Deu no `L´Humanité´: Um final de Copa como despedida

Stéphane Guérard, Nicolas Guillermin e Christophe Deroubaix, enviados especiais do jornal comunista francês L´Humanité, escreveram este artigo antes da derrota da França para a Itália – ainda por cima

Era uma vez um garotinho kabila [ povo das montanhas do Norte da África]. Um desses enjeitados franceses que no tempo livre batem bola de encontro a uma parede. Era uma vez um marselhês da Praça la Castellane, que virou gênio.

 

Uma fada terá se debruçado sobre ele? Nunca se saberá o que houve. Esse menino tímido e magrelo cresceu, cresceu e cresceu, tanto que e tão bem que no fim o mundo inteiro só viu a ele. Era uma vez um garotinho do Mediterrâneo, um rebento que no domingo será acompanhado pelos olhos de 6 bilhões de seres humanos.

 

Olhar para a final Itálkia-França da Copa do Mundo de 2006 será assistir à consagração de um personagem singular. Um homem que ganhou tudo e se oferece o Mundial como aposentadoria. É preciso ser louco para se atirar numa aventura assim. Mesmo o mais ardiloso dos jogadores não chegou lá – Diego Maradona tombou por ter cheirado demais.

 

Nosso homem, afinal, pode estar maluco. Lembre o anúncio do seu retorno no ano passado: “Eu ouvi uma voz”. Essa voz obrigou o aponsentado internacional a retornar, salvar a pátria da eliminação e levar seus representantes à final de 9 de julho em Berlim. “Era meu irmão no telefone”, diria ele em seguida. Será que vai dar certo?

 

Este conto do século 21 conta a história de um menino que convidou seus coleguinhas. Há Claude Makelele, o duende recuperador, Lilian Thuram, o rabugento da defesa, Fabien Barthez, o guardião lunar, Patrick Vieira, o felino do meio-de-campo, Thierry Henry, o esperto atacante, e Willy Sagnol, o alemão lateral.

 

A caminho, essa troupe heterogênea encontra novos amigos. Jovenzinbhos um pouco perdidos mas muito simpáticos e dinâmicos. Um homem de grossas sobrancelhas sopra um pó de prilimpimpim táticos, e eis que lá vão eles.

 

É a história de uma rotina iniciática. Uma dessas que põe você diante da sua vida. No início foram os suíços e seus chocalhos cruzados. Houve os sul-coreanos, esses diabos vermelhos que dão medo. Houve os togoleses, reminicência dos senegaleses de 2002 e seus fantasmas, que assombravam a tropa azul.

 

Uma vez que se desembaraçaram deles, a caminhada foi menos tortuosa porém mais dura. Como se quizesse se vingar de vitórias passadas. Todos os derrotados de outrora, os espanhóis, os brasileiros, os portugueses tinham contas a ajustar. Mas, num conto de fadas, tudo termina bem. Até a derradeira prova.

 

Desta vez é a Itália. É como se espiar num espelho mágico, defrontar um outro eu, e perguntar  — quem é o mais belo, eu ou eu?

 

Desde 1996, os bleus mergulharam nos azurri [“azuis”, em francês e em italiano] para se reconstruirem. Platini tinha mostrado o caminho, Deschamps, Dessailly, depois nosso herói e Henry, Trezeguet, Thuram e Vieira passaram pelo Juventus de Turim. Aprenderam ali o rigor, o físico, com estrategistas como Marcelo Lippi, o treinador da Itália. Domesticaram o realismo, esse bicho frio que aniquila a esperança do adversário a dar o último golpe. Partilharam também o lado ruim: o número anormalmente elevado de glóbulos vermelhos em certos Bleus do Juventus, depois de 1998; a creatina assumida; os nomes franceses no atual escândalo do futebol italiano.

 

Continuaram muito amigos. “Tenho profunda amizade por eles”,  disse o meia Alessandro Del Piero. Uniforme azul e azul uniforme. Domingo, será preciso vencer nossa segunda metade.

 

Fonte (em francês): www.humanite.fr