempo tratou de colocar o plural, trocar um "e" por um "o", e por fazer, primeiro o Crato, depois o resto das terras até a praia da índia Iracema e além mar, conhecer a banda cabaçal de dois pifes, uma zabumba e um tarol – e mais na frente um casal de pratos – pelo nome de Irmãos Aniceto.

Irmãos de sangue de veia poética, que contam seis filhos homens, do Francisco, o mais velho, até Raimundo, intitulado Mestre da Cultura pela Secult em 2004, com 72 anos inteirados neste ano e uma fala humilde e risada frouxa. Tocador e dançarino da bandinha da família desde o começo dos anos 60, quando da viagem da banda, ainda com seu fundador Anicete – na época já com um século de vida -, para Porto Alegre, em comemoração ao aniversário da TV Guaíba.

Por telefone, cinco dias depois da festa em sua casa da Renovação do Coração de Jesus, chegando da roça, da cultura de batata doce e do arroz já na colheita, Mestre Raimundo contou, antes do almoço, as histórias dessa maravilha da cultura, que dizem popular, mas pode bem ser cultura que se faz do lembrar e do viver ao mesmo tempo.

A banda, que tem no tempo uma vereda de espinho e esperança, vai perdendo seus integrantes, mas abrindo o caminho dos novos, já na quarta geração, com os filhos de Adriano, Cícero e Jeová, filhos de Antônio e João, netos de José Anicete. É a bandinha criada há pouco tempo, que vai tanger o trabalho dos Aniceto, dos Cariris e sabe lá de quem antes deles.

Mestre Raimundo, vocês estão com uma bandinha nova é?
Tem uma novinha, tamo criando uma bandinha nova. Tudo da família, filho de Adriano, de Antônio, tudo é gente da gente mesmo, vi?. É bandinha infantil, começou agora esse ano. Ela já tá se saindo, já fez show…

Qual a idéia principal de formar essa bandinha?
Porque essa bandinha infantil futuramente é quem vai tomar de conta da banda velha né, que meu pai criou. Vai passando de um pro outro. Já vai pra uma quarta geração.

O seu pai era índio? Você pode falar um pouco do seu pai?
Meu pai foi o fundador da banda. Meu pai criou seis filhos homi, todos tocador, mas deixa que já faleceu quase todos. Só tem eu e o Antônio, o mais velho, que tá tangendo o nosso trabalho. Aí a banda tá completa com sobrinhos, já filho dos meninos que morreram. A banda, menino, tá uma maravilha, já foi boa e hoje já tá é melhor, viu? A banda tá fazendo sucesso dentro do nosso Brasil, tá uma coisa mais linda que a gente nem pensou que era desse jeito. Meu pai foi uma alegria do mundo, foi uma alegria do Crato, todo mundo gostava do meu pai e ainda hoje gosta. Devido ao nome do pai, hoje nós cria essa banda. Ele tinha o apelido de José Anicete, mas o nome de pai era José Lourenço da Silva. Aí ficou a família toda por Anicete, mas só apelido.

Quais foram os ensinamentos do seu pai?
Meu pai era dos índios Cariri, do Crato, aí desde antigamente tinha os componente dele que contava mais ele. A gente ainda conheceu, finado Danilo, finado Zé Paulo, tudo já faleceu. Aí a gente foi se criando, foi se entendendo, o pai ensinou tudo à gente do que ele já sabia e vinha fazendo, ensinou tudo, né. Aí a gente tangeu a banda pra frente. Meu pai faleceu com 104 anos de idade, deixou essa banda, essa maravilha pra gente brincar. Aí pediu, antes de morrer, pra que a gente não acabasse a banda, segurasse, que a família era grande, que ele ia morrer mas deixava essa coisa pra gente divertir. Aí nós estamos hoje continuando a nossa bandinha, tá uma maravilha, boa demais!

Como é que foi que ele passou o saber?
Eu comecei a tocar com 6, 7 anos de idade, novinho, aquilo era um sucesso quando a gente tava numa renovação tocando, a meninada e meu pai ensinando direitinho. Era uma coisa linda, eu ainda me lembro de quando era garoto. As festas, as renovação do nosso pé de serra, porque toda vida teve as renovação né, aí meu pai ia tocar nas renovação e nós ia com ele, aí ele foi ensinando a gente como era que tocava, como era que provava a mesa do Coração de Jesus, e a gente aprendendo. Ainda hoje a gente faz os trabalho que ele deixou. Até os 100 anos o pai tocou. Com 10 anos nós fomos pro Rio Grande Sul na primeira viagem com meu pai, aí nós comecemo a viajar. Aí com quatro ano meu pai foi se doendo, já véi, se adoecendo depois de 100 anos. Doença da velhiça mesmo, né. Era um véi sadio.

Como é que foi esse processo de substituição dos componentes da banda, mestre?
Meu irmão mais velho, o Francisco, ficou no lugar de meu pai, aí depois de Francisco ficou o João. Foi a alegria do Brasil né, o finado João foi uma alegria grande da nossa bandinha do Brasil. Aí hoje apareceu Luiz tombém. Ele tava foragido, ele tava morando no Rio de Janeiro. Aí quando João morreu aqui, ele morreu lá tombém. João levou uma queda aqui e tacou a coxa no tronco. Aí morreu. Aí Luiz levou uma queda lá e lascou a cabeça. Morreu tombém. (Risos).

O senhor não tem medo da morte?
Cuma?

O senhor não tem medo da morte?
Não, tem não, que é uma coisa natural né, que a gente vem vivo, mas (risos) não deve ter medo não.

O senhor acha que vai encontrar seu pai?
Rapaz, é capaz. A gente lá em cima não sabe de nada, mas o povo diz que tem um local bom pra gente, vamo vê como é que é, né. Se tiver um local bom, eles vão tá lá esperando a gente.

Nesse tempo do seu pai não tinha os pratos na banda ainda.
Não, os prato é o seguinte. O prato é mineral, a gente não usava antigamente não, era quatro componente a banda, mas hoje toda banda tem um casalzinho de prato. É bom o chiado, o ritmo, é uma maravilha.

De quem foi a idéia de botar os pratos?
Foi mermo das outras bandas né, que a gente vendo as banda de metal, tudo com um casal de prato chiando. Aí: "vamos botar na banda?". Aí botemo. Foi bom o resultado, uma maravilha.

Tirando os pratos, os outros instrumentos o senhor mesmo que fabrica. Pode me falar um pouco de como é o processo?
O primeiro zabumba é da banda que a gente toca, ainda foi do meu pai, aí ficou o cumpade Chico construindo os instrumentos. Aí hoje, que ele faleceu, quem tá fazendo sou eu, o Raimundo, hoje sou o mestre da cultura, né? Aí tô fazendo a banda, tem um bumba que eu aprontei esta semana, que nós já fizemo um show essa noite, um bumba que é uma maravilha, bumba bom danado. Mas o bumba velho, ninguém não deixa a tradição que meu pai deixou. É a que nós toca, que já foi meu pai que deixou.

Como é que faz?
A gente tora a timbaúba naquela parte grossa, do meio pra baixo, aí a gente tem um serrote, corta as rola, fura um buraco no meio da madeira e vai tirando com o escopo grande, vai tirando, tirando, tirando, é uma mão de obra danada. É um mês todinho pra entregar uma banda: dois pife, tarol, zabumba.

E o pife?
Os pife é da nossa taboca. O pife é sempre na escala de músico, dá as notas bem direitinho, dá dó maior, ré menor, lá… Tudo que procurar o pife tem.

E as danças do espetáculo?
Uma parte já vem de pai meu, ele já foi quem me ensinou como os índios dança. Meu pai ensinou o Corta Tesoura, o Pula Cobra, o Trancelim. Tudo foi meu pai que ensinou. Nós tem uma dança que é Amassa Barro, que é quando a gente faz uma casa de taipa, aí se ajunta muitos companheiros. A gente faz uma panela, compra uma cachaça, uma coisa pros cabas engolir, aí de noite tem o Amassa Barro. É a gente dançando pra amassar aquele barro.

E essas histórias de imitar animal?
Surgiu já com Antônio né, que Antônio é muito inteligente, ele imita vinte e cinco bicho, é jumento, cavalo, burro, peru, pinto… Ele imita tudo. Aprendeu com ele mesmo, na roça, vendo o canto dos passarinho. Ele remeda tudo. Nós fumo a São Paulo pra fazer um festa do canto dos passarinhos, aí Antônio tirou o primeiro lugar. Tá com três anos.

Na roça mesmo você tem algumas idéias pra música?
Isso é uma coisa que a gente tem, faz como poeta sabe, a gente tem um pouquinho da veia, a gente faz na hora. Nós vê o grito de um pato, o relincho de um animal, aí a gente pensa e faz na hora.

E fica na cabeça?
Fica. A nossa banda não tem letra não, é de ouvido, viu?, isso é a coisa mais linda que a gente tem, porque tudo nosso é de ouvido, nós faz na hora. É uma coisa, uma tradição legal da gente mesmo, uma coisa que Deus deixou, porque tudo é inteligente, tudo sabe ajeitar.

E a brincadeira de Jogo de Facão?
Bem, essa brincadeira de jogo de facão é mais nova, já foi a gente que inventou. Nós chegamos no Rio Grande do Sul, aí assistimos uma brincadeira de quatro componentes jogando facão. Quando nós cheguemo aqui, fizemo de dois, eu e o mestre João. Diz o público que ainda foi melhor do que os quatro de lá, nós fizemos mais bom, nós fizemos e botemos na banda o Jogo de Facão.

O senhor gosta da roça, não é?
Eu comecei a trabalhar na roça com a idade de 10 anos, e já estou com a idade de 72 e sou o caçula de 10 irmão que pai criou. A roça é a maior força da gente, porque muita gente já pensa que a gente é rico, como a gente escuta: "Ah, os irmãos Aniceto tão rico". Não, meu filho, tá não. Ele vem aqui em casa: "Mai rapaz, eu pensei outra coisa". Não, tudo é agricultor, tudo trabalha na roça, tudo é trabalhador de roça, trabalha na cultura. A nossa bandinha provém da cultura, da roça, aí da roça nós conhece de tudo, tem uma cobra, um sapo, a gente faz aqueles número tudo bem parecido né, faz bem feito.

Mas a roça é na terra dos outros?
É na terra dos outros. Nós não tem terra não. Nós pega um pedacinho de terra e planta na terra dos outros. Eu tô acabando de tirar 30 sacos de arroz. Mas trabalhar na terra dos outros é fraco, viu, porque a gente não tem condições de comprar um pedacinho de terra pra trabalhar, aí é o jeito trabalhar na terra dos outros, mas tudo é amigo, tudo é jóia, não existe também muita coisa não.

Voltando a seu pai, o senhor pode descrever ele?
A orelha de pai era grande, era meio palmo de urêa. A voz era assim meia grossa. "Hoje vocês tudo é pra ir pra roça tombém" (imitando a voz do pai). Ele era meio calado, gostava muito de achar graça, mas era um homem calado. Nunca açoitou a gente não. Ele criava a gente só no rabo do oi. Quando ele tava conversando com um conhecido, a gente ficava por ali, bastava ele passar aquele olhão dele, a gente já baixava o sentido.

E a senhora sua mãe?
Mãe? Mãe era mais perigosa. Mãe de vez em quando tacava um cocorote na cabeça da gente (risos). Mas a gente agüentava. Ela era agricultora tombém, trabalhava na roça e ajeitava a comida direitinho, varria a casa, era uma maravilha, batia a roupa da gente, engomava na hora que a gente pedia, era jóia a minha mãe. Ela ajeitava as roupas da banda, ajeitava tudo. Só não fazia fazer, porque é mais complicado né, a gente mandava fazer em um modista, aí ele é que faz.

O que ela cozinhava pra vocês?
Falar em de comer, eu passei uma crise viu, que foi uma crise braba, eu comia até massa de mucunã, miolo de macaubeira, tudo nós comemo. Quando era garoto, até inchando, eu tava inchando de comer comida braba. Eu alcancei uma crise ruim, crise de fome, viu? Era todo mundo no mato caçando mucunã pra comer, aí pisava no pilão, lavava em nove água pra comer com meio pão. Hoje, quem é que quer comer isso, hein? (Risos).

Nesse tempo a banda tocava?
Tocava. Já, já tinha banda. A gente todo tempo a gente pegava um cachezinho, mas só de renovação, que não tinha viagem ainda, né. Aí, aquela renovação era animada, a gente comia um frango, uma coisa, a gente saía bem cedo e chegava em casa de noite.

Quem morreu primeiro, seu pai ou sua mãe?
Meu pai morreu primeiro do que minha mãe. Com dez anos que pai morreu, mãe morreu. Ainda durou muito ainda. Morreu de velha, morreu com 102 anos.

Nesse rumo, você tem um bocado de anos pela frente…
Ave Maria, rapaz… Ainda hoje eu tenho o sentimento de que meu pai morreu, minha mãe, era um braço forte pra gente, viu? Aí a gente toca porque tem, mas quando se lembra fica meio triste.

Mas a bandinha ajuda quando tá triste…
A bandinha ajuda, é uma maravilha. Ainda esta noite, nós tivemos num show lá no Sesc daqui do Crato. Nós toquemos um choro esta noite, mas muita gente chorou de emoção, que a banda contém uma emoção né, a gente se lembra da tristeza, das coisas, e o pife dá uma lembrança, aí muita gente chora. Chora porque se lembra do passado, do tempo que aquele povo mais velho era vivo, que gostava muito da banda, aí o povo mais novo se lembra e chora mesmo.

Vocês tocam aonde, seu Raimundo?
A gente toca pra tudo, a gente toca pra igreja, a gente toca em procissão, nós temos nove noites de novena, em capela a gente toca, em renovação, toca em casamento, pra batizado, aniversário… Nós toca pra tudo, até pra quem morreu.

Pra quem morreu?
É. Acompanhar o enterro tocando hino, tocando um bendito. Acompanhemo o enterro do pai e de mãe tombém, do finado Zé, tudo a gente acompanha, tudo é de um jeito, a gente entende aquele bendito, aquele hino, os santos, a gente acompanha os enterro. Aí muita gente não agüenta não, que é penoso. A gente dá um nó na goela, mas vai (risos).

É difícil tocar o pife desse jeito, né?
A gente vai devagarzinho, mas acompanha sempre.

O senhor é muito religioso?
É sim. Eu gosto dos santos, sabe? Sou devoto de São José, Coração de Jesus. Todos os santos pra mim é bom. São José, viiiiiixe beleza, nós toca o mês todim pra São José. Toca nas igreja. Nós toca também em Juazeiro, em Barbalha…

É muito convite?
Tem, agora por adiante, num sendo um caso que a gente vá pra um show em Fortaleza, é capaz da gente tocar toda semana. Tem Renovação do Coração de Jesus, agora de junho em diante começa. Agora no dia 15 que foi passado, foi aqui em casa a renovação. Foi uma maravilha, veio até gente aí de Fortaleza, aqui enche e é gente muita.

Como é a festa?
A festa a gente dá a salva de cinco hora, dá a de mei-dia, e dá a de seis horas da tarde com os instrumentos, com a banda, né. Aí de noite tem as novenas, tem uma mulher pra rezar, um padre vem rezar a renovação. Quando é mais tarde que termina a renovação, tem o bolo, tem café, a gente compra um aimoço bom pros tocador comer, tem quissuque, dá o aluá, é uma maravilha.

Qual o significado da festa?
A festa é a renovação, né. A gente compra um quadro do Coração de Jesus e manda benzer e traz pra casa, aí tem de fazer a renovação. Depois que fizer a renovação aí fica naquela data, todo ano tem que fazer naquela data. Quando é cinco hora da manhã, a gente bota o bumbo pra riba, aí começa a chegar gente, aqui-acolá nós bota um choro bom daqueles nossos.

O senhor tem um banca na feira do Crato.
Rapaz, eu tenho um comerciozinho, é fraquinho, é só comércio de farinha e goma, aí eu boto um saco de farinha e um saco de goma. Tá fraco, não tem mais comércio não, tá fraquinho. Cinco horas da manhã eu tô armando a barraquinha na feira, fico até cinco horas da tarde, é o dia todim. Aqui, aculá, chega um, "bota um litrim de farinha", "bota um litrim de goma". A farinha tá de um real, a goma é dois real. Já teve mais caro um pouquinho, mas baixou, graças a Deus baixou. De vez em quando eu levo uns pife pra vender tombém. O pife tá de 10 reais.

O senhor já pensou em viver só da música?
Não, não sustenta não. A gente ama a música que a gente aprendeu, mas pra viver não dá não. A maior força da gente é a roça, a cultura. Os cachê é pouquinho, não dá pra sobreviver não. Um cachê da banda vai todim. Se a gente fosse tomar um copo no setor mesmo, lá mesmo ficava. Aí é onde eu digo que muita gente pensa errado, porque pensa que a gente tá enricando, mas não tem riqueza pra nós não, ainda não. Tudo é pobrezinho, tudo é fraco. A gente ainda daqui a aculá ganha um biscate, compra uma roupa, um par de alpercata, uma coisa, mas não dá pra nós sobreviver da banda não. Hoje melhorou porque a gente tem uma ajuda do nosso governo né, a gente tem parceria da prefeitura, aí nos deu uma ajuda, pra bandinha dos Aniceto. Hoje eu sou o mestre da banda né, eu ganho um salário do governo, aqui no Cariri tem 24 mestre que o governo facilitou um salário. É uma maravilha, ô governo bom, meu Deus.

Como é que foi lá na Europa?
Foi 100% viu, foi uma maravilha, parece que se a gente tivesse lá, ainda tava com show. Fumo pra Portugal, fomos apresentar no Crato de lá. Um lugar pequeno mas é bonito. É bem interessante, aqueles prédio, tudo é negócio antigo, é bem feito o Crato de Portugal.

Mas prefere o Crato do Cariri?
Eu acho melhor o nosso Crato aqui. Quando a gente veio de viagem no avião né, que vai chegando ali em Fortaleza, o avião parece que cresce a asa pra chegar tão ligeiro que é uma maravilha.

O senhor acha que seu pai tá gostando do que a banda tá fazendo?
Acredito que sim viu, já que ele deixou, ele deve tá gostando também, achando bom.

SAIBA MAIS

Hoje os integrantes da banda são: Antônio no primeiro pife, Raimundo no segundo, Adriano (filho de Antônio) na zabumba, Cícero (filho de João) nos pratos e seu irmão Jeová no tarol.

O termo cabaçal vem da zabumba de cabaça que José Anicete tocava, herança dos índios Cariri.

O primeiro disco foi um Documento Sonoro do Folclore Brasileiro, da Funarte (1978), já o primeiro CD foi produzido por Rosemberg Cariry e Calé Alencar. A dupla de artistas cearenses também produziu um filme-documentário.

Em vídeo, a bandinha também foi registrada em um curta dirigido por Roberto Berliner em 1997 (diretor do longa A pessoa é para o que nasce). O filme Som da Rua – Irmãos Aniceto pode ser assistido no site: http://www.portacurtas.com.br

Os irmãos já foram a Europa participar do aniversário da cidade portuguesa Crato e ano passado, como parte do ano do Brasil na França. Também participaram de uma temporada no Sesc Pompéia, um dos principais palcos de São Paulo.

Na biografia Irmãos Aniceto, de Pablo Assumpção (Coleção Terra Bárbara, Edições Demócrito Rocha), Antônio conta uma história que em um show na Exposição Agropecuária do Crato, há muito anos, os Irmãos Aniceto estavam tocando no chão pro povo, enquanto do outro lado Luiz Gonzaga tocava em um palco. "Quando foi no meio do show ele mandou parar tudo e falou mesmo assim no microfone: "diga aos Aniceto que num dá pra tocar assim com eles tocando, não, hôme. Essa zabumba é mais alta do que minha sanfona!", conta achando graça Antônio, hoje com 74 anos.

Meu pai faleceu com 104 anos de idade, deixou essa banda, essa maravilha pra gente brincar. Aí pediu, antes de morrer, pra que a gente não acabasse a banda, segurasse, que a família era grande, que ele ia morrer, mas deixava essa coisa pra gente divertir

A nossa banda não tem letra não, é de ouvido viu, isso é a coisa mais linda que a gente tem, porque tudo nosso é de ouvido, nós faz na hora. É uma coisa, uma tradição legal da gente mesmo, uma coisa que Deus deixou, porque tudo é inteligente, tudo sabe ajeitar

A roça é a maior força da gente, porque muita gente já pensa que a gente é rico, como a gente escuta: "Ah, os Irmãos Aniceto tão rico". Não meu filho, tá não. Ele vem aqui em casa: "Mai rapaz, eu pensei outra coisa". Não, tudo é agricultor, tudo trabalha na roça, tudo é trabalhador de roça, trabalha na cultura

Quando era garoto, até inchando eu tava, inchando de comer comida braba. Eu alcancei uma crise ruim, crise de fome, viu. Era todo mundo no mato caçando mucunã pra comer, aí pisava no pilão, lavava em nove água pra comer com meio pão. Hoje, quem é que quer comer isso hein? (Risos)

Nós toquemos um choro esta noite, mas muita gente chorou de emoção, que a banda contém uma emoção né, a gente se lembra da tristeza, das coisas, e o pife dá uma lembrança, aí muita gente chora né.

 

Fonte: Jornal O POVO.