Para Robert Fisk, o que Israel está fazendo é um escândalo

Atualizada às 23h15


 


A artilharia israelense faz nesta segunda-feira (17) bombardeios maciços ao longo da fronteira com o Líbano. O ataque, de acordo com a mídia internacional, matou 17 pessoas. O total de libaneses assassinados p

Em resposta aos ataques, o Hezbollah lançou alguns foguetes contra a cidade israelense de Haifa mas, de acordo com o exército de Israel, os mísseis erraram os alvos e não produziram danos. Os oficiais disseram que alguns dos foguetes caíram no mar e outros em áreas inabitadas. Também foram lançados foguetes contra Tiberias, próximo do Mar da Galiléia.


 


Pelo menos 200 libaneses foram assassinados desde o início da agressão perpetrada por Israel na semana passada. Estima-se que 23 foram mortos em ataques aéreos no sul do Líbano no domingo. O bombardeio maciço contra o sul libanês, sem precedentes nos últimos anos, começou no final da noite deste domingo, e prossegue com forte ritmo e sem interrupção. Apesar da agressão desproposital, os libaneses ainda conseguiram disparar dezenas de foguetes nas últimas horas, sobre diferentes cidades do norte de Israel.


 


O primeiro-ministro Ehud Olmert usou como pretexto para a intensificação da agresão o lançamento de mísseis pela guerrilha do Hizbolá contra Haifa. Os foguetes atingiram na madrugada e na manhã desta segunda-feira, entre outras, as localidades de Kiryat Shmona, Safed e Akko, deixando três pessoas feridas.


 


Os ataques israelenses na manhã desta segunda-feira também tiveram como alvo Tripoli, a segunda maior cidade do Líbano, localizada no norte do país, assim como áreas no centro e no leste do Líbano. Pelo menos 17 morreram, incluindo oito soldados libaneses no porto de Abdeh, nas proximidades de Tripoli.


 


Haifa, terceira maior cidade de Israel, acordou às 6h (0h de Brasília) com o barulho de sirenes, mas não há informação sobre quedas de foguetes.


 


Na posição de Tzivon, a cerca de quatro quilômetros da fronteira e junto a um kibutz (fazenda coletiva) que foi abandonado por todos os seus habitantes, os militares israelenses estão há cinco dias quase sem dormir. 'Aqui não há tendas de campanha porque seria perigoso', explicou um dos militares.


 


O número de mortos israelenses é de somente 24 militares. O país iniciou a agressão contra o Líbano a pretexto de atingir a guerrilha do Hezbollá, mas atingiu centenas de alvos civis. Líderes do G8, reunidos na Rússia, culparam as 'forças extremistas' pela crise, e não o Estado agressor, e fizeram um 'pedido' para Israel acabar com as 'operações militares'.


 


Para o jornalista Marco Aurélio Weissheimer, o que Israel está fazendo no Líbano e na Faixa de Gaza é terrorismo de Estado. 'Os ataques não estão fazendo nenhuma distinção entre alvos civis e militares. No sábado, um ataque aéreo de Israel atingiu uma van perto da cidade portuária de Tiro, no sul do Líbano, e matou todos os 16 passageiros, entre eles oito crianças. Segundo a polícia, eles estavam fugindo da aldeia de Marwaheen após receberem advertências de Israel. No quarto dia de bombardeios, Israel atacou o centro da capital, a partir de navios de guerra posicionados na costa de Beirute. Foram atacadas estradas, pontes, postos de gasolina e depósitos de combustível em todo o Líbano e perto da fronteira com a Síria. A população de Beirute já sofre falta de água e de energia. Os hospitais funcionam cada vez mais precariamente. E a comunidade internacional assiste a tudo de braços cruzados, limitando-se a declarações protocolares em defesa de um cessar-fogo', comenta Weissheimer, em artigo publicado hoje no site da Agência Carta Maior.


 


Fisk: o que está acontecendo é um escândalo


 


O jornalista inglês, Robert Fisk, escreve no The Independent: “O charmoso viaduto que serpenteia entre as montanhas tornou-se um alvo terrorista. Na sexta-feira, pouco antes de anoitecer, os israelenses atacaram a auto-estrada internacional que liga Beirute a Damasco e lançaram uma bomba sobre o eixo central da ponte de construção italiana – símbolo da cooperação libanesa com a União Européia -, lançando pedaços de concreto pelo vale que se estende centenas de metros abaixo. A ponte era o maior orgulho do assassinado ex-primeiro ministro Rafiq Hariri, o rosto do surgimento de um novo Líbano. E agora é um alvo terrorista. Assim, conduzi com cautela meu carro pelo velho caminho montanhoso que vai até o vale de Beeka – os jatos israelenses passando zumbindo – e ao dar a volta para regressar à autopista, defrontei-me com uma cratera de 15 metros e uma anciã que subia com dificuldade por sua borda, tentando chegar em sua casa. Ela também se tornou um alvo terrorista”.


 


Fisk considera um equívoco a reação dos políticos europeus que qualificaram como “desproporcional” a resposta israelense à captura de seus soldados. O que está acontecendo no Líbano é um escândalo e não uma reação desproporcional, defende. “Que desculpa pode haver para os 73 civis libaneses cortados em pedaços em três dias? O mesmo se aplica, diga-se logo, aos civis israelenses mortos pelos foguetes do Hezbollah. Mas anote-se, por favor, que a troca de vidas israelenses por vidas de civis libaneses está numa proporção de um para 30, sem incluir as duas crianças pulverizadas em sua casa, em Dweir, na quinta passada, cujos corpos sequer foram localizados. Seus seis irmãos e irmãs foram sepultadas na sexta, junto com seus pais. Outro alvo terrorista. O mesmo aconteceu com uma família vizinha de cinco filhos, todos enterrados também na sexta-feira. Outro alvo terrorista.”


 


Na mesma direção de Fisk, Alain Gresh escreveu, no Le Monde Diplomatique: “É proibido utilizar contra os civis a fome como método de guerra (…). É proibido atacar, destruir e colocar fora de uso bens indispensáveis à sobrevivência da população civil. As implicações do artigo 54 do protocolo adicional n° 1, de 1977, da Convenção de Genebra, são claras: o bombardeio das centrais elétricas em Gaza pelas forças armadas israelenses, o bloqueio da população civil e as punições coletivas são crimes de guerra. Um outro princípio do direito internacional violado pela ofensiva israelense é definido pelo mesmo protocolo: o da proporcionalidade. O texto estipula que os ataques são proibidos se podem provocar ferimentos ou mortes entre civis e danos a bens de caráter civil que seriam excessivos em relação ao objetivo militar esperado. Quem pode pensar por um instante que o objetivo declarado – salvar um soldado – justifica essas múltiplas destruições?”


 


E, prossegue Gresh, como afirmou o editorial do jornal israelense Haaretz: “Olmert (o primeiro-ministro israelense) deveria saber que prender dirigentes palestinos só reforça a posição deles e de seus partidários. Mas isso não é apenas um raciocínio equivocado: prender pessoas para utilizá-las como moeda de troca é um ato de uma gang, não de um Estado”.


 


Direito de defesa?


 


O argumento repetido pelo presidente dos EUA, George W. Bush, que advoga o “direito de defesa” de Israel, beira a insanidade. Aceitá-lo significa, entre outras coisas, abolir qualquer distinção entre alvos civis e militares em um conflito, o que Israel está fazendo na prática. Se as práticas de grupos como o Hamas e o Hezbollah devem ser condenadas como terroristas, como qualificar os atos que fazem exatamente a mesma coisa? As vítimas civis do Líbano e da Faixa de Gaza, a destruição da infra-estrutura básica desse território, a morte de mulheres e crianças, queimadas vivas e despedaçadas por bombas de alto impacto: que nome dar a isto? Não se trata de discutir quem atirou primeiro, mas sim de estabelecer alguns limites básicos que permitam distinguir o que é terrorismo e o que não é. Se o critério para o estabelecimento desses limites é a lei do Talião, então o próprio conceito de terrorismo se dissolve. Ao fazer o que está fazendo, Israel perde legitimidade para acusar as ações de seus adversários como terroristas.


 


Robert Fisk denuncia essa hipocrisia. “Terrorista, terrorista, terrorista. Há algo perverso em tudo isso, a matança e a destruição em massa e o uso canceroso e hipócrita da palavra “terrorista”. Não, não esqueçamos que o Hezbollah violou o direito internacional, cruzou a fronteira de Israel, matou três soldados e capturou outros dois. Foi um ato de calculada crueldade que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, jamais deveria permitir. Mas o que ocorreria se o impotente governo libanês tivesse lançado ataques aéreos contra Israel na última vez que as tropas deste país invadiram o Líbano? E se a força aérea libanesa tivesse matado 73 civis israelenses em ataques com bombas em Tel Aviv e Jerusalém? E se um caça libanês tivesse bombardeado o aeroporto Ben Gurión? E se um avião libanês tivesse destruído 26 pontes em Israel? Isso não seria chamado de terrorismo?”.


 


Israel prossegue com suas ações no Líbano e na Faixa de Gaza com o apoio total e irrestrito dos Estados Unidos. Para os defensores destas ações, as famílias das vítimas civis deverão entender que seus parentes estão morrendo em nome de uma causa justa: a da luta contra o terrorismo. Os familiares das crianças queimadas vivas em Beirute devem compreender que a morte delas é um “efeito colateral” tolerável para garantir a paz na região. Mas os “efeitos colaterais” dessas ações, infelizmente, podem ir muito além do sofrimento irreparável de algumas dezenas – ou centenas – de famílias. O Oriente Médio caminha para uma situação de aguda instabilidade, com a possibilidade de envolvimento de outros países como a Síria e o Irã. As conseqüências são imprevisíveis e assustadoras. Em um artigo publicado no The Independent, e reproduzido pela Folha de São Paulo, Rupert Cornwell escreve:


“No arco de instabilidade que se estende do Afeganistão e Paquistão até a Palestina e Israel, ocorre uma confluência de acontecimentos assustadora. Madeleine Albright, a secretária de Estado que antecedeu a Colin Powell, descreveu as crises interligadas como 'tempestade perfeita' (ou seja, avassaladora) nos assuntos internacionais”. Enquanto isso, a comunidade internacional assiste a tudo isso de braços cruzados, limitando-se a declarações protocolares e hipócritas em defesa de uma paz cada vez mais improvável.


 


Com informações da Carta Maior