Brasil de Fato: “As verdades” que Bush vende sobre o Iraque

Jornalista estadunidense revela que governo dos EUA manipula informações e cria mitos sobre os terroristas, como a história do suposto líder da Al Qaeda morto. Por João Alexandre Peschanski, entrevista reproduzida do jornal Brasi

"Os Estados Unidos não têm o controle da situação do Iraque, apesar de 3 anos de ocupação. Os insurgentes definem os rumos da política do país. Mas não se tem informações sobre isso, porque o presidente George W. Bush exerce, aí sim, um controle estrito sobre as informações que saem do Iraque, principalmente as distribuídas pelas grandes corporações.

A análise é do jornalista estadunidense Chris Floyd, que acompanha a política dos EUA no Iraque, em entrevista ao Brasil de Fato por correio eletrônico. Ele afirma que o governo estadunidense manipula informações para fazer os líderes terroristas parecerem mais poderosos do que realmente são. É o caso de Abu Musab al Zarqawi, suposto líder da Al Qaeda iraquiana. Assassinado em 7 de junho, sua imagem foi circulada como um troféu de guerra por Bush, como se fosse uma vitória pessoal. Criar mitos, como o de Zarqawi, demônios do Mal, tem sido o meio para esconder as atrocidades que estão sendo cometidas no Iraque, como as mortes de inocentes e a pilhagem do país.

Brasil de Fato – O sociólogo Michel Chossudovsky afirma, em artigo, que Abu Musab al Zarqawi, supostamente o líder da al Qaeda no Iraque, fazia parte da campanha de desinformação promovida pelo governo estadunidense. O objetivo era criar um super-herói do Mal, contrapondo-o à Coalizão, que ocupa o país do Oriente Médio desde 2003, como um super-herói do Bem. Essa estratégia foi até exposta no jornal conservador The Washington Post (veja a reportagem em inglês). O mito de Zarqawi foi criado, intencionalmente, pelos Estados Unidos?

Chris Floyd – Zarqawi não foi uma criatura inteiramente mitológica. Havia um terrorista de verdade com esse nome, cuja história de vida bons jornalistas retraçaram. Alguns até foram a seu funeral. Mas "Zarqawi, o Monstro da Babilônia", o cabeça da insurgência iraquiana, braço-direito do demônio Osama bin Laden, foram chavões criados por pura fantasia do Pentágono. Como você colocou, o Post encontrou documentos do Pentágono admitindo que a criação do mito Zarqawi era parte da milionária campanha de operações psicológicas de mídia (PSYOP) para enganar o povo estadunidense (Leia mais sobre o controle da mídia dos EUA pelo Pentágono). A razão é simples: permitiu à gangue de George W. Bush apresentar suas agressões ao povo iraquiano como uma frente da "Guerra contra o Terror". Permitiu-lhe manter o vínculo entre a guerra no Iraque e os ataques de 11 de Setembro, dizendo que estão lutando contra a al Qaeda no Iraque. A morte de Zarqawi não vai fazer diferença na campanha de PSYOP. Pode até piorar. Criaram, agora, um tal de "conselho da insurgência", do qual o grupo de Zarqawi faria parte. Esse conselho – que na mídia estadunidense é diretamente ligado ao demônio bin Laden – está sendo acusado pelo aumento de ataques terroristas que seguiram a morte de Zarqawi. Li uma matéria em The New York Times que usou o termo "grupos da al Qaeda" para identificar as pessoas que realizaram atos de insurgência. A gangue de Bush repete, sem parar, a mesma tática. Apresentam toda a resistência armada do Iraque como al Qaeda. O que mais podem fazer? Contar a verdade?

BF – Em seu artigo Confusão em Hibhib: a oportuna morte de Zarqawi, você cita um senador estadunidense que disse que a morte de Zarqawi foi uma vitória pessoal de Bush. Qual o impacto dessa morte?

Floyd – Bush saiu favorecido, não pelo povo estadunidense, que continua opondo-se à guerra, assim como rejeita a liderança de Bush em algo como 70% (Popularidade de Bush em queda livre). Mas a morte de Zarqawi aumentou o apoio de Bush na classe política, incluindo a mídia. A maioria das grandes publicações e canais de televisão organizaram debates com o tema "O Iraque após Zarqawi", comprando a idéia de que ele era responsável pelo inferno que está o Iraque, situação criada pelo próprio Bush. Assim, o governo mina as críticas dos opositores no Congresso, que timidamente exigem a retirada das tropas. A morte de Zarqawi, na verdade, não vai ter impacto algum na situação do Iraque. É isso que Bush e sua gangue não entendem: os Estados Unidos não controlam mais a situação no Iraque. De um modo geral, o controle é da insurgência. Se os insurgentes decidem chegar a acordo com um governo iraquiano – a aceitação de um acordo de paz, como tem sido negociado -, isso terá um impacto decisivo na situação, mesmo que não acabe com a violência. Os próprios iraquianos – insurgentes, tribos, milícias xiitas, milícias curdas – vão decidir a situação, no final das contas. Os estadunidenses são irrelevantes, e seus soldados estão morrendo e matando em vão (De 38,5 a 42,9 mil civis iraquianos foram assassinados desde 2003 segundo o site Iraque Body Count). Os estadunidenses só conseguem piorar as coisas. Quanto mais Bush e o vice-presidente Dick Cheney tentarem dominar o mundo pela força, menos terão controle sobre os eventos. Mas se tornam mais e mais irrelevantes. Não percebem isso, por enquanto. Quando perceberem, só vão aumentar a força que impõem no mundo. Isto porque não vão desistir de seu sonho de dominação. É isso o mais assustador em relação à situação no Iraque: a derrota que vão sofrer não lhes ensinará uma lição, mas apenas os levar a usar mais força da próxima vez, matando mais pessoas.

BF – Chossudovsky faz uma diferença entre a insurgência iraquiana e os grupos da al Qaeda. Os primeiros são organizados por vítimas das atrocidades estadunidenses, como as de Faluja, e os outros são usados por Bush para esconder ou justificar tais atrocidades. Você concorda?

Floyd – Em parte. A resistência iraquiana é muito dispersa para poder ser categorizada de modo tão sucinto. Há muitos grupos envolvidos, com várias reivindicações, unidas apenas pela vontade de expulsar os estadunidenses. Mas não se tem informações detalhadas sobre isso, pois é parte da estratégia de Bush manter a política interna iraquiana sob um véu de confusão.

BF – O povo estadunidense não aceita mais as justificativas de Bush. A popularidade dele despencou. Mas que impacto tem isso na definição política dos Estados Unidos?

Floyd – A maioria da população se opõe à guerra. O problema é que a vontade do povo não importa para a classe política e para a mídia. Bush não venceu as eleições de 2000 e 2004, como comprovou Greg Palast. Mas isso é um tema proibido na mídia corporativa dos Estados Unidos. Os níveis de oposição a Bush são muito altos, dado o fato de que a população não tem acesso a informações relevantes sobre o que ocorre no Iraque.

BF – Em seu artigo, você escreve que a morte de Zarqawi ocorreu no momento em que o primeiro-ministro Nouri al-Maliki estava indicando vários funcionários de alto escalão e ministros para o governo. Como está o governo iraquiano?

Floyd – O governo do Iraque não é um ator independente. Depende do poder militar estadunidense para sobreviver. Mas muitas facções no governo têm mais independência, como os partidos xiitas, apoiados pelo Irã, que Bush não queria ver no poder. No aspecto político, a ocupação tem sido um fracasso. Os Estados Unidos mantêm sua interferência no governo, mas em um nível muito menor do que queriam. Do mesmo modo que o governo iraquiano depende da ocupação, a ocupação depende do aiatolá Ali al-Sistani, o líder xiita nascido no Irã. Ele tem o poder de colocar milhões de iraquianos nas ruas, e na insurgência, contra os estadunidenses. Foi Sistani que forçou Bush a abandonar o plano de colocar um de seus homens de confiança no poder, foi ele que forçou os estadunidenses a aceitar as eleições. Foi seu bloco político que venceu as eleições. De novo, Bush domina o Iraque pela força, mas não controla o que se passa por lá. Mas, para ser claro: Sistani ganhou o duelo político porque aceitou a ocupação militar do país e o roubo da economia do país promovido por Bush. A economia iraquiana está devastada pela ação de corporações ocidentais. O regime de Bush venceu a guerra, porque conseguiu roubar bilhões de dólares dos iraquianos.

Mas a morte de Zarqawi aumentou o apoio de Bush na classe política, incluindo a mídia. A maioria das grandes publicações e canais de televisão organizaram debates com o tema "O Iraque após Zarqawi", comprando a idéia de que ele era responsável pelo inferno que está o Iraque, situação criada pelo próprio Bush. Assim, o governo mina as críticas dos opositores no Congresso, que timidamente exigem a retirada das tropas. A morte de Zarqawi, na verdade, não vai ter impacto algum na situação do Iraque. É isso que Bush e sua gangue não entendem: os Estados Unidos não controlam mais a situação no Iraque. De um modo geral, o controle é da insurgência. Se os insurgentes decidem chegar a acordo com um governo iraquiano – a aceitação de um acordo de paz, como tem sido negociado -, isso terá um impacto decisivo na situação, mesmo que não acabe com a violência. Os próprios iraquianos – insurgentes, tribos, milícias xiitas, milícias curdas – vão decidir a situação, no final das contas. Os estadunidenses são irrelevantes, e seus soldados estão morrendo e matando em vão . Quanto mais Bush e o vice-presidente Dick Cheney tentarem dominar o mundo pela força, menos terão controle sobre os eventos. Mas se tornam mais e mais irrelevantes. Não percebem isso, por enquanto. Quando perceberem, só vão aumentar a força que impõem no mundo. Isto porque não vão desistir de seu sonho de dominação. É isso o mais assustador em relação à situação no Iraque: a derrota que vão sofrer não lhes ensinará uma lição, mas apenas os levar a usar mais força da próxima vez, matando mais pessoas.